segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Festa da Epifania

Deus não é propriedade privada dos cristãos!
(Is 60,1-6; Sl 71/72; Ef 3,2-6; Mt 12,1-12)
Neste rico tempo de Natal, hoje somos convidados/as a participar da festa da manifestação de Jesus Cristo como caminho de salvação acessível a todos os povos. Nele todos os povos e religiões são reconhecidos como legítimos cidadãos e herdeiros do Reino de Deus. Assim, Jesus Cristo n­ão é propriedade dos católicos, nem dos cristãos. Em uma de suas homilias, o Pe. Berthier lembra que esta festa cristã celebra nosso chamado a fé, sublinhando que o encontro verdadeiro e profundo com Deus encarnado nos leva a mudar os rumos da nossa caminhada. “Este é o dia do aniversário do nosso chamado à fé. Os magos foram fiéis ao apelo de Deus; sejamos fiéis ao chamado à vida cristã!”
“Onde está o Rei dos judeus que acaba de nascer?”
Temos dificuldade de assimilar a gramática e a pragmática de Deus, seu jeito de falar e de agir. A liturgia e a teologia não conseguem abandonar as velhas categorias de poder e de realeza para falar de Deus, e fazem um esforço inútil para aplicá-las a Jesus Cristo. Mas, como ocorreu com os magos, quem encontra realmente Jesus Cristo precisa mudar também seu caminho teórico e tentar criar uma nova linguagem para falar sobre Deus, uma linguagem que parte do presépio e da cruz.
A antífona de entrada da missa de hoje proclama que o nosso rei chegou trazendo nas mãos o poder e a glória. Sim, nas suas mãos abertas e pedintes está a força que nos arranca do fechamento e da indiferença, que nos co-move à compaix­ão e à solidariedade. A glória de Deus se manifesta quando suas criaturas acessam à vida abundante. No encontro com um Deus que se revela esvaziado do poder e da glória que (indevidamente) lhe atribuímos, escutamos o apelo a dar as mãos e construir um mundo novo.
Aproximemo-nos do estábulo de Belém para acolher e reconhecer o rei-servo que nos faz livres e nos conduz ao melhor de nós mesmos/as, que nos leva para fora do estreito círculo dos interesses mesquinhos e dos medos disfarçados. Contemplemos a glória de Deus que brilha nas suas criaturas e deixemos aos seus pés nossos melhores dons: o desejo de uma humanidade tecida de infinitos gestos de aproximação e de solidariedade, inclusive entre quem não pertence à mesma religião ou à mesma nação.
“E teu rosto se iluminará, teu coração vai palpitar.”
Poetas e místicos  pro-clamam este evangelho há muito tempo. Não viemos ao mundo para estacionar num vale de lágrimas, morar nas sombrias cavernas do desprezo, vestir eternamente os uniformes de trabalho, lamentar e condenar um mundo que não é como deveria ser, ostentar sorrisos desbotados pelo sofrimento... Somos criaturas vocacionados à glória, à alegria, à realização, à beleza, e não a uma vida de gado marcado. Nascemos para brilhar.
Isaías nos brinda outra vez expressões poéticas belíssimas. A uma Jerusalém arruinada e desanimada, a um povo posto de joelhos diante dos invasores e condenado a comer o p­ão misturado às lágrimas, o profeta proclama: “De pé! Deixa-te iluminar! Chegou a tua luz! A glória do Senhor te ilumina!... Lança um olhar em volta e observa: teus filhos vêm de longe, tuas filhas carregadas ao colo. Então verás, e teu rosto se iluminará, teu coração vai palpitar e arfar...”
É importante lembrar que a Igreja sugere que acolhamos a manifestação de Jesus Cristo neste horizonte de recuparação da esperança e da alegria de viver, e isso n­ão apenas para quem acredita nele e tem carimbada sua ficha de batismo. Os povos e religiões estranhas e estrangeiras também têm lugar nesta alegria. Todos nasceram prá brilhar. A razão desta alegria  é o Deus Menino que, na sua insuperável proximidade e inigualável simplicidade, justifica todos os seres humanos e restaura a paz entre os povos.
“Os pagãos são chamados à mesma herança...”
Homens de outros pagos e diferentes crenças, os magos chegam a Jerusalém vindos do oriente, guiados por um sinal. Mateus nos diz que eles batem às portas dos chefes políticos e líderes religiosos pedindo ajuda para decifrar os sinais e descobrir o caminho. Os escribas mostram seu saber, mas são incapazes de se mover. Herodes fica sabendo das coisas e é assaltado pelo medo de perder o poder. Os magos aprendem e ensinam que Aquele que merece honra e reverência não está nos palácios e nas capitais.
Por mais que o profeta a elogie, Belém está entre as cidades mais insignificantes de Judá. Somente a teimosia e a fé dos pobres podem esperar algo de um lugar tão insignificante. É em direção a Belém que os magos seguem e é lá que encontrarão sua alegria com feições de um menino, deitado numa manjedoura, sob o olhar cuidadoso de uma mãe. Como os magos, sábios estrangeiros e pagãos mal-vistos, somos chamados a redescobrir nossa fé original em lugares distantes do poder.
Herodes aconselhara que eles fossem a Belém em busca de informações, mas eles caminham levando presentes, e não cadernos de anotações. A estrela-sinal cumpre seu papel transitório, mas o sinal de que a humanidade tem um novo líder é o “menino deitado na manjedoura”. Os magos reconhecem a realeza de Jesus Menino e lhe oferecem ouro. Proclamam sua divindade oferecendo-lhe incenso. Mas prenunciam já sua humana morte oferecendo-lhe mirra.
“Retornaram para sua terra passando por outro caminho.”
Berthier observa que o mesmo fato que faz a alegria dos magos provoca o medo de Herodes. O que motiva a viagem dos magos coloca em alerta a capital de um pobre país dominado. Mas nada desencoraja estes peregrinos da fé: nem a indiferença dos líderes religiosos, nem o medo do rei submisso ao império, nem o paradoxo da estrebaria. Que prova para uma fé pouco robusta!... Eles compreenderam que aquela era a morada mais adequada para quem vinha para abater os poderosos e elevar os humildes.
Este é o núcleo da fé que professamos: um Deus que se sente bem assumindo a carne humana e que, por amor, não recusa a cruz. Como é possível que tenhamos nos afastado tão perigosamente disso? Como entender que as igrejas tenham transformado a estrebaria em palácios, os sábios estrangeiros em reis que barram migrantes, os pastores em imperadores implacáveis? Como é possível que tenhamos descafeinado nossa fé, reduzindo-a a uma espécie de analgésico para as dores de consciência?
A estrela fora um sinal seguro no caminho que levou os magos a Jesus, passando por Jerusalém. Seria também o seguro caminho de volta, já que era por eles conhecido? O encontro com Jesus Cristo, o Deus em fraldas, provocou os magos a buscar caminhos novos, caminhos que passam longe do poder e do saber, frequentemente mancomunados para oprimir e matar. O caminho vai sendo feito no próprio ritmo da caminhada, não mais à luz de estrelas, mas à luz da fé que reconhece a divindade na humanidade.
“São membros do mesmo corpo e participam da mesma promessa.”
Paulo fala de um mistério até então desconhecido e finalmente a ele revelado: que todos os povos e religiões particpam da mesma herança do Reino de Deus e são membros do corpo de Cristo em igual dignidade com os judeus. Com isso, derruba todos os muros que hierarquizam e separam, mas também atrai a desconfiança e a raiva de muitos compatriotas. Em nome de Deus, Paulo nega toda espécie de superioridade religiosa. Na raiz da nossa fé está esta alegre descoberta da igualdade, sem privilégios.
Como é difícil assimilar este aspecto da nossa fé! Ainda hoje os católicos estão às voltas com o desafio do ecumenismo, pensando que todos os povos devem entrar no redil estreito do assim dito sucessor de Pedro. Como é dificil reconhecer no estranho/estrangeiro um irmão que participa da mesma dignididade que pensamos ter. Como perturba os “homens de Jerusalém” o simples gesto de reconhecer e acolher a verdade presente na fé e na prática das outras religiões.
Pisando o chão da Roma da máfia e dos mártires, dos palácios e das catacumbas, eu me pergunto: é lícito esperar que os povos venham em caravanas, trazendo seus presentes e sua submissão a Jesus Cristo, refém das doutrinas manchadas de sangue e abraçadas ao poder? Será Roma o lugar onde ele pode ser encontrado? Ou devemos seguir os magos rumo à periferia? Será que os presentes e a obediência não devem percorrer o caminho inverso: ir aos pobres e oprimidos de todas as cores, odores, suores e dores?
Dirigimo-nos a ti, Deus dos Humildes, Deus envolto em faixas, destino e refúgio de todos os que peregrinam nas estradas de um mundo desigual. Dá-nos palavras e sinais que guiem nossos passos inseguros no rumo certo. Impede que nos detenhamos nos palácios que escondem prisões. Ajuda-nos a reconhecer tua presença na Belém de todos os homens e mulheres e a ver as diversas religiões como caminhos que conduzem ao encontro contigo. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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