quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A Sagrada Família de Nazaré segundo os Evangelhos (2)

Lucas 2,1-20: E encontraram Maria, José e o recém­-nascido...

Aproveitando o clima e o espírito natalinos, ofereço uma série de meditações sobre a Sagrada Família de Nazaré nos Evangelhos. Pois não é verdade que a Sagrada Família viveu de forma profunda e especial tudo o que o Natal de Jesus significa? Então, acompanhemos e meditemos serena e atentamente sobre cada um dos acontecimentos que rodearam este mistério. Os textos fazem parte do livroUm tesouro escondido: elementos para uma espiritualidade inspirada na Sagrada Família de Nazaré, preparado por mim e publicado pela Editora IFIBE (Passo Fundo, 2009).


Passamos ao largo dos belos relatos sobre o encontro de Maria com Isabel, o cântico de Maria, o nascimento de João Batista e o cântico de Zacarias. Estes episódios falam da família de Nazaré num sentido mais amplo. Dirijamos nossa atenção ao relato do nascimento de Jesus e da visita dos pastores.
Lucas apresenta o recenseamento geral ordenado por César Augusto como ocasião providencial para o nascimento de Jesus em Belém, já que Maria e José viviam a 140 km desta pequena vila. Assim, Jesus seria o Messias não apenas por ser filho de José (descendente de Davi), mas também por ter nascido na própria cidade originária de Davi.

José é apresentado novamente como "da família e descendência de Davi" (v. 3). Ele já estava casado com Maria e, com ela, residia em Nazaré (v. 4). Maria parece ter sido da tribo de Levi, estava esperando um filho e foi com José à cidade de origem de Davi para se alistar no recenseamento convocado pelo imperador. Em Belém nasceu seu primogênito, o qual foi enfaixado e deitado numa manjedoura porque não havia lugar na casa (v. 7). Tendo como pano de fundo a experiência da fragilidade e pobreza de Salomão (cf. Sb 7,3-6), Lucas apresenta aqui o Messias, mesmo sendo filho de Deus, partilhando a fragilidade e a pobreza de todo ser humano.

Em seguida Lucas diz que alguns pastores receberam um comunicado divino que anunciava significado do nascimento do filho de Maria e José, em Belém: ele é Salvador, Messias e Senhor (v. 11), boa notícia e causa de alegria para todo o povo (v. 10). Vencendo o medo, eles foram a Belém e encontraram "Maria e José, e o recém­nascido deitado na manjedoura" (v. 16).

É bom recordar que os pastores pertenciam a uma categioria social desprezada pelos rabinos porque, por causa do trabalho, não cumpriam fielmente as observâncias religiosas. A eles foi anunciado que a ação de Deus manifestada em Jesus teria alcance universal e bem definida: seria para todo o povo. Os anjos deram ao menino deitado na manjedoura um tríplice título: Salvador, Messias e Senhor: Salvador porque traz a libertação definitiva; Messias porque traz o Espírito de Deus, que convoca a uma relação de justiça e amor fraterno (cf. Is 11,1­9); Senhor porque vence todos os obstáculos na estrada que leva a uma história nova.

Chama a atenção sinal oferecido aos pastores: uma criancinha indefesa e pobre. Nada de extraordinário poderia ser atribuído a um bebê recém­nascido envolto em faixas, até porque não era incomum criancinhas nascerem em lugares tão humildes como manjedouras... Mas este nascimento humilde redundou em glória no céu e fez com que os exércitos anunciassem a paz. No cântico da corte celeste repercute a exultação dos pobres e oprimidos quando da entrada de Jesus em Jerusalém. Na admiração dos ouvintes ecoa o corajoso e alegre anúncio pós­pascal de Jesus ressuscitado.

Os pastores foram e encontraram o sinal anunciado. E o evangelista observa que eles não se calaram, e muita gente se maravilhou com aquilo que eles contavam. Eles se tornaram testemunhas e apóstolos do Menino, mas ninguém em Israel esperava semelhante notícia, e menos ainda de gente tão desprezada. Por isso não lhe deram crédito. Talvez por isso mesmo a própria Maria "conservava todos estes fatos e meditava sobre eles em seu coração" (v. 19). Meditava porque não compreendia tudo, porque precisava aprofundar seu próprio entendimento a fim de comunicar o mistério de Jesus aos primeiros cristãos.

Neste relato evangélico encontramos uma família humilde e constrangida pelas autoridades a passar por uma notável humilhação. Uma família que, na sua pequenez e pobreza, é portadora de alegria para todos os povos, pois nela se manifesta o dom de Deus à humanidade. Uma família que acolhe e cuida do mistério de Deus encarnado na fragilidade humana. Uma família que acolhe a visita de pessoas tratadas com desprezo. Uma família que medita e interpreta os fatos da vida, reveladores dos apelos e dos caminhos de Deus.

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