sábado, 19 de novembro de 2011

1° Domingo do Advento

Senhor, vem salvar teu povo das trevas, da escravidão!
  • (Is 63,16-19.64,2-7; Sl 79/80; 1Cor 1,3-9; Mc 13,33-37)

Apenas concluímos o Ano Litúrgico celebrando Cristo Rei/Servidor e vemos abrir-se diante de nós um novo tempo, marcado pela expectativa, pela abertura, pela vigilância e pelo serviço. Neste tempo, somos convidados/as a compreender o núcleo central da esperança do porvo de Israel e das comunidades cristãs. São quatro semanas que nos ajudam a reviver os milênios de expectativa messiânica do povo de Israel e os nove meses de espera ativa da Sagrada Família. É um tempo em que convergimos nossos esforços e faculdades no reconhecimento e na acolhida daquele que vem na fragilidade humana, nas brechas da história. É tempo propício para acariciar nossas mais belas e profundas utopias, pois nada é impossível se até as virgens podem dar à luz... É um período caracterizado pela prece que pede com ardor: “Senhor, vem salvar teu povo!”
“Não fiquem dormindo...”
A cidade não dorme e a vida urbana é noturna. A magia da noite seduz, principalmente os jovens. Depois de muitas horas noturnas de encontro, diversão e festa, as manhãs de sábado e domingo são reivindicadas pelo sono. Depois de uma semana dedicada ao estudo e ao trabalho, nada parece mais desejável que esse tempo entregue à administração livre de cada um. Qualquer proposta ou programa que exija saltar cedo da cama soa como desproposital e inadequado.
A entrega de si às vigílias noturnas promovidas pela cultura urbana atual não quer dizer que as pessoas permaneçam existencial e espiritualmente vigilantes. Antes, é possível que estas vigílias estejam conduzinso muitas a um perigoso sono letárgico. Ou não seria uma espécie de letargia o consumo frenético de bens materiais e culturais, a busca insaciável de relacionamentos novos e superficiais, a necessidade de emoções cada vez mais fortes e perigosas?
Há um outro sono muito perigoso. Muitos são os grupos e indivíduos engolidos pelo redemoinho do sucesso pessoal ou institucional, seduzidos pelo progresso econômico ou cultural. Até as comunidades e igrejas por vezes se encantam com o crescimento numérico, e as demais igrejas, em vez de irmãs, passam a serem vistas como seitas e adversárias. Tudo se resume a uma questão de bem-estar econômico e de estabilidade institucional. Não se espera nada de novo, e a mudança causa temor.
“Cuidado! Fiquem atentos, acordados!”
O convite de Jesus à vigilância se situa no contexto da crise e relativização dos poderes considerados absolutos e do advento do humano (ou da vinda do Filho do Homem). Na linguagem de Jesus, as estrelas caem, os poderes são abalados e as estruturas basilares da ordem social sofrem um eclipse. Como as folhas novas da figueira indicam a chegada dos frutos, esses sinais históricos anunciariam que uma nova ordem social e uma nova humanidade estão à porta. Só a sua Palavra permanece.
Mas a questão crucial para os/as discípulos/as era como chegaria e se consolidaria o humano e a ordem justa. Nisso era preciso estar muito vigilante. Jesus mostra que o Reino de Deus e o ser humano renovado vêm de baixo, lançam suas raízes na família humana que experimenta a noite escura da fragilidade e da injustiça. Ou, dito de outro modo, vêm de cima, do alto da cruz, da doação generosa e solidária de si e de tudo o que possui em favor da vida dos últimos. Apalavra que não passa é a cruz.
“O que eu digo a vocês, digo a todos: fiquem vigiando!” Nesse pedido Jesus antecipa aquele que faria pouco mais adiante, no Getsêmani: “Minha alma está numa tristeza de morte. Fiquem aqui e vigiem” (Mc 14,34). Essa vigília compreenderá quatro momentos: a prisão, a negação, a espera e o amanhacer. Mas os discípulos não conseguiram vigiar nem uma hora e dormiram. Não conseguiram assimilar o getsêmani da história, a vulnerabilidade de Deus.
“Não aconteça que vos encontre dormindo...”
Os/as discípulos/as de Jesus eram desafiados à vigilância porque não sabiam o momento da manifestação gloriosa do reino de Deus e do retorno de Jesus; e também porque esperavam a irrupção do reino mediante o poder e a força. Hoje, muitos não alimentam mais qualquer espécie de esperança; não esperam o advento do humano, não crêem na possibilidade de um mundo outro, não querem ser perturbados no sono tranquilo e indiferente à sorte dos irmãos e da natureza.
E há gente que mantém a esperança, mas continua acreditando nos meios potentes: não consegue conceber uma Igreja profética e servidora dos fracos e necessitados; preocupa-se mais com a correção dos gestos litúrgicos que com a justiça e a misericórdia; sente-se mais à vontade fazendo continência às autoridades que reverenciando a dignidade das pessoas ameaçadas; prefere dormir placidamente sob a proteção dos impérios que manter-se acordada e engajada na sua transformação.
“É em Jesus fostes enriquecidos em tudo...”
É preciso permanecer vigilante, e não só no Advento! A vigilância é uma virtude tão escassa quanto urgente. E deve ser permanente. O mundo é um grande getsêmani e nós somos convocados a uma insônia histórica, a manter os olhos abertos e a inteligência lúcida para discernir os sinais de advento do humano. Precisamos cultivar a generosidade para gerar o Homem Novo e a Nova Sociedade e estar vigilantes para acolher o que está sendo gerado fora do nosso ventre. Esta é nossa única riqueza!
A noite não é apenas uma tentação que leva ao sono, nem um convite ao desfrute: é obscuridade e convite à imaginação livre e criativa. Uma metade da noite já é o começo do dia! Daí a importância de afinar a sensibilidade e abrir as portas para acolher também Aquele veio, que vem e que sempre está chegando. Esperamos Algo e Alguém. Nossa expectativa é que Deus se revele ao mundo e no mundo e, ao mesmo tempo, que seja gerada e se manifeste uma Nova Ordem humana e social.
O avalista dessa grandiosa esperança é o próprio Deus, e Paulo nos lembra que Aquele que nos chamou é fiel. Ele nos fortalecerá até o fim, para que o nosso testemunho seja firme e a nossa missão seja frutuosa. Nele – tanto na fragilidade demonstrada no presépio como na solidariedade exercitada nas estradas e selada na cruz – nós já recebemos todas as riquezas que poderíamos desejar. Mas é preciso acolher essa riqueza como herança e fazê-la frutificar.
“Nós somos o barro e tu és o nosso oleiro...”
A Sagrada Família de Nazaré viveu um Advento que durou trinta anos. Foi um tempo de expectativa, de vigilância, de acolhida, de escuta, de atenção aos sinais dos tempos. Com que sabor e com que intensidade Jesus, Maria e José repetiram as palavras inspiradas de Isaías: “Quem dera rasgasses o céu para descer!... O ouvido jamais ouviu e o olho jamais viu que um Deus além de ti tenha feito tanto por aqueles que nele confiam...”
Foram trinta anos de expectativa enraizada na história e de oração inspirada nos salmos. “Desperta o teu poder e vem socorrer-nos. Olha do céu e vê! Vem visitar tua vinha! Faze brilhar a tua face e seremos salvos!” Uma oração que iluminava as decisões e sustentava as ações. “Tu és o nosso pai; nós somos o barro e tu és o nosso oleiro; todos nós somos obras de tuas mãos...” Uma oração que comprometia profundamente cada um e ambos, fonte de forças para a difícil travessia do presépio e da cruz.
Nesta hora derradeira e inesperada, os discípulos tidos como mais fortes não conseguiram vigiar (cf. 14,35). Uns dormiram e a maioria desertou. Mas Maria e um pequeno grupo de discípulas permaneceram de pé, próximas de Jesus, numa mistica vigília. Por ele, com ele e na sua força, reconheceram no servo a chegada do senhor, no aparente fracasso a destruição dos podres poderes. Como outrora haviam penetrado no sentido obscuro da manjedoura.
“Olho algum viu Deus igual a ti...”
Deus pai e mãe, ventre e pátria de todas as criaturas, sonho e promessa dos inconformados e inquietos: tu sempre vens e teu movimento é de descida; ouvido algum escutou, olho nenhum viu um Deus igual a ti; vens ao encontro daquele que pratica a justiça e pouco te interessam ritos e cânticos. Em Jesus vens a nós como agricultor e videira, como pastor e cordeiro, como salvador e irmão, como paz e justiça. Caminha conosco e guia-nos nas estradas do serviço. Desperta nossa  nossa fé anestesiada práticas  que pouco têm a ver contigo. Salva teu povo das trevas, da escravidão! Amém! Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf

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