quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Festa da Sagrada Familia

Na Sagrada Família, o maior dom de Deus à humanidade.
(Gn 15,1-6.21,1-3; Sl 104/105; Hb 11,8.11-12.17-19; Lc 2,22-40)
Neste ano, a a Festa da Sagrada Família é celebrada no meio da semana. Esta é uma festa muito especial para nós, Missionários da Sagrada Família. Nesse dia, mais que noutros, desejamos estar atentos ao que nos ensina e inspira esse modelo de espiritualidade que o Pe. Berthier nos deu em herança. Nela Deus entrega seu mais precioso dom à humanidade e, através dela, a humanidade deu a Deus sua resposta mais generosa. Acompanhemos os passos de Maria e José levando o Menino a Jerusalém, centro da fé judaica, e, depois, à região periférica da Galiléia. Escutemos o que nos diz o evangelista e o que dizem profeticamente Simeão e Ana. Contemplemos o processo humano e espiritual dessa família que caminha na obscuridade fecunda da fé.
“Conforme está escrito na Lei do Senhor...”
No dia em que festejamos a família de Jesus não podemos ceder à piedosa tentação de imaginar uma família idealizada e espiritualizada, alheia à realidade histórica e cultural. Do ponto de vista sociológico, a Sagrada Família é uma família judia absolutamente normal, tão normal que nem sequer despertou a atenção dos vizinhos e da sinagoga, a não ser depois do evento pascal do filho. Ela viveu os valores humanos e religiosos de uma família crente, freqüentando a sinagoga, meditando a palavra dos profetas, peregrinando ao templo, celebrando a liturgia doméstica...
É isso que vemos no evangelho de hoje. Maria e José vão ao templo para cumprir a lei que pedia que as mulheres se purificassem depois do parto. Eles apresentam Jesus ao templo e ao povo, mesmo que isso não fosse uma obrigação.  Mas além deste aspecto de normalidade do ponto de vista das tradições do judaísmo, a família de Nazaré foi normal no sentido social e econômico: participou do mundo do trabalho, nas condições normais das demais famílias; cumpriu a tarefa de educar os descendentes; relacionou­se com os parentes do clã e do povoado.
A santidade da Sagrada Família não depende da compenetração, da moralidade ou da piedade dos seus membros, nem das práticas religiosas ou da pureza ritual. A santidade da família de Nazaré se fundamenta na centralidade da pessoa de Jesus e nas relações que sua presença provoca entre os demais membros, no dinamismo de confiança, acolhida e doação de si que ele instaura. Ela é santa ou sagrada na medida em faz de Deus e de sua vontade a referência de suas opções e práticas.
 “O pai e a mãe ficavam admirados com aquilo que diziam do menino.”
A Sagrada Família percorreu o caminho da marginalidade de Belém ao centro de Jerusalém, e nada de especial se percebe enquanto cumpre as leis prescritas pela sua tradição religiosa. O momento alto e revelador está centrado no encontro com deste pequena família com Simeão e Ana. Eles faziam parte de um pequeno resto fiel, , piedoso, profético, inspirado pelo Espírito de deus. E aqui tudo chama a atenção para o significado do filho que Maria e José carregavam nos braços.
Simeão toma nos seus braços aquela criatura vulnerável e, com olhar transparente, lê na sua fragilidade a presença libertadora de Deus. É uma salvação que desborda as fronteiras étnicas e religiosas de Israel. “Meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos, luz para iluminar as nações e glória do teu povo, Israel”. Ana também “falava do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém”. Daqui o missionário de levar todos seres humanos a formar a única família do Pai.
Em Jerusalém o jovem casal experimenta um certo brilho e uma grande satisfação. Maria e José “estavam maravilhados com o que diziam do menino”. Poucas coisas estavam claras, mas neles crescia a percepção de que o filho que lhes fora confiado era especial para todos os povos. Recebem a bênção do velho Simeão e progressivamente vão se dando conta da grande responsabilidade que receberam, junto com o presente daquele filho.
 “Ele será um sinal de contradição.”
Mas o entusiasmo logo é temperado pelas palavras misteriosas que Simeão dirige a Maria: “Eis que esse menino será causa de queda e elevação de muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. Quanto a você, uma espada há de atravessar-lhe a alma. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações.” José e Maria se dão conta de que nem todos os membros do povo de Israel e dos outros povos se sentirão honrados e iluminados no seu filho.
