sexta-feira, 10 de maio de 2024

Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais (12.05.2024)

Inteligência artificial e sabedoria do coração:

para uma comunicação plenamente humana

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O 58º DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS

 

Queridos irmãos e irmãs!

A evolução dos sistemas da chamada «inteligência artificial», sobre a qual já me debrucei na recente Mensagem para o Dia Mundial da Paz, está modificando de forma radical também a informação e a comunicação e, através delas, algumas bases da convivência civil. Trata-se duma mudança que afeta não só aos profissionais, mas a todos. A rápida difusão de maravilhosas invenções, cujo funcionamento e potencialidades são indecifráveis para a maior parte de nós, suscita um espanto que oscila entre entusiasmo e desorientação e põe-nos inevitavelmente diante de questões fundamentais.

A partir do coração

Antes de mais nada, convém limpar o terreno das leituras catastróficas e dos seus efeitos paralisadores. Já há um século Romano Guardini, refletindo sobre a técnica e o homem, convidava a não se inveterar contra o «novo» na tentativa de «conservar um mundo belo condenado a desaparecer». Ao mesmo tempo, porém, com veemência profética advertia: «O nosso posto é no devir. Devemos inserir-nos nele, cada um no seu lugar, aderindo honestamente, mas permanecendo sensíveis, com um coração incorruptível, a tudo o que nele houver de destrutivo e não-humano». E concluía: «Trata- se – é verdade – de problemas de natureza técnica, científica e política; mas só podem ser resolvidos passando pelo homem. Deve-se formar um novo tipo humano, dotado duma espiritualidade mais profunda, duma nova liberdade e duma nova interioridade». 

Neste tempo que corre o risco de ser rico em técnica e pobre em humanidade, a nossa reflexão só pode partir do coração humano.  Somente dotando-nos dum olhar espiritual, apenas recuperando uma sabedoria do coração é que poderemos ler e interpretar a novidade do nosso tempo e descobrir o caminho para uma comunicação plenamente humana. O coração, entendido biblicamente como sede da liberdade e das decisões mais importantes da vida, é símbolo de integridade e de unidade, mas evoca também os afetos, os desejos, os sonhos, e sobretudo é o lugar interior do encontro com Deus. Por isso a sabedoria do coração é a virtude que nos permite combinar o todo com as partes, as decisões com as suas consequências, as grandezas com as fragilidades, o passado com o futuro, o “eu” com o “nós”.

Esta sabedoria do coração deixa-se encontrar por quem a busca e deixa-se ver a quem a ama; antecipa-se a quem a deseja e vai à procura de quem é digno dela (cf. Sab 6, 12-16). Está com quem aceita conselho (cf. Pr 13, 10), com quem tem um coração dócil, um coração que escuta (cf. 1 Re 3, 9). É um dom do Espírito Santo, que permite ver as coisas com os olhos de Deus, compreender as interligações, as situações, os acontecimentos e descobrir o seu sentido. Sem esta sabedoria, a existência torna-se insípida, pois é precisamente a sabedoria que dá gosto à vida: a sua raiz latina sapere associa-a ao sabor.

Oportunidade e perigo

Não podemos esperar esta sabedoria das máquinas. Embora o termo inteligência artificial já tenha suplantado o termo mais correto utilizado na literatura científica de machine learning (aprendizagem automática), o próprio uso da palavra «inteligência» é falacioso. É certo que as máquinas têm uma capacidade imensamente maior que os seres humanos de memorizar os dados e relacioná-los entre si, mas compete ao homem, e só a ele, descodificar o seu sentido. Não se trata, pois, de exigir das máquinas que pareçam humanas; mas de despertar o homem da hipnose em que cai devido ao seu delírio de omnipotência, crendo-se sujeito totalmente autônomo e autorreferencial, separado de toda a ligação social e esquecido da sua condição de criatura.

Realmente o homem sempre teve experiência de não se bastar a si mesmo, e procura superar a sua vulnerabilidade valendo-se de todos os meios. Partindo dos primeiros instrumentos pré-históricos, utilizados como prolongamento dos braços, passando pelos meios de comunicação como extensão da palavra, chegamos hoje às máquinas mais sofisticadas que funcionam como auxílio do pensamento. Entretanto cada uma destas realidades pode ser contaminada pela tentação primordial de se tornar como Deus sem Deus (cf. Gen 3), isto é, a tentação de querer conquistar com as próprias forças aquilo que deveria, pelo contrário, acolher como dom de Deus e viver na relação com os outros.

