segunda-feira, 18 de março de 2024

O Evangelho de Jesus em nossa vida (292)

292 | Ano B | Solenidade de S. José | Mateus 1,16-24

19/03/2024

Nem sempre São José gozou de uma cidadania ou um destaque especial na espiritualidade da Igreja. Somente a partir do século XIX o conhecido carpinteiro de Nazaré, esposo de Maria e pai de Jesus adquiriu uma relevância maior na liturgia e na devoção. Pio XII o declarou padroeiro dos trabalhadores, e João XXIII o fez patrono da Igreja universal. O Papa Francisco incluiu o nome de São José nas orações eucarísticas e dedicou um ano pastoral a ele.

A liturgia de hoje vê José como o novo “pai da fé”, como o foi Abraão, que partiu, obediente a Deus, sem saber claramente o que o esperava. O evangelho de Mateus narra, com objetivo mais espiritual e cristológico que histórico, alguns acontecimentos protagonizados por José, esse “gigante silencioso”, como o denominou um teólogo contemporâneo.

Não esqueçamos que José é o marido de Maria. Mesmo diante daquilo que, para muita gente, era uma evidência de infidelidade e traição de Maria, ele buscou um jeito de evitar qualquer dano à sua amada. O que o moveu nisso foi mais que uma simples atitude de respeito e afeto – o que já seria o bastante! – mas a convicção de que Deus estava escrevendo uma grande e bela história por essas linhas que lhe pareciam tremendamente tortas. Nada é impossível para quem crê!

O filho de Deus faz-se carne no coração desta relação de amor autenticamente humana fecundada pela fé. Um dos sinais da grandeza de José é sua renúncia ao papel masculino estabelecido pela ideologia patriarcal, segundo o qual do homem deriva toda e qualquer iniciativa boa e respeitável. José compreende que Deus não está preso a essa ideologia e não privilegia o macho, que sua vontade não está contemplada nem é realizada pela estrutura patriarcal.

Com Maria, José discerne e trilha um caminho inaudito para realizar a vontade de Deus: decidem viver um casamento que contraria os costumes e expectativas sociais, que poderá ser incompreendido e considerada vergonhosa por muita gente. Completando o matrimônio acordado e não abandonando Maria, eles decidem viver uma existência exigente contracorrente. Nisso eles são embrião da nova humanidade.

 

Meditação:

   Situe-se espiritualmente na cena descrita por Mateus, e procure penetrar nos sentimentos e pensamentos de José

   Você se dá conta que é exatamente na abdicação dos “direitos” patriarcais que José mostra sua justiça e Deus se faz carne?

   Você percebe que não é na castidade virginal, mas no amor profundo e inclusivo de José e Maria que nasce o filho de Deus?

   Em que sentido o amor conjugal plenamente humano de Maria e José é uma inspiração para as relações dos casais de hoje?

domingo, 17 de março de 2024

O Evangelho na vida de dia (291)

291 | Ano B | 5ª Semana da Quaresma | Segunda | João 8,1-11 

18/03/2024 

No dia mais solene da festa, de madrugada, vai ao templo. Neste exato momento chegam à praça do templo alguns fariseus arrastando uma mulher e acusando-a de adultério. Eles pretendem apresentar uma armadilha a Jesus: colocam ele entre a lei judaica, a lei romana e seu próprio ensino. 

Jesus começa respondendo com um gesto corporal: inclina-se, e coloca-se no nível de mulher; abaixa-se diante do um bando de homens que esperam seu sinal para liberar sua violência machista. Jesus se aproxima da humanidade ferida e busca uma avaliação e uma palavra justas. Querendo desmobilizar a violência dos acusadores, Jesus evita o olhar dos agressores. Fugindo do enfrentamento, ele o esvazia de sentido. Abandonando o combate, ele o acaba vencendo, vence o círculo da violência mimética. 

Os fariseus insistem. Então, a resposta de Jesus é extremamente simples, uma única frase, que chama ao discernimento: quem nunca pecou, que comece o apedrejamento! Os fariseus conhecem a Lei, e sabem que ela chama à conversão, à atenção a Deus e ao seu povo. Eles se dão conta da ilusão de serem superiores. E Jesus e a mulher permanecem sós na praça. A miséria diante da misericórdia. 

A mulher permanece ali, cercada pela própria culpa. Então Jesus se dirige a ela, com uma pergunta que ajuda a mulher a tomar consciência de que todos os seus acusadores são pecadores, como ela, todos são membros da mesma e única humanidade que ele veio libertar. Por fim, declara que ele também não a condena, mesmo que não tenha pecado, e pede que a mulher não volte a pecar. 

Estas palavras de Jesus não expressam frouxidão nem rigorismo, mas a misericórdia, que não legitima o pecado, mas também se recusa a reduzir e identificar a pessoa com seu pecado.  A pessoa não jamais pode ser reduzida aos seus atos!  Diante de Deus, todos temos chance. Não é verdade que para conhecer e experimentar Deus não podemos ser pecadores/as! Ser pecador/a é uma chance de conhecer a Deus! Mas, por isso mesmo, porque ele nos ama e perdoa incondicionalmente, precisamos viver cada vez melhor. 