Unidos pelos laços de um amor profundamente humano e dentro do horizonte das tradições do seu povo, José e Maria tiveram que avançar no escuro da fé. Como Abraão, se lançaram na estrada sem saber onde chegariam. Ousaram acreditar, e isso lhes foi creditado como justiça. Tiveram que se abrir sempre mais à novidade que Deus manifestava através do filho que lhes fora confiado. “Pela busca em comum da vontade de Deus e pela comunicação de seus dons, a Sagrada Família deve caracterizar nosso agir e viver missionários”, diz a Constituição dos MSF.
“Eles voltaram a Nazaré, sua cidade, na Galiléia.”
Como sabemos, a população da Galiléia era mestiça, tanto do ponto de vista étnico como religioso. A região era chamada depreciativamente de região dos gentios (cf. Is 8,23) e nunca chegou a ser uma terra verdadeiramente israelita, pelo menos do ponto de vista religioso. A vila de Nazaré era um pequeno povoado e representava pouco ou quase nada para os judeus. É possível que lá tenha instalado residência um ramo marginal da descendência de Davi.
Mas o Evangelho faz questão de sublinhar que Nazaré da Galiléia – e não Jerusalém! – é o lugar onde Jesus cresce, se fortalece e adquire sabedoria. Não é o ambiente pio e glorioso do templo o lugar onde Jesus e Maria educam o filho. Sabemos que José e Maria escolhem diligentemente, atentos à vontade de Deus, o lugar onde Jesus cresceria. Am Nazaré ele afunda raízes e obsorve a seiva das esperanças do seu povo a partir da periferia social e religiosa.
Para a Sagrada Família, morar em Nazaré significou assimilar a esperança cultivada pelo resto de Israel, pelo “broto das raízes de Jessé”. Significou também: não se afastar das raízes populares, do vínculo com os pobres;  assumir resolutamente o caminho que leva à periferia, àqueles que estão longe; e privilegiar a encarnação no cotidiano que tece a vida normal de todas as pessoas. Eis aqui uma perspectiva que os missionários jamais devem abandonar!
 “Ele se lembra para sempre de sua Aliança.”
À luz do percurso da Família de Nazaré, somos convidados a lançar um olhar sobre as nossas famílias, aquela da qual fazemos parte e aquelas que compõem nossa comunidade. Imaginemos o próprio Deus contemplando o heróico cotidiano dos casais e filhos dessas famílias. O que ele diria?
“Eu fico admirado com essa pequena Igreja que eu mesmo criei, esse templo simples e quotidiano de um só espírito e uma só carne. Mulher e marido atravessam a vida de mãos dadas, ligados pelos fios invisíveis do coração. E essa caminhada é mais forte que as tempestades, mais forte que a própria morte. Eu fico encantado ao vê-los assim, descobrindo novos mundos, navegando em meio à aventura de amar, arriscando-se no oceano que é o outro.
Para essa minha pequena Igreja eu tenho uma liturgia que deve acender a luz sobre a terra e aquecer a vida. Não se trata de um simples culto num templo feito de pedra. É uma liturgia das horas quotidianas, de ofertas delicadas feitas de gestos conjugais. Minha pequena Igreja tem um templo sustentadas por pilares de confiança. A toalha dos seus altares são roupinhas infantis e o coral harmonioso é feito de passos de crianças que correm alegres.
Eu amo essa Igreja de Adão e Eva. Amo a profundidade do lado sempre ferido, pois sem essa ternura não há Terra Nova. Amo esse par conjugal e missionário que vai repetindo pelo mundo afora que o amor está vivo. Eu os fiz homem e mulher, semelhantes e diferentes, concordantes e combatentes, capazes de ferir e de curar feridas, peregrinos de um só caminho e de sonhos forjados e vividos a dois.
Pequena Igreja, eu te consagro para um Evangelho de beijos eloqüentes, que falem de meu Filho Jesus Cristo na linguagem do amor e da paciência, da ternura e do pão preparado e assado no silêncio da vida perseverante e sempre nova. Pequena Igreja, eu te envio para seres um cristal transparente de minha presença bem próxima, para seres meu sacramento em tudo e em toda a vida.”
Pe. Itacir Brassiani msf

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