Cada coisa nas mãos do homem torna-se oportunidade ou perigo, segundo a orientação do coração. O próprio corpo, criado para ser lugar de comunicação e comunhão, pode tornar-se instrumento de agressão. Da mesma forma, cada prolongamento técnico do homem pode ser instrumento de amoroso serviço ou de domínio hostil. Os sistemas de inteligência artificial podem contribuir para o processo de libertação da ignorância e facilitar a troca de informações entre diferentes povos e gerações. Por exemplo, podem tornar acessível e compreensível um património enorme de conhecimentos, escrito em épocas passadas, ou permitir às pessoas comunicarem em línguas que lhes são desconhecidas.

Mas simultaneamente podem ser instrumentos de «poluição cognitiva», alteração da realidade através de narrações parcial ou totalmente falsas, mas acreditadas – e partilhadas – como se fossem verdadeiras. Basta pensar no problema da desinformação que enfrentamos, há anos, no caso das fake news e que hoje se serve da deep fake, isto é, da criação e divulgação de imagens que parecem perfeitamente plausíveis mas são falsas (já me aconteceu a mim também ser objeto delas), ou mensagens-áudio que usam a voz duma pessoa, dizendo coisas que ela própria nunca disse. A simulação, que está na base destes programas, pode ser útil nalguns campos específicos, mas torna-se perversa quando distorce as relações com os outros e com a realidade.

Já desde a primeira onda de inteligência artificial – a das redes sociais – compreendemos a sua ambivalência, constatando a par das oportunidades também os riscos e as patologias. O segundo nível de inteligências artificiais geradoras marca, indiscutivelmente, um salto qualitativo. Por conseguinte, é importante ter a possibilidade de perceber, compreender e regulamentar instrumentos que, em mãos erradas, poderiam abrir cenários negativos.

Os algoritmos, como tudo o mais que sai da mente e das mãos do homem, não são neutros. Por isso é necessário prevenir propondo modelos de regulamentação ética para contornar os efeitos danosos, discriminadores e socialmente injustos dos sistemas de inteligência artificial e contrastar a sua utilização para a redução do pluralismo, a polarização da opinião pública ou a construção do pensamento único. Assim reitero aqui a minha exortação à comunidade das nações a “trabalhar unida para adotar um tratado internacional vinculativo, que regule o desenvolvimento e o uso da inteligência artificial nas suas variadas formas”. Entretanto, como em todo o âmbito humano, não é suficiente a regulamentação.

Crescer em humanidade

Somos chamados a crescer juntos, em humanidade e como humanidade. O desafio que temos diante de nós é realizar um salto de qualidade para estarmos à altura duma sociedade complexa, multiétnica, pluralista, multirreligiosa e multicultural. Cabe a nós questionar-nos sobre o progresso teórico e a utilização prática destes novos instrumentos de comunicação e conhecimento. As suas grandes possibilidades de bem são acompanhadas pelo risco de que tudo se transforme num cálculo abstrato que reduz as pessoas a dados, o pensamento a um esquema, a experiência a um caso, o bem ao lucro, com o risco sobretudo de que se acabe por negar a singularidade de cada pessoa e da sua história, dissolvendo a realidade concreta numa série de dados estatísticos.

A revolução digital pode tornar-nos mais livres, mas certamente não conseguirá fazê-lo se nos prender nos modelos designados hoje como echo chamber (câmara de eco). Nestes casos, em vez de aumentar o pluralismo da informação, corre-se o risco de se perder num pântano anônimo, favorecendo os interesses do mercado ou do poder. Não é aceitável que a utilização da inteligência artificial conduza a um pensamento anônimo, a uma montagem de dados não certificados, a uma desresponsabilização editorial coletiva. A representação da realidade por big data (grandes dados), embora funcional para a gestão das máquinas, implica na realidade uma perda substancial da verdade das coisas, o que dificulta a comunicação interpessoal e corre o risco de danificar a nossa própria humanidade. A informação não pode ser separada da relação existencial: implica o corpo, o situar-se na realidade; pede para correlacionar não apenas dados, mas experiências; exige o rosto, o olhar, a compaixão e ainda a partilha.

Penso na narração das guerras e naquela «guerra paralela» que se trava através de campanhas de desinformação. E penso em tantos repórteres que ficam feridos ou morrem no local em efervescência para nos permitir a nós ver o que viram os olhos deles. Pois só tocando pessoalmente o sofrimento das crianças, das mulheres e dos homens é que poderemos compreender o caráter absurdo das guerras.

A utilização da inteligência artificial poderá proporcionar um contributo positivo no âmbito da comunicação, se não anular o papel do jornalismo no local, antes pelo contrário se o apoiar; se valorizar o profissionalismo da comunicação, responsabilizando cada comunicador; se devolver a cada ser humano o papel de sujeito, com capacidade crítica, da própria comunicação.