 

Meditação: 

  • Estamos entrando na última semana da quaresma, e o apelo à mudança de atitude se torna cada vez mais contundente 

  • Retome esta cena atentamente, situando-se entre os três personagens: os fariseus, a mulher e Jesus 

  • Tome como dirigidas a você as palavras de Jesus: “Eu também não te condeno... Vai em paz e não tornes a pecar...” 

  • Por que nos custa tanto superar a atitude de acusadores/as e assumir, de verdade, nossa realidade de pecadores/as e iguais? 

sábado, 16 de março de 2024

O Evangelho de Jesus em nossa vida (290)

290 | Ano B | 5ª Semana da Quaresma | Domingo | João 12,20-33 

17/03/2024 

Jesus recém havia devolvido a vida ao amigo Lázaro. Depois de jantar na casa dele, de Marta e de Maria, Jesus entra em Jerusalém montado num jumento, acompanhado de uma multidão que o aclamava como Messias. As autoridades religiosas ficam preocupadas com sua crescente fama e com o impacto do seu ensino. 

Neste contexto, alguns crentes de origem pagã manifestam a Filipe o desejo de ver e conhecer Jesus. Filipe procura André e, juntos, comunicam isso a Jesus. Enquanto as autoridades procuram um jeito de prender Jesus, os pagãos manifestam o desejo de conhecê-lo, e o evangelista João faz questão de ressaltar esse paradoxo. 

Jesus poderia aproveitar a oportunidade para fazer disso um palanque e aumentar sua fama, mas opta em desenvolver uma catequese profunda e exigente sobre o seu messianismo. Jesus que está chegando à meta da sua vida, mas essa meta envolta em mistério e provoca medo. Trata-se de dar a vida na cruz, por amor. 

A glória do Filho do Homem não se identifica com a fama e o sucesso. O brilho de Deus é como o mistério da semente. “Eu garanto a vocês: se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas se morre, produz muito fruto”. Só o dinamismo de um amor que leva à doação radical de si mesmo é digno de louvor. 

O que impressiona é que, no exato momento em que sua fama ultrapassa os estreitos limites do judaísmo, Jesus acena para o mistério da semente, abre-nos seu coração e revela-nos sua vulnerabilidade. A iminência do martírio o desestabiliza, mas esse é o testemunho inequívoco de amor e o ápice da vida cristã. É o único caminho que conduz à verdadeira liberdade e a uma vida plena de sentido. 

Assumindo a condição comum aos seres humanos, Jesus nos dá a salvação. A assunção dessa condição humana exemplifica sua obediência e sua perfeição. E é assim que ele se torna fonte na qual também nós podemos beber liberdade, salvação e vida plena. Inspirado no mistério da semente, Jesus se torna caminho de humanização. 

 

Meditação: 

  • Retome esta cena atentamente, situando-a no contexto mais amplo, participando dela e interagindo com os diversos personagens 

  • Releia palavra por palavra a manifestação de Jesus, deixando que elas ressoem com todo o seu significado 

  • Procure entender o alcance da metáfora do grão de trigo: guardar-se para ficar só; perder-se para reviver e ser muitos 

  • Será que um salvador crucificado entre dois criminosos, solidário com os últimos da sociedade, continua atraindo seguidores/as? 

sexta-feira, 15 de março de 2024

O Evangelho dominical (Pagola) - Quinto Domingo da Quaresma - 17.03.2024

NINGUÉM AMA IMPUNEMENTE 

Poucas frases são tão provocativas como as que ouvimos hoje no Evangelho: «Se o grão de trigo não cai na terra e morre, fica infértil; mas se morrer, dá muito fruto». O pensamento de Jesus é claro. Não se pode gerar vida sem dar a sua própria. Não se pode fazer viver os outros se não se está disposto a «desviver-se» pelos outros. A vida é fruto do amor e brota na medida em que sabemos entregar-nos. 

No Cristianismo nunca se distinguiu com claridade o sofrimento que está nas nossas mãos suprimir e o sofrimento que não podemos eliminar. Há um sofrimento inevitável, reflexo da nossa condição de criatura, e que nos revela a distância que ainda existe entre o que somos e o que somos chamados a ser. Mas há também um sofrimento que é fruto dos nossos egoísmos e injustiças. Um sofrimento com o qual as pessoas se ferem mutuamente. 

É natural que nos afastemos da dor, que procuremos evitá-la sempre que possível, que lutemos para suprimi-la de nós. Mas, precisamente por esta razão, existe um sofrimento que é necessário assumir na vida: o sofrimento aceito como o preço do nosso esforço para fazê-lo desaparecer entre os homens. «A dor só é boa se permite o processo da sua supressão» (Dorothee Sölle). 

É claro que na vida poderíamos evitar muitos sofrimentos, amarguras e decepções. Bastaria fechar os olhos ao sofrimento dos outros e fechar-nos na busca egoísta da nossa felicidade. Mas sempre seria um preço demasiado elevado: deixando simplesmente de amar. 

Quando se ama e se vive intensamente a vida, não se pode viver indiferente ao sofrimento grande ou pequeno das pessoas. Aquele que ama fica vulnerável. Amar os outros inclui sofrimento, compaixão, solidariedade na dor. «Não existe sofrimento que nos possa ser estranho» (K. Simonow). Esta solidariedade dolorosa faz surgir a salvação e libertação para o ser humano. É o que descobrimos no Crucificado: salva quem partilha a dor e se solidariza com o que sofre. 

José Antonio Pagola 

Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez