quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

UMA VISITA MISSIONÁRIA À COMUNIDADES DO GARIMPO

Vista parcial de Castelo de Sonhos (PA)
Tenho a alegria de partilhar algo da experiência missionária de uma comunidade da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria (CIIC), em Castelo de Sonhos, Pará. Uma simples busca de imagens no Google já vai mostrar inúmeras imagens de assassinatos, o que dá uma idéia inicial do desafio da missão em terras de garimpo. Agradeço a Ir. Joaninha Madeira, ex-assessora da CRB de Cuiabá, pela autorização para publicar o testemunho.
A Ir. Joaninha  desejava muito conhecer a realidade das comunidades do Garimpo no Pará, uma realidade ainda muito forte nesta região. Os Padres Cavanis, da paróquia de Novo Progresso, prestam um serviço fraterno e solidário e atendem este povo, que deveria ser atendido pela Paróquia de Itaituba.
A Ir. Joaninha se ofereceu para ir com os padres em uma das visitas pastorais à região dos garimpos. Estando com a agenda livre, aproveitou a carona com os Padres, José Viani, José Carlos e o ministro Hélio e visitou as comunidades de Cripurizinho, Cripurizão e Jardim do Ouro. Estas comunidades  ficam há quase duzentos quilômetros de Novo Progresso. A estrada é de terra mas, por incrível que parece, está melhor do que as que temos no centro de Castelo de Sonhos. É um benefício colateral provocado pelas muitas mineradoras que precisam  escoar seus produtos.
Chegamos ao destino sem maiores problemas,  apesar do tempo chuvoso. Foram muitas horas de viagem.
A realidade do povo que vive nestas comunidades inquieta e questiona. Como entender que essa gente trabalha com ouro, ganha bem e gasta tudo com  coisas que não duram (como prostituição e bebida)?! Conversando com esse povo a gente vai entendendo.
Eles deixam as famílias nos lugares de origem e vêm para o garimpo, sem nenhum vínculo afetivos. Ficam com 40%  do ouro extraído, livre de tudo, enquanto o patrão fica com 60% e assume os gastos com maquinários. Mas os garimpeiros gastam sua parte nos bares e bordéis da vila. Há quem gaste até R$ 5.000,00 mum único fim-de-semana...
Assim,  os cafetões e cafetinas e os donos de  comércio  em geral são os que mais se beneficiam com o ouro que vem dos garimpos. É uma realidade gritante. As pessoas que têm um pouco mais de visão e  sabem investir o resultado do trabalho estão bem. São proprietários de mercados e de grandes fazendas, com muitas cabeças de gado. O que a gente vê quando viaja é garimpo, grandes extensões de terra com gado e  extração de madeira.
Um líder da Comunidade Jardim  do Ouro, a primeira comunidade que visitamos e que faz parte da paróquia de Moraes Almeida, nos contou o seguinte fato. Um homem seu conhecido, que trabalha num garimpo pediu-lhe que guardasse para ele R$ 5.000,00), para evitar quegastasse tudo com mulheres numa única noite. Levou consigo apenas R$ 800,00. Na manhã seguinte  o garimpeiro bateu à sua porta acompanhado de uma mulher para buscar os 5.000,00, pois havia gasto tudo. Assim  são os finais-de-semana nos garimpos...
Nas comunidades de Cripurizinho e Cripurizão não é diferente. Ir. Joaninha contou que foi ver a realidade de perto. Estas comunidades fica às margens do Rio Cripuri, daí o nome Cripurizinho e Cripurizão.  É um rio de águas barrentas, por causa dos garimpos, e dizem que não dá muito peixe. A Irmã entrou em duas casas de compra e venda de ouro e se apresentou como leiga no assunto, querendo saber como funciona.
Os  dois vendedores informaram que o valor do ouro varia conforme a qualidade do produto. Tudo é ouro, mas o que varia é a qualidade concreta, ligada à especificidade do solo. O ouro de qualidade mais inferior vale, em média, R$ 70,00 o grama.
Apareceu uma senhora que tinha os dois produtos: vendeu o de qualidade inferior, uma pepita  que foi beneficiada ali mesmo na loja, que foi avaliada em R$ 1.700,00. A mulherresolveu esperar o aumento de preço, e disse à Ir. Joaninha: “Esta é nossa moeda forte.”
A Irmã puxou conversa com  esposo dela e perguntou:  “Como é possível isso: este povo trabalha com ouro, tem a riqueza nas mãos  e vive de modo tão miserável?” Ele respondeu: “Isso é simples. Veja onde eles gastam... (e apontou para os bordéis).
Esta mesma pessoa contou também o fato de um funcionário que havia morrido num barranco. A família  veio reivindicar os diretos e as porcentagens do garimpeiro, e foi-lhe dito que ele recebera tudo, mas ninguém sabia o destino deste pagamento. Ou seja: ninguém é assegurado de nada ,só do fruto do trabalho. Não há registro nem documentos.
Na segunda casa de compra e venda de ouro um senhor  estava vendendo uma pepita no valor de R$ 2.200,00, tudo purificado e calculado ali mesmo. Estas lojas sempre têm outros produtos à venda, e, com frequência, as pessoas compram e pagam com o ouro.
Existem outras comunidades que só são acessíveis por barco e, desta vez, não foram visitadas. O Pe. José Viani disse várias vezes à Ir. Joaninha: “Este lugar é verdadeiramente um lugar de missão”. Mostrava-se preocupado por só poder visitar esta região de vez em quando e não poder assegurar uma continuidade para que a comunidade caminhe.
Nesta comunidade, a líder referencial está muita aflita e se sente sozinha. Seu esposo passou para a Igreja Assembléia de Deus, que toma força no local. Ela sente o drama na própria casa. Já telefonou para a Prelazia e pediu socorro ao bispo. Pediu também à Ir. Joaninha para que as Irmãs se estabelecessem lá. Prometeu que a comunidade assumiria todas as despesas. Os padres estão pensando manter lá um ministro leigo, pago pela Paróquia de Novo Progresso, até se forme alguém.
Na verdade, todos estão aflitos com o abandono em que vive essa gente. Algumas pessoas só freqüentam a comunidade quando o padre vai, ou quando querem o sacramento. A questão do vínculo familiar é muito frágil nos garimpos. Aqui em Castelo de Sonhos também é assim, mas a comunidade cristã já tem maior visibilidade.
Ir. Joaninha passou  dois dias nestas comunidades e retornou entusiasmada e desafiada e com desejo de ser mais presença missionária nestas realidades. Que Deus nos fortaleça, enviando vocações missionárias. Que Emilie nos fortaleça na fé e no desejo de continuar estando onde nos chama a voz dos pobres, onde Jesus não é conhecido nem amado.
Um agradecimento especial aos Padres Cavanis, que, com sua solidariedade e acolhida, nos deram a possibilidade de marcar presença  nos garimpos. Agradecemos também à Comunidade de Castelo de Sonhos por ter assumido os trabalhos para  que a Ir. Joaninha pudesse realizar seu desejo missionário, visitando  eestas comunidades e aprendendo com o povo .
                            Castelo de Sonhos (PA), novembro de 2011. 

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