Interrogativos de hoje e de amanhã

E surgem, espontâneas, algumas questões: Como tutelar o profissionalismo e a dignidade dos trabalhadores no campo da comunicação e da informação, juntamente com a dos utentes em todo o mundo? Como garantir a interoperabilidade das plataformas? Como fazer com que as empresas que desenvolvem plataformas digitais assumam as suas responsabilidades relativamente ao que divulgam daí tirando os seus lucros, de forma análoga ao que acontece com os editores dos meios de comunicação tradicionais? Como tornar mais transparentes os critérios subjacentes aos algoritmos de indexação e desindexação e aos motores de pesquisa, capazes de exaltar ou cancelar pessoas e opiniões, histórias e culturas? Como garantir a transparência dos processos de informação? Como tornar evidente a paternidade dos escritos e rastreáveis as fontes, evitando o escudo do anonimato? Como deixar claro se uma imagem ou um vídeo retrata um acontecimento ou o simula? Como evitar que as fontes se reduzam a uma só, a um pensamento único elaborado algoritmicamente? E, ao contrário, como promover um ambiente adequado para salvaguardar o pluralismo e representar a complexidade da realidade? Como podemos tornar sustentável este instrumento poderoso, caro e extremamente devorador de energias? Como podemos torná-lo acessível também aos países em vias de desenvolvimento?

A partir das respostas a estas e outras questões compreenderemos se a inteligência artificial acabará por construir novas castas baseadas no domínio informativo, gerando novas formas de exploração e desigualdade ou se, pelo contrário, trará mais igualdade, promovendo uma informação correta e uma maior consciência da transição de época que estamos a atravessar, favorecendo a escuta das múltiplas carências das pessoas e dos povos, num sistema de informação articulado e pluralista. Dum lado, vemos assomar o espectro duma nova escravidão, do outro uma conquista de liberdade; dum lado, a possibilidade de que uns poucos condicionem o pensamento de todos, do outro a possibilidade de que todos participem na elaboração do pensamento.

A resposta não está escrita; depende de nós. Compete ao homem decidir se há de tornar-se alimento para os algoritmos ou nutrir o seu coração de liberdade, sem a qual não se cresce na sabedoria. Esta sabedoria amadurece valorizando o tempo e abraçando as vulnerabilidades. Cresce na aliança entre as gerações, entre quem tem memória do passado e quem tem visão de futuro. Somente juntos é que cresce a capacidade de discernir, vigiar, ver as coisas a partir do seu termo. Para não perder a nossa humanidade, procuremos a Sabedoria que existe antes de todas as coisas (cf. Sir 1, 4), que, passando através dos corações puros, prepara amigos de Deus e profetas (cf. Sab 7, 27): há de ajudar-nos também a orientar os sistemas da inteligência artificial para uma comunicação plenamente humana.

Roma – São João de Latrão, 24 de janeiro de 2024.

[Francisco]

A luz do Evangelho na vida (346)

346 | Ano B | 6ª Semana da Páscoa | Sábado | João 16,23-28

11/05/2024

Estamos nos aproximando do final do período pascal e, também, do capítulo 16 do evangelho segundo João. No texto de hoje, Jesus não fala mais propriamente da sua paixão e morte, nem das dificuldades que seus discípulos enfrentarão na missão. O tema do diálogo é a relação entre o Pai e os discípulos. Jesus afirma que a oração feita pelos discípulos e discípulas ao Pai, em seu nome, não cairá no vazio e, no seu devido tempo, será atendida. Por isso, exorta à confiança na intervenção de Deus, que é, desde sempre, um pai atencioso.

Jesus começa falando num tom solene (“em verdade, em verdade, eu vos digo”), e afirma que seus discípulos/as têm pleno acesso ao Pai, sem necessidade de nenhum intermediário (templo, sacerdotes, levitas). O que ele quer é que seus amados/as vivam uma felicidade completa e profunda. Quando um/a discípulo/a de Jesus faz ao Pai um pedido no espírito/nome de Jesus, a resposta será seguramente boa. O Pai concede tudo o que eles/as necessitam para viver.

Jesus vive com o pai uma profunda “comunhão de interesses”, uma “comunhão de vontades”, de modo que não existe um Deus severo, que amedronta os/as filhos/as, que precisam de um mediador para levar suas necessidades a ele. Há um Deus que ama profundamente seus filhos e filhas, e demonstra esse amor em seu Filho. O Pai quer bem aos discípulos/as de Jesus, e os/as trata como amigos/as. Sua onipotência e sua imutabilidade é onipotência e permanência no amor. Essa é a base da nossa confiança e da nossa alegria.

A expressão “naquele dia” se refere à experiência do Espírito, que faz com que os/as discípulos/as peçam ao Pai apenas aquilo que é indispensável para que vivam plenamente. É isso que significa pedir em nome dele. Quando pedimos ao Pai no espírito de Jesus, pedimos a vinda do Reino de Deus, e não precisamos de intermediários.

