sexta-feira, 18 de novembro de 2011

UMA GRIFE PARA O CONHECIMENTO?

No meio acadêmico e nos diálogos entre pensadores há uma obsessão mal disfarçada. Essa obsessão gira em torno da questão do caráter científico ou acadêmico do pensamento, das constatações, das elaborações, das instituições... Há uma busca quase desesperada pela legitimidade, e essa legitimidade repousa no reconhecimento de que algo é científico e acadêmico. Até a filosofia e a teologia reivindicam ansiosamente seu lugar entre as ciências e academias.
Faz tempo que o pensamento ocidental delimitou as margens dentro das quais as produções humanas devem se situar para serem consideradas legítimas: legitimidade passa pela racionalidade argumentativa e instrumental. Um pensamento que ouse ir além das estreitas bordas da argumentação e da demonstração asséptica não recebe cidadania racional. Um conhecimento que não descanse sobre a experimentação científica não merece credibilidade. Tudo deve ser submetido ao crivo da racionalidade, da experimentação, da utilidade.
Mas essa espécie de grife do pensamento não atua como uma camisa-de-força demasiadamente seletiva e estreita? E a filosofia e a teologia não seriam formas de conhecimento cuja finalidade é exatamente criticar e ultrapassar os estreitos limites impostos pela racionalidade matemática e instrumental? Na busca desesperada de sua legitimidade como ciência, no interior dos limites traçados e ideologizados da razão moderna, a filosofia e a teologia não estariam correndo o risco de abandonar a necessária ousadia de saber, a coragem de pensar ultrapassando a normose ditada pela razão hegemônica?
Há um debate que não me parece suficientemente resolvido. Trata-se da discussão sobre o que é científico e o que é acadêmico. Parece muito claro que, entre as características fundamentais do pensamento científico atual, está a objetividade (distanciamento do sujeito e sua subjetividade em relação ao objeto) e a verificabilidade (compreendida como repetição dos resultados mediante a experimentação). E, entre as marcas do pensamento acadêmico, está o distanciamento crítico e, às vezes, preconceituoso em relação ao conhecimento popular e ao mundo da vida. Nessa perspectiva, ser científico e acadêmico não significa se distanciar da realidade, negar da subjetividade do sujeito do conhecimento e manipular os objetos?
Qual é a função da ciência e da academia num horizonte humanista? Não seria exatamente aproximar-se da vida, deixar que a realidade se pronuncie, permitir que as coisas sejam em sua diversidade e finalidade, respeitar a natureza das coisas e contribuir para que a vida seja mais plena? O que é mais científico que um prato de comida? O que é mais acadêmico do que o abraço solidário e terno? Quando as ciências e as academias parecem mais encantadas com a rede (de palavras e conceitos) que com o mar (da diversidade complexa das criaturas e acontecimentos), o pensamento, entre eles a filosofia e a teologia, precisam re-encantar o olhar do pesquisador e libertar o pensamento da prisão que ele mesmo se impôs.
Em outras palavras: precisamos ampliar os traços que dão contorno à noção de acadêmico e de científico, começando por nossas próprias casas de ensino. É melancólico ver nossos jovens educandos esgrimando velhos conceitos, já desbotados pelo tempo e ruídos pela vida, iludidos de que a realidade cabe dentro deles. É lamentável contemplar o espetáculo das “velhas lições” que lhes passamos, não aquelas de “morrer pela pátria e viver sem razões” mas aquelas que carimbam como ilegítimo e como “poesia” o pensamento que inclui no interior da razão a intuição, a imaginação, a sensibilidade, a beleza, o bom senso. É triste verificar que, em muitos espaços, o diálogo entre os diferentes saberes, especialmente com a teologia, é evitado por ser considerado irrelevante e não-científico.
Reafirmo o que disse acima: a ciência está a serviço da melhoria da qualidade de vida de todos os seres vivos, e aqui reside seu horizonte ético fundamental; a academia está a serviço da palavra e do saber inerente a cada ser humano, grupo social e movimento cultural. O esquecimento ou negação dessa relação fundamental entre pensamento e mundo da vida faz a ciência e a academia prisioneiras suas próprias malhas, mesmo que, a seus olhos, os fios dessa malha pareçam de ouro. Não tem futuro nem legitimidade uma academia que dá as costas à casa, à rua e à praça. Não merece respeito uma ciência que nega a subjetividade e, no seu método de conhecimento, tortura as coisas para que lhe digam o que quer ouvir. Prefiro sentar ao lado dos loucos e incultos que partilhar a sala magna com aqueles que promovem esse tipo de saber.
Pe. Itacir Brassiani msf

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