segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A Sagrada Família segundo os Evangelhos (8)


Mateus 2,1-12: Viram o menino com Maria, sua mãe...

Depois de mostrar aos cristãos, através da genealogia e do anúncio a José,  quem é Jesus, Mateus assume o propósito de demonstrar a natureza e os destinatários do seu messianismo. Ele propriamente não narra o nascimento de Jesus, pois primeiro o capítulo termina simplesmente informando que "Maria deu à luz um filho e José deu a ele o nome de Jesus" (v. 25), e o segundo começa dizendo "tendo Jesus nascido na cidade de Belém" (v.1). A referência a Belém expressa a idéia de volta às origens do davidismo (e não necessariamente ao davidismo de Jerusalém), embora o laço dos descendentes de Davi com sua cidade de origem não fossem fortes naquele tempo.
Parece que em todo o segundo capítulo de Mateus, Herodes desempenha um papel central (embora não seja ele a meta do texto). Mais que mostrar a ação de Herodes e destacar este ou aquele aspecto da vida de Jesus, a intenção de Mateus é fixar a verdade de Jesus. O segundo capítulo é uma narrativa com finalidade demonstrativa e não uma história no sentido moderno da expressão. Trata­se de um anúncio pós­pascal de Jesus Cristo, numa fase em que seus discípulos já conhecem as exigências do seguimento e o seu destino.
A perícope de Mt 2,1­-12 não tem paralelo nos demais evangelhos e com ela Mateus não quer informar, mas afirmar que Jesus foi e é rejeitado pelos judeus e, ao mesmo tempo, procurado e acolhido pelos pagãos. Mateus faz referência a ‘alguns magos do oriente’ que procuram pelo ‘rei dos judeus’ recém­nascido. Tais personagens lembram Abraão, o pai dos crentes, que olha encantado o céu e tenta contar as estrelas (Gn 15,5).
Os magos eram pessoas suspeitas e desprezadas pelos rabinos, que os acusavam de fraudadores. É interessante notar também que, com a passagem e a conversa com eles, Herodes se inquieta, mas não duvida do teor da pergunta deles. Havia uma clara expectativa de algum acontecimento importante, e Herodes temia perder o trono. Ele é uma figura de rei radicalmente oposta àquela do esperado messias, descendente de Davi.
Aqui aparece muito claramente o contexto, no qual os interlocutores de Mateus vivem naquele momento. A comunidade cristã experimenta a excomunhão em relação ao judaísmo, é considerada indigna de pertencer a Israel e, finalmente, perseguida. A experiência da perseguição de Jesus e dos cristãos é que leva Mateus e descrever com crueza e clareza a perseguição sofrida por Jesus nos seus primeiros dias de vida. Mateus narra os acontecimentos à luz dos fatos posteriores da vida de Jesus e da comunidade cristã, assim como dos fatos preparatórios da história do povo de Israel.
Outra vez Mateus recorre às escrituras judaicas para iluminar os acontecimentos. Os doutores da Lei sabem decifrar as profecias messiânicas, mas parecem não acreditar nelas. A profecia de Miquéias projeta luz sobre o que acontecera em Belém. O sinal messiânico (estrela) está no céu e chama a caminhar para Belém, literalmente, a casa do pão, origem da casa/família de Davi. Jesus é descendente de Davi e nasce na cidade de Davi, e isso sublinha ainda mais sua identidade messsiânica. Os magos estrangeiros seguem o sinal no céu e a orientação das profecias, enquanto os doutores da lei voltam para seus afazeres rotineiros. Diante da manifestação de Deus, todos os homens e estruturas precisam tomar posição: aqueles que se julgam sábios e entendidos resistem e recusam a revelação de Deus na humildade e na pobreza.
Tendo chegado a Belém e encontrado Jesus, os magos ofereceram presentes como se ele fosse um rei e prestam­lhe homenagem como se fosse Deus. Jesus é o Messias, o Pastor e condutor de Israel, mas são os estrangeiros que o procuram e reconhecem. A nova realeza que se manifesta em Belém transforma pela raiz a realeza estratificada num sistema que tem no templo de Jerusalém o seu símbolo. Como os profetas, os magos mostram que a verdadeira realeza não vem do centro (Jerusalém), mas da periferia (Belém). O modo de exercer esta nova realeza é o pastoreio, a compaixão, o cuidado pelos oprimidos e pela sua integração no Povo da Aliança.
Os peregrinos que buscam o Salvador encontram Jesus e Maria (e José) numa casa (v. 11), ambiente familiar, longe dos poderes e dos violentos de Jerusalém. Não encontram o Messias isolado, mas no calor de uma família. O pai e a mãe parecem retirar-se de cena para que o filho apareça em todo seu protagonismo. É numa família que o Messias se deixa encontrar. Quem o encontra, muda de rumo e deixa de colaborar com as estruturas de injustiça e de violência.

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