Finalmente, Jesus resume seu itinerário: “Eu saí do Pai e vim ao mundo; e novamente parto do mundo e vou para o Pai”. Sair do Pai é ser enviado para realizar o seu projeto de vida. Ir ao pai significa deixar-se conduzir pelo seu Espírito, força vital de Deus que leva à origem. E o itinerário de Jesus passa pela morte em meio a outros crucificados, que é saída e, ao mesmo tempo, volta.

 

Meditação:

·    Coloque-se em meio aos discípulos, perturbados com o anúncio da oposição que sofreriam para continuar a missão de Jesus

·    Repita cada frase desta fala de Jesus: Se vocês pedirem alguma coisa em meu nome, o Pai concederá; Peçam e receberão; Naquele dia, vocês pedirão em meu nome; O próprio Pai ama vocês...

·    O que você costuma pedir ao Pai em suas orações? Sua oração está focada no reino de Deus, ou em você mesmo/a e seus pequenos interesses e desejos?

O Evangelho dominical (Pagola) - Ascenção do Senhor (12.04.2024)

PERGUNTAR AO CÉU

O céu não pode ser descrito, mas podemos saboreá-lo. Não o podemos alcançar com a nossa mente, mas é difícil não o desejar. Se falamos do céu não é para satisfazer a nossa curiosidade, mas para reavivar o nosso desejo e a nossa atração por Deus. Se o recordamos é para não esquecer a saudade última que levamos no coração.

Ir para o céu não é chegar a um lugar, mas entrar para sempre no Mistério do amor de Deus. Por fim, Deus já não será alguém oculto e inacessível. Embora nos pareça incrível, poderemos conhecer, tocar, saborear e desfrutar do seu ser mais íntimo, da sua verdade mais profunda, da sua bondade e beleza infinitas. Deus nos amará para sempre.

Esta comunhão com Deus não será uma experiência individual. O Jesus ressuscitado nos acompanhará. Ninguém vai ao Pai senão por meio de Cristo. «Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade» (Col 2,9). Somente conhecendo e desfrutando do mistério encerrado em Cristo penetraremos no mistério insondável de Deus. Cristo será o nosso céu. Ao vê-lo, veremos Deus.

Não será Cristo o único mediador da nossa felicidade eterna. Iluminados pelo amor de Deus, cada um de nós se converterá à nossa maneira no céu para os outros. A partir da nossa limitação e finitude tocaremos o Mistério infinito de Deus, saboreando-o nas suas criaturas. Desfrutaremos do seu amor insondável provando-o no amor humano. A alegria de Deus nos será oferecida encarnada no prazer humano.

O teólogo húngaro Ladislaus Boros procura sugerir esta experiência indescritível: «Sentiremos o calor, experimentaremos o esplendor, a vitalidade, a riqueza desbordante da pessoa que hoje amamos, com quem desfrutamos e por quem agradecemos a Deus. Todo o seu ser, a profundidade da sua alma, a grandeza do seu coração, a criatividade, a amplitude, a excitação da sua reação amorosa nos serão dados».

Que plenitude alcançará em Deus a ternura, a comunhão e a alegria do amor e da amizade que temos conhecido aqui. Com que intensidade nos amaremos então quem se ama já tanto na terra. Poucas experiências nos permitem antecipar melhor o destino último para o qual somos atraídos por Deus.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez


quinta-feira, 9 de maio de 2024

O Evangelho em nossa vida (345)

345 | Ano B | 6ª Semana da Páscoa | Sexta-feira | João 16,20-23

10/05/2024

Estamos nos encaminhando para o fim do diálogo catequético e exortativo de Jesus com seus discípulos, na sequência da ceia de despedida e pouco antes de ser preso. O texto de hoje começa retomando o último versículo de ontem, e desenvolve o mesmo tema da mudança da tristeza em alegria, agora recorrendo à bela metáfora do parto. O tema desenvolve o contraste entre a situação momentânea da comunidade dos/as discípulos/as e o mundo e, ao mesmo tempo, apresenta a mudança radical da situação no horizonte da fé.

A imagem da mulher em trabalho de parto nos remete a Eva, a mãe dos viventes, ao povo de Deus, cuja relação com Deus era frequentemente comparada à relação conjugal, e à humanidade, da qual Jesus se apresenta como esposo, nas bodas de Caná. A referência à angústia, à tristeza e aos apuros nos remete a uma situação de perseguição social, mas, com a imagem da mulher em trabalho de parto, acena também para o mistério do nascimento da nova humanidade, de homens e mulheres novos.

A metáfora do grão de trigo, que cai na terra, morre, germina e se transforma em muitos, pode completar a analogia do parto. Ambas as imagens nos fazem imaginar a saída de uma situação de opressão ou grande limitação e o nascimento de um povo novo, livre e autônomo. É através da entrega generosa e incondicional de si mesmo que o ser humano chega à sua plena realização, ou seja, nasce realmente. Entregando-se, Jesus não deixa de ser humano, mas, ao contrário, torna-se plenamente humano.

Como a semente de trigo e a alegria da mãe ao tomar nos braços seu filho recém-nascido, a comunidade cristã experimentará uma alegria profunda e plena na experiência do recebimento do Espírito, que a defende nas perseguições e a conserva na fidelidade. À luz dessa experiência, a comunidade dos discípulos e discípulas compreenderá tudo o que aconteceu com Jesus e com ela mesma, e superará a confusão e as dúvidas. Então, diz Jesus, a alegria será permanente, pois a vitória final está assegurada. Mas esta vitória sobre as forças do mundo será aquela que ele mesmo consolidou: a vitória da cruz. Ele voltará a ver seus discípulos e a conviver com eles.

 

Meditação:

·    Coloque-se em meio aos discípulos, perturbados a traição que se desenhava, com a partida próxima de Jesus e com o anúncio da oposição que sofreriam para continuar sua missão

·    Tente interagir com os discípulos, observando a confusão e o medo que eles vivem e não conseguem enfrentar

·    Tome consciência das resistências, oposições e perseguições que os cristãos coerentes e os humanistas e democratas vêm enfrentando nesse grave momento da conjuntura política nacional e internacional

quarta-feira, 8 de maio de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (344)

344 | Ano B | 6ª Semana da Páscoa | Quinta-feira | João 16,16-20

09/05/2024

Prosseguimos a leitura e a contemplação do diálogo exortativo com o qual Jesus prepara os discípulos para a sua paixão e morte, bem como para a missão que os espera. Jesus fala da alternância de tempos: em alguns momentos ele estará próximo dos seus discípulos e, em outros, ele estará aparentemente ausente. Está claro que ele não se refere apenas à sua paixão e morte, mas também ao tempo posterior, ao tempo da Igreja. Há tempos em que Jesus nos parece distante ou ausente, mas ele está com o Pai.

Os discípulos continuam desconcertados, e não conseguem compreender esta anunciada ausência de Jesus. Tremem só em pensar nos tempos difíceis da missão que os espera. Para eles, a ida de Jesus ao Pai, pela cruz, é apenas desaparecimento e morte, e, por isso, o sentimento de tristeza toma conta deles e implode o sonho de sucesso e prosperidade. Eles não conseguem entender que a ausência de Jesus é sempre breve, e benfazeja, pois os ajuda a superar apegos e medos infantis.

Aparentemente, o problema deles é a compreensão do que poderia significar “um pouco de tempo”. Jesus, porém, não explica o significado quantitativo dessa expressão. Ele prefere sublinhar a qualidade superior da sua presença e da visão que o Espírito concede aos/às que o acolhem. A alegria do mundo pela aparente derrota da cruz será breve, e, por isso, a tristeza dos/as discípulos/as também será breve. Com o envio e a experiência do Espírito, a dor intensa provocada pelas perseguições será superada, e a alegria será profunda e duradoura. É para ela que caminhamos!

Precisamos entender que a presença de Jesus na vida dos/as discípulos/as se dá de duas maneiras diferentes e, ao mesmo tempo, complementares: uma é a presença física, de breve duração; outra é a presença como memória e Espírito, duradoura e dinamizadora. A esses dois modos de presença correspondem também, da parte dos/as discípulos/as, dois modos de ver a vida: a visão corporal e a visão espiritual. A primeira, ressalta os problemas e desafios; a segunda, vislumbra a realização de novos céus e nova terra.

 

Meditação:

·    Tome consciência das incompreensões e resistências que os cristãos enfrentam nesse grave momento da conjuntura política nacional

·    Coloque-se em meio aos discípulos, perturbados com o anúncio da oposição que sofreriam para continuar a missão de Jesus

·    Se for o caso, faça as perguntas profundas que nos inquietam: Onde está o Senhor que procuramos, e como podemos vê-lo? Como viver sem sua presença física, e quando e como ele voltará? Que sentido tem a história humana depois de Jesus, ou sem ele?

terça-feira, 7 de maio de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (343)

343 | Ano B | 6ª Semana da Páscoa | Quarta-feira | João 16,12-15

08/05/2024

Na solenidade da Santíssima trindade, o evangelho que nos ilumina faz parte do diálogo exortativo com o qual Jesus prepara os discípulos para a sua Hora, sua paixão e morte. Pouco a pouco, Jesus foi sublinhando a boa e desejável novidade: o envio do seu Espírito como dinamismo de comunhão com ele, com o Pai e com os irmãos e irmãs e, ao mesmo tempo, dinamismo que sustenta as comunidades de discípulos/as em permanente saída missionária.

Nos versículos de hoje, Jesus atribui ao Espírito da Verdade o papel de guiar os/as discípulos/as na compreensão das consequências da aceitação da sua mensagem, num processo de compreensão e interpretação que evolui de acordo com os acontecimentos. O Espírito é mestre experimentado que explica e aplica o Evangelho de Jesus na vida concreta das comunidades de discípulos e discípulas imersos num mundo extremamente hostil à novidade cristã.

A voz do Espírito é a voz de Jesus, ele fala aquilo que “ouve” de Jesus, assim como Jesus compartilha Palavra e Ação com o Pai. Eles têm em comum o amor fiel e generoso pelo ser humano. Por isso, assim como guiou e sustentou Jesus na sua missão emancipadora, o Espírito guia a comunidade cristã na sua atividade em favor da libertação dos homens e mulheres cativos dos seus próprios temores e do domínio das instituições que oprimem e discriminam.

É quando Jesus, por amor, desce aos lugares mais inferiores que se possa imaginar, que ele honra o amor do Pai e consuma a vocação à qual são chamados todos os seres humanos. E isso só é possível para os discípulos/as mediante a abertura à ação regeneradora e transformadora do Espírito Santo, que estabelece a relação de comunhão de tudo com tudo: do Pai com o Filho; do Pai e do Filho conosco; a nossa relação com os outros, com todas as criaturas.

É esse o sentido da afirmação aparentemente estranha de Jesus, quando diz que “todas as coisas do Pai são minhas” e que “ele vai receber do que é meu”. Não obstantes serem três e conservarem sua própria “personalidade”, eles são como “uma só coisa” na qualidade e na intensidade do amor compassivo pelas suas criaturas. Eles compartilham do mesmo espírito: o amor incondicional.

 

Meditação:

·    Coloque-se em meio aos discípulos, perturbados com o gesto extremo de fraternidade de Jesus, com o anúncio da sua morte e com a previsão da oposição que eles mesmos sofreriam para continuar a missão de Jesus

·    Você percebe, também hoje, sinais de oposição e resistência à missão dos seguidores/as de Jesus?

·    Quem implicações tem em nossa vida e nossas relações nossa fé num Deus que sustenta a originalidade de cada ser (três pessoas) e dinamiza a unidade pela comunhão (um só Deus)?

segunda-feira, 6 de maio de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (342)

342 | Ano B | 6ª Semana da Páscoa | Terça-feira | João 16,5-11

07/05/2024

Na semana que antecede a solenidade da Ascensão, meditaremos trechos do afetuoso diálogo de Jesus com seus discípulos depois da última ceia com eles, e antes da traição e prisão. Pressentindo a iminência da sua condenação à morte, Jesus faz questão de sublinhar que sua “saída” para o Pai, por quem foi enviado e em cujo nome falou e agiu, fará bem para o amadurecimento dos/as discípulos/as. Ele vai para voltar como inspiração, força e defesa.

Os/as discípulos/as não entendem como a paixão e morte de Jesus pode ser sua volta ao Pai e a plena e fiel presença do Pai nas dores da humanidade e nas encruzilhadas da história. Toda explicação parece-lhes supérflua e vazia. A separação continua a ser vista como escandalosa e definitiva, e por isso são acossados pelo medo e pela tristeza. Eles não conseguem entender o mistério da semente.

Precisamos entender que o envio do Espírito de Deus e a sua assimilação na caminhada de discípulos/as missionários/as depende da paixão e morte de Jesus. Sem a cruz, o Espírito seria entendido apenas em parte, seria privado do seu núcleo vivo que é o amor extremo, que desce aos infernos para regenerar o humano em nós. O Espírito é entrega generosa de si, sem “se” e sem “mas”.

Recebendo o Espírito Santo e deixando-nos guiar por ele, passamos de uma visão de Jesus como simples “modelo de vida” a ser admirado, e o assumimos como fonte dinâmica da vida que se manifesta nele e nos vem dele. Nele, por ele e com ele somos capazes de reconhecer no mistério da cruz tanto a manifestação da violência destruidora como do amor infinito e apaixonado de Deus Pai e do “Filho do Homem”.

O Espírito/Defensor que recebemos do Pai por Jesus move um processo contrário àquele que vitimou Jesus e condena seus discípulos/as: os/as condenados/as são inocentes, e os/as juízes/as que os condenam são os/as verdadeiros/as criminosos/as. O chefe deste mundo – personificado no grupo que dirige o judaísmo, condena Jesus e excomunga seus discípulos – não tem nenhum poder sobre os/as seguidores/as de Jesus. Eles/as são livres de si mesmos/as e de tudo para amar.

 

Meditação:

·    Coloque-se em meio aos discípulos, perturbados com o gesto de amor extremo de Jesus, com o anúncio da sua morte e a previsão da oposição que sofreriam para continuar a missão de Jesus

·    Você percebe sinais de oposição e resistência à missão dos seguidores/as de Jesus? Como e onde estes sinais aparecem?

·    Tome consciência das incompreensões, resistências e oposições que os cristãos coerentes enfrentam na atual conjuntura política nacional,

domingo, 5 de maio de 2024

A luz do Evangelho em sua vida (341)

341| Ano B | 6ª Semana da Páscoa | Segunda-feira | João 15,26-16,4

06/05/2024

Neste afetuoso e tenso diálogo profético com seus discípulos na noite em que seria preso, com a colaboração traiçoeira de um deles, Jesus faz questão de sublinhar o caráter exigente e conflituoso da vida e da missão de quem o segue. O/a discípulo/a que participa da mesa do Pão e da Palavra, que toma a toalha e se inclina para lavar os pés da humanidade, não tem direito à ingenuidade de imaginar que tudo acontecerá pacificamente, que o Reino não encontrará oposição, que o caminho será pavimentado de flores e de aplausos.

Jesus garante aos seus discípulos/as que enviará um Defensor permanente, um “Outro Advogado” (o primeiro foi ele mesmo!), que prosseguirá sua missão, e que sempre atestará a inocência de quem se mantém no caminho da conversão ao seu Evangelho. No tribunal da história, os/as cristãos jamais ficarão desassistidos/as, tanto na defesa como na oportuna acusação dos “podres poderes”. O Espírito da verdade e da fidelidade testemunhará a autenticidade messiânica de Jesus e será o fundamento seguro do testemunho público dos discípulos/as, especialmente quando sofrerem oposição.

Trata-se do Supro de Deus, que sustenta a criação e dá dinamismo e finalidade à caminhada da humanidade, e suscita o testemunho profético dos/as cristãos, chamados/as a criticar e orientar os movimentos históricos conforme a vontade de Deus, a serviço da libertação da humanidade oprimida. Nisso, é preciso estar com Jesus desde o começo, passando pela sua paixão e morte, e não apenas na fase da ressurreição. É nesta comunhão com o Filho enviado pelo Pai que os/as discípulos/as encontrarão força e consolo.

Para um cidadão judeu era impensável e terrível ser excluído da sinagoga e barrado na entrada do templo. Mas Jesus previne seus discípulos e discípulas de que isso acontecerá, pois a instituição religiosa do templo está pervertida, participa de uma fraude e faz parte das hostilidades impostas a Jesus e seus seguidores pelo “príncipe deste mundo”. O templo fora transformado numa instituição que cultua um “deus” que aceita e até patrocina a morte violenta do ser humano. Seus chefes não conhecem o Pai e não estão do lado ser humano. Que isso soe advertência a todas as instituições!

 

Meditação:

·    Perceba a perplexidade deles diante do anúncio da morte de Jesus e da previsão da oposição que sofreriam para continuar a missão recebida por Jesus e confiada aos discípulos e discípulas

·    Você percebe manifestações de oposição e resistência à missão dos seguidores/as de Jesus?  Como e onde estes sinais aparecem mais?

·    Qual seria a atitude mais adequada de quem pede, clama e espera o ajuda do “Advogado” para defende-lo das ameaças da missão?

sábado, 4 de maio de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (340)

340 | Ano B | 6ª Semana da Páscoa | Domingo | João 15,9-17

05/05/2024

Amor é uma palavra à qual damos sentidos muito diferentes. A maioria das pessoas coloca o amor no âmbito dos sentimentos e, com isso, acaba eliminando sua essência. Se é verdade que o Evangelho segundo João dá ao amor fraterno um lugar central no anúncio de Jesus, não podemos esquecer que os evangelhos sinóticos conferem esta mesma centralidade à prática da nova justiça do Reino de Deus. Por isso, é preciso escutar com atenção a proposta que Jesus nos faz no trecho do Evangelho do sexto domingo do tempo pascal.

Precisamos compreender o amor mais como verbo que como substantivo. A questão é como amar, e não o que é o amor. Quem conjugou o verbo amar em todos tempos, modos e pessoas foi Jesus Cristo. As primeiras comunidades cristãs expressaram isso de muitos modos. Jesus de Nazaré, em suas palavras e ações é como a vitrine que expõe o amor de Deus no mundo.

Eis como Jesus concretizou o amor: acolheu pecadores e resgatou a dignidade deles; compadeceu-se dos famintos e multiplicou pães e peixes em favor deles; comoveu-se com o sofrimento das pessoas doentes e deu-lhes condições de plena cidadania; aproximou-se das pessoas excluídas e sentou-se com elas à mesa; tomou a defesa de mulheres condenadas violentamente pelos próprios homens que as usavam; afirmou que, para o Pai, os últimos são os primeiros.

Como Jesus nos revelou, a vivência do amor tem mais a ver com decisão e vontade que com sentimento. O sentimento é involuntário, e se impõe sobre a vontade, enquanto que o amor é a decisão de fazer-se próximo e servidor/a de quem é diferente e pode estar precisando de nós, e não mero sentimento. Amar significa bem-querer, bem-dizer e bem-fazer, tudo ao mesmo tempo

No evangelho que meditamos hoje, Jesus apresenta a si mesmo como medida e referência do amor: “Amem-se uns aos outros assim como eu amei vocês”. Com isso, Jesus quer nos libertar da tentação de colocar nossos desejos como referência essencial para todas as relações. O amor se concretiza no relacionamento de igual para igual, na abolição de hierarquias, senhorios e servidões, na atitude de serviço gratuito e irrestrito.

 

Meditação:

·      Este ensino terno e incisivo de Jesus ocorre logo depois da ceia, do lava-pés e da reflexão exortativa que se seguiram, e faz parte do seu “testamento”

·      Jesus focaliza sua reflexão sobre sua identidade e missão, e sobre a necessidade de aderir a ele de modo inequívoco, permanecendo com ele

·      Situe-se junto com os discípulos, perturbados com o gesto extremo de fraternidade de Jesus expresso no lava-pés, com o anúncio da sua morte e com a previsão de que seria traído por um dos seus discípulos mais íntimos

O Evangelho dominical (Pagola) - 05.05.2024

DO MEDO AO AMOR

Não se trata de uma frase mais. Este mandamento, cheio de mistério e promessa, é a chave do cristianismo: «Assim como o Pai me amou, eu também vos amei: permanecei no meu amor». Tocamos aqui o próprio coração da fé cristã, o critério último para discernir a sua verdade. Unicamente permanecendo no amor podemos caminhar na verdadeira direção. Esquecer este amor é perder-nos, entrar por caminhos não-cristãos, distorcer tudo, desvirtuar o cristianismo desde as suas raízes.

E, no entanto, nem sempre permanecemos neste amor. Na vida de muitos cristãos houve e ainda há muito medo, muita falta de confiança filial em Deus. A pregação que alimentou estes cristãos esqueceu-se demasiado do amor de Deus, sufocando assim aquela alegria inicial, viva e contagiante que tinha o cristianismo. O que um dia foi «Boa Nova», porque anunciava às pessoas o amor insondável de Deus, converteu-se para muitos a má notícia de um Deus ameaçador, que é rejeitado quase instintivamente porque não permite ser ou viver.

Contudo, a fé cristã só pode ser vivida, sem trair a sua essência, como experiência positiva, confiante e alegre. Por isso, neste momento em que muitos abandonam um certo Cristianismo – o único que conhecem – devemos perguntar-nos se, na gestação deste abandono, e juntamente com outros fatores, não se esconde uma reação coletiva contra um anúncio de Deus pouco fiel ao evangelho.

A aceitação de Deus ou a sua rejeição depende, em grande parte, da maneira como o sentimos em relação a nós. Se o percebermos apenas como um vigilante implacável do nosso comportamento, faremos qualquer coisa para evitá-lo. Se o experimentarmos como um amigo que impulsiona a nossa vida, o buscaremos com alegria. Por isso, um dos maiores serviços que a Igreja pode prestar ao ser humano é ajudá-lo a passar do medo ao amor de Deus.

Sem dúvida existe um temor de Deus que é saudável e fecundo. As Escrituras consideram-no o princípio da sabedoria. É o temor de arruinar a nossa vida se nos fecharmos a ele. Um medo que desperta a pessoa da superficialidade e a faz voltar para Deus. Mas há um medo a Deus que é mau. Não nos aproxima de Deus. Pelo contrário, afasta cada vez mais dele. É um medo que distorce o verdadeiro ser de Deus, tornando-o desumano. Um medo prejudicial, sem fundamento real, que sufoca a vida e o crescimento saudável da pessoa.

Para muitos, esta pode ser a mudança decisiva que pode leva-los a uma vida mais humana e digna. Passar do temor de Deus, que só gera rejeição mais ou menos oculta, a uma confiança n'Ele, que faz brotar em nós essa alegria prometida por Jesus: «Digo-vos isto para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria chegue à plenitude».

José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez