domingo, 29 de abril de 2012

Dia dos/as trabalhadores/as


José de Nazaré, um operário

A festa de são José Operário fui instituída pelo Papa Pio XII, em 1955, com a intenção de reafirmar a dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras e, ao mesmo tempo, dar uma marca católica à celebração civil e classista do dia 1° de maio. O próprio Pio XII havia dito, por ocasião do Natal de 1942: “Todo trabalho possui uma dignidade inalienável e, ao mesmo tempo, uma íntima ligação com a pessoa em seu aperfeiçoamento: nobre dignidade e prerrogativa que não são de modo algum aviltadas pela fadiga e pelo peso que devem ser suportados como efeito do pecado original em obediência e submissão à vontade de Deus.”
Antes dele, Leão XIII havia escrito “Os porletários e operários têm como direito especial o de recorrer a são José e de procurar imitá-lo. José, de fato de família real, unido em matrimônio com a mais santa e a maior entre todos as mulheres, considerado como o pai do Filho de Deus, não obstante tudo passou a vida toda a trabalhar e tirar do seu trabalho de artesão tudo o que era necessário ao sustento da família.” E introduzindo o nome de São José no cânon da missa, o Papa João XXIII quis homenageá-lo como exemplo de vida cristã, homem trabalhador e honesto, fiel e obediente à palavra de Deus.

O pai de Jesus era carpinteiro
Em geral essa afirmação não causa hoje nenhum problema para os cristãos, se bem que muitos parecem lamentar secretamente que Jesus não tenha sido descendente da família nobre ou da dinastia sacerdotal... Mas no contexto das primeiras comunidades cristãs, especialmente no ambiente do judaísmo e do império romano, a origem social de Jesus atraía suspeita e desprezo sobre seu ensino e suas ações.
Ouvindo o ensino de Jesus na sinagoga, seus conterrâneos se perguntavam perplexos: “De onde vem essa sabedoria e esses milagres? Esse homem não é o filho do carpinteiro?” Nomeando de cor os membros de sua humilde família, não conseguiam entender e ficaram escandalizados (cf. Mt 13,53-58). A condição de vida de José e a profissão que exercia eram causa de menosprezo e dificultavam a aceitação da mensagem de Jesus por parte do seu próprio povo.
Mas este é um dado que não podemos esquecer ou diminuir: José é um homem que viveu do próprio trabalho. No século XIX, o Pe. Berthier,  fundador dos Missionários da Sagrada Família, escrevia: “José era um pobre artesão: ele não recebeu outra herança senão as mãos, outro capital senão a carpintaria, outros recursos senão o próprio trabalho” (Le prêtre II, p. 802). E esse trabalho foi o caminho que o levou à integridade nas suas relações com Maria, com Jesus, com seu povo e com Deus.

Um trabalhador pode alcançar a sabedoria?
A expressão grega tektôn, que normalmente é traduzida por carpinteiro, expressa também o ofício do pedreiro e do ferreiro. De qualquer maneira, sempre trabalhos artesanais. Assim, podemos supor com bastante fundamento histórico e literário que José e Jesus foram artesãos experimentados no ofício da carpintaria e muito conhecidos nas vilas da região.
Podemos presumir também que, seguindo o costume segundo o qual o pai devia ensinar sua profissão aos filhos, José ensinou Jesus a distinguir os diversos tipos de madeira e suas qualidades específicas: plátano, terebinto, cipreste, sicômoro, acácia, oliveira, zimbro, pinheiro, etc. Ensinou-o também a usar adequadamente as ferramentas de trabalho: machado, martelo, serra, plaina, cinzel, etc. E observando o jeito de José trabalhar, Jesus aprendeu o valor de um trabalho bem feito.
O livro do Eclesiástico registra reserva e até um certo menosprezo pelos trabalhadores manuais. “Aquele que está livre de atividades torna-se sábio. Como poderá tornar-se sábio aquele que maneja o arado e cuja glória consiste em manejar o ferrão? Como pode tornar-se sábio aquele que guia bois, não abandona o trabalho e só sabe falar de crias de vacas?... O mesmo acontece com todo carpinteiro e construtor, e com qualquer pessoa que trabalha dia e noite...” (Eclo 38,24-27).
Com base nisso, podemos concluir que, como os demais trabalhadores manuais, José e Jesus “não são requisitados no conselho do povo, não têm lugar especial na assembléia, não se assentam na cadeira do juiz, nem conhecem as disposições legais. Eles não brilham pela cultura nem pelo julgamento, e não entendem de provérbios. Entretanto, são eles que sustentam as necessidades básicas, e a oração deles consiste em realizar o próprio trabalho” (Eclo 38,34).

A dignidade dos trabalhadores
A festa de São José Operário tem como objetivo celebrar o valor do trabalho humano e proclamar a dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras. São José nos ajuda a voltar o olhar àqueles/as que hoje necessitam do próprio trabalho para sobreviver e, ao mesmo tempo, realizam através dele sua vocação de construir o bem comum.
Nossa fé sublinha que Deus assumiu a condição humana, inclusive a de trabalhador. “Pela sua encarnação, o Filho de Deus, de certo modo, uniu-se a todos os seres humanos. Trabalhou com mãos humanas, pensou e agiu como qualquer ser humano, amando com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, foi realmente um dos nossos em tudo, exceto no pecado” (Gaudium et Spes 22).
O mesmo documento conciliar recomenda engajamento e alegria aos cristãos  que “seguindo o exemplo de Cristo, que trabalhou como operário, exercem todas as suas atividades unificando os esforços humanos, domésticos, profissionais, científicos e técnicos numa síntese vital com os bens religiosos, sob cuja direção tudo se orienta para a glória de Deus” (Gaudium et Spes 43). Assumindo  trabalhos  manuais humildes em Nazaré, Jesus conferiu uma dignidade especial ao trabalho e aos trabalhadores/as (cf. Gaudium et Spes 67).

Mudar os sistemas iníquos
Em tempos de crise estrutural como esta que estamos atravessando, as saídas apresentadas como mais razoáveis e urgentes normalmente trazem prejuízos aos trabalhadores/as. Fala-se sempre em flexibilizar os direitos trabalhistas, mas pouco se fala em flexibilizar os índices de lucro dos empresários e banqueiros. A Igreja afirma sem rodeios que “é iníquo e desumano” organizar a produção “em detrimento dos trabalhadores”.  “Nenhuma lei econômica o justifica” e, nesses casos, “a greve deve ser reconhecida como um direito de defesa dos trabalhadores” (Gaudium et Spes 68).
Muitos cristãos ainda preferem imaginar São José trazendo nas mãos lírio da pureza e não as ferramentas de trabalho. E gostam de contemplar Jesus ostentando na cabeça uma coroa real e portando nas mãos o pergaminho ou o cajado, a patena e o cálice, mas jamais uma foice ou uma enxada! E o mundo viria abaixo se alguém ousasse representar José e Jesus numa manifestação pela redução da jornada de trabalho, contra a flexibilização das leis trabalhistas ou por uma nova ordem internacional...
Que o trabalho não seja em vão
Paulo Coelho confessou que gosta de imaginar Jesus celebrando sua última ceia numa mesa fabricada na marcenaria de José. Mesmo que isso não seja historicamente provável, é importante sublinhar os laços que unem José e Jesus, sejam eles de trabalho ou de missão. Jesus será sempre o filho e o herdeiro do carpinteiro de Nazaré, e dele aprendeu a relevância da utopia religiosa, o valor do trabalho e a dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras.
De minha parte, concedo-me o direito de imaginar José e Jesus envolvidos no trabalho em mutirão para construção de casas no povoado de Nazaré. À noite, em casa, depois da modesta janta, vejo José puxando de memória o Salmo 127: “Se Javé não constrói a casa, em vão labutam os construtores. Se Javé não guarda a cidade, em vão vigiam os guardas. É inútil que vocês madruguem e se atrasem para deitar, para comer o pão com duros trabalhos: aos seus amigos ele o dá enquanto dormem.”
Interrompendo a prece, fixa demoradamente o olhar terno no rosto de Jesus, e depois continua: “A herança que Javé concede são os filhos, seu salário é o fruto do ventre: os filhos da juventude são flechas na mão do guerreiro.” E Maria, envolvendo José com um abraço carinhoso, completa: “Feliz o homem que enche sua aljava com elas; não será derrotado na porta da cidade quando litigar com seus inimigos.” Ela sabia que seu marido não brilhava pela cultura e não entendia de provérbios, mas das mãos dele vinha boa parte do sustento da família, e seu trabalho subia ao céu como oração.
Pe. Itacir Brassiani msf

sábado, 28 de abril de 2012

Nova onda de escravagismo?


Nota pública da Comissão Pastoral da Terra:
Que sob a toga dos ministros do STF não se esconda nenhum escravocrata!

“Diante da Intolerância das elites brasileiras, só resta a intransigencia do povo!"
A Diretoria e Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra, CPT, às vésperas do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI 3239, proposta pelo Partido dos Democratas, contra o Decreto Federal 4887/2003, vem expressar sua profunda preocupação com o que está acontecendo neste país.
Está em curso uma nova caça aos povos indígenas, comunidades quilombolas, e outras comunidades tradicionais, por um contingente expressivo de escravocratas, que lançam seus tentáculos em diferentes espaços do Estado Brasileiro e tem apoio de diferentes órgãos da imprensa nacional.
Como à época do Brasil Colônia, povos indígenas inteiros foram devastados por não quererem se submeter aos ditames dos invasores; à época da escravidão, os senhores de escravos contavam com toda a estrutura do poder público para perseguir e destruir os espaços de liberdade construídos pelos negros, chamados de quilombos, hoje, novos escravocratas, com voracidade incomum, atentam contra as comunidades indígenas e quilombolas, com ações diretas ou utilizando trincheiras, assim chamadas legais, para impedir o reconhecimento dos territórios historicamente por elas ocupados.
Sucedem-se os ataques diretos às comunidades indígenas e quilombolas. Os dados coligidos pela CPT nos dão conta que em 2011, foram assassinados 4 indígenas e 4 quilombolas, nas disputas territoriais. 82 conflitos por terra envolveram os índios e 100 os quilombolas. 77 quilombolas e 18 indígenas foram ameaçados de morte e 8 indígenas e 3 quilombolas, sofreram tentativas de assassinato.
No plano dito “legal” são muitas as ações que os novos colonizadores e escravocratas movem contra a continuidade dos processos de identificação e titulação das terras indígenas, e dos territórios quilombolas e de outras comunidades tradicionais. Estas encontram fácil acolhida em diversas instâncias do poder Judiciário.
Mas, possivelmente, é na trincheira do Congresso Nacional que os novos colonizadores e escravocratas têm seus mais firmes tentáculos. Há poucos dias a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda Constitucional, PEC 215, pela qual os parlamentares querem ter exclusividade na demarcação de terras indígenas, de quilombolas e de unidades de conservação ambiental, retirando esta competência do Executivo. Com isso praticamente fica inviabilizado qualquer reconhecimento de novas áreas. E são inúmeros os projetos de lei que buscam restringir os parcos direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades quilombolas.
O Decreto Federal 4887/2003, assinado pelo ex-presidente Lula que regulamentou o processo de titulação das terras dos remanescentes das comunidades de quilombos criando mecanismos que facilitam o processo de identificação e posterior titulação de comunidades, encontrou no Partido dos Democratas (um dos últimos resquícios da sustentação parlamentar da ditadura militar) ferrenha oposição. O Decreto que ratificou o estabelecido no Artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição Federal: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”, foi considerado pelos “democratas” (triste contradição), inconstitucional.
Os novos escravocratas se espalham pelo Congresso Nacional, nos mais diversos partidos, tendo constituído a assim chamada Bancada Ruralista. Esta bancada, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), é formada por 159 parlamentares, sendo 141 deputados e 18 senadores. Ela lidera as desastrosas mudanças no Código Florestal e em toda a legislação ambiental; desde 2004, praticamente, impede a última votação da PEC 438 que determina o confisco das áreas onde for constatada a exploração de trabalho escravo; e se opõe a qualquer tentativa de reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades quilombolas e outras.
A ADI 3239, proposta pelos “democratas” vai a julgamento no STF, nos próximos dias. As comunidades quilombolas que saudaram os pequenos avanços no reconhecimento de sua cidadania e de seus direitos expressos no Decreto Federal 4887/2003, não podem ser defraudadas.
A Comissão Pastoral da Terra espera que os ministros do STF julguem esta ação a partir dos direitos fundamentais da pessoa humana e não se enredem em questões minúsculas de formalidades jurídicas. Está em jogo o direito de populações que historicamente foram discriminadas, massacradas, jogadas à margem da sociedade. É mais que necessário que se garantam os poucos direitos tão duramente conquistados. A CPT quer acreditar que sob a toga dos ministros do STF não se esconde nenhum dos escravocratas atuais.
Goiânia, 16 de abril de 2012.
Dom Enemésio Lazzaris
Presidente da CPT 

Belo Monte


Quero partilhar com os leitores/as este belo testemunho missionario de Dom Erwin Kreutler, Bispo do Xingu e irmao entre os irmos. Apesar de longo, vale a pena ler e perceber, nas linhas e entre-linhas, um homem de Deus, pastor sensivel à alma do povo e profeta corajoso na defesa dos mais fracos.

O povo "à jusante" de Belo Monte

Há doze dias vivo a bordo do barco "Teresinha". Estou visitando as comunidades do interior de Porto de Moz. Não há telefone e muito menos existe acesso à Internet. Faz um bem enorme ficar de vez em quando sem essas comodidades. Tem-se a impressão de estar em outro planeta. Mas as pessoas queridas que encontro ao longo da viagem e que há décadas conheço e amo são a prova de que continuo no mesmo planeta Terra e na "minha terra" que é o Xingu. A primeira vez que singrei as águas dos rios, furos e lagos de Porto de Moz foi em janeiro de 1968. Lembro os antepassados do povo que agora me abraça. Revejo em muitos rostos os traços de seus avós. Antigamente as famílias vieram a remo. Hoje um motor "rabeta" diminui mais o tempo da viagem. Mesmo assim têm que enfrentar, às vezes por horas, um sol escaldante ou chuvas torrenciais.
O encontro com o bispo segue sempre o mesmo esquema. Começa com abraços, cantos, poesias, salva de palmas. Um ambiente festivo e descontraído, sem formalidades, etiquetas e protocolos. Sinto-me em casa. "Vós todos sois irmãos" (Mt 23,8). Também o bispo é irmão! É nestas ocasiões que mais me realizo como pastor, no meio dessa gente que amo e que - eu sei disso - também me ama. Todo mundo se conhece. Essa é uma das mais belas características das Comunidades Eclesiais de Base. Não há estranhos.
Faço questão de primeiro ouvir o povo, escutar a sua história, ser informado a respeito de suas esperanças e angústias, avanços e derrotas. São coisas alegres, estórias pitorescas, "causos" que partilham comigo, mas também assuntos tristes, experiências dolorosas. Sempre me admiro que esse povo, apesar de viver uma vida dura e penosa, nunca perdeu a alegria. Sabe sorrir! Aliás, que sorriso límpido, espontâneo, cativante! Nada postiço, só para agradar o bispo.
Falam do salão comunitário que conseguiram construir, da capela que pintaram, das reuniões semanais, do culto dominical e da novena que não deixaram de celebrar. Revelam também problemas familiares. Alguém denuncia a invasão de geleiras para roubar o peixe, até na época da piracema. "Vem com malhadeiras de malha tão fina que nem alma passa". Outro relata com orgulho experiências que fazem com as Reservas Extrativistas comunitárias, mas reclama do IBAMA que cai em cima deles por causa de uma tartaruga que pegam, enquanto faz vistas grossas diante das geleiras, do escandaloso roubo de madeira, de desmatamentos e outras agressões ao meio-ambiente, como por exemplo Belo Monte. "Aí dá até todas as licenças para acabar com o nosso Xingu".
Passo, em seguida, do papel de ouvinte para entrevistado. Jovens e adultos me bombardeiam com perguntas de todo tipo. Assuntos internos da comunidade, do setor, da paróquia, mas também da "conjuntura" econômica e política. Em todas as comunidades, a pergunta principal é sobre Belo Monte. Querem saber detalhes, já que o bispo vem de Altamira, do centro do monstruoso projeto.
"Bispo, será que ainda tem jeito de impedir essa desgraça? Ouvimos falar que estão tocando Belo Monte a todo vapor. Dizem que o governo já gastou muito dinheiro e assim certamente não dá mais para parar a obra. Que o Sr. acha?"
O que realmente devo responder a esse povo? Decido "abrir o verbo", sem meias-palavras:
"Verdade é que um rolo compressor está passando por cima de todos nós. A promessa que Lula pessoalmente me deu no dia 22 de julho de 2009, segurando-me no braço e afirmando "Não vou empurrar este projeto goela abaixo de quem quer que seja" foi pura mentira. Falou assim para "acalmar" o bispo e livrar-se deste incômodo religioso que recebeu em audiência. O governo empurra sim Belo Monte goela abaixo! E Altamira virou um caos em todos os sentidos. Nada do prometido saneamento básico, uma das condicionantes do IBAMA para dar licença para iniciar a obra! Não tem leito nos hospitais, não há vaga nas escolas, homicídios na ordem do dia, prostituição a céu aberto no centro da cidade. Os aluguéis de uma casa simples pularam de 300 para 2.000 Reais. Os preços de alimentos triplicaram. O transito é uma calamidade. Acidentes a toda hora".
"O que mais vou dizer a vocês? Fui várias vezes "ver" o canteiro de obras, quer dizer, queria ver, porque não me deixaram entrar, mas vi de longe os estragos já irrecuperáveis. Rezei missa com as comunidades ameaçadas de despejo. Os grandes fazendeiros receberam indenizações, mas o coitado do pequeno produtor e agricultor não sabe o que vai ser dele e de sua família. Arrasaram com uma vila inteira: Santo Antônio. O pessoal da Norte Energia é para lá de arrogante. Se o colono não desocupa o seu sitio, a Justiça dá ordem de despejo e manda a polícia em cima do pobre, pois a Norte Energia considera toda a região propriedade sua e os moradores, que lá vivem desde os tempos do bisavô, invasores."
"E para onde vai toda essa gente?"
"Pois também eu quero saber. Prometem solução, mas nunca dizem que tipo de solução, onde, quando, de que jeito."
"E o povo de Altamira?"
"Muita gente está com o coração despedaçado. Até comerciantes e empresários que antes colaram em seus carros adesivos "Queremos Belo Monte" andam hoje cabisbaixos. Quem pode contra a fúria da "Norte Energia"? Aliás "Norte Energia" é o próprio Governo, antes Lula, agora Dilma. Nunca houve diálogo com o povo daqui, nem com índios, nem com ribeirinhos, nem com o povo da cidade. O governo traiu o povo que o elegeu e ri-se de quem defende os índios, os ribeirinhos, os pobres atingidos pela barragem. Fala de preço a ser pago pelo progresso. Só que esse preço sacrifica o nosso povo e não as famílias de políticos em Brasília. Um terço de Altamira vai para o fundo e o resto vai ficar à margem de um lago podre, criador de carapanã e causador de dengue e malária".
"E os índios? É verdade que estão a favor da barragem?"
"Não digo que estão a favor da barragem, estão a favor dos presentes que recebem. Muitos deles que antes viviam abandonados pelo governo e entregues à própria sorte, hoje têm todas as contas pagas no comércio, recebem cestas básicas e combustível e outros benefícios. O governo que negou aos índios se manifestarem em oitivas previstas em lei, agora se esmera em entupi-los de dinheiro para fechar-lhes a boca. Antigamente enganou-se os índios com espelhos e bugigangas, hoje milhões de reais são injetados nas aldeias para paralisar a luta indígena e cooptar as lideranças. O preço é muito alto. Não se mata mais índio a ferro e fogo. O dinheiro farto é a punhalada traiçoeira no coração das culturas indígenas e de sua organização comunitária. E o governo afirma em alto e bom som que nenhuma aldeia será alagada. Aldeia não será alagada, sim! O que a Norte Energia faz, é cortar a água aos índios e ribeirinhos da Grande Volta do Xingu. E o povo da Volta Grande vive e sobrevive da pesca. E tem mais. O que vai acontecer com uma aldeia a poucos quilômetros do canteiro de obras onde trabalham milhares de homens? É muito triste! Dá dó!"
"E nós? Como é que nós vamos ficar, nós que moramos abaixo da futura barragem? Ou, como essa gente de Brasília fala, 'à jusante'?"
"Bem, vocês sabem o que acontece se fazem uma tapagem no igarapé. Acima da tapagem, o que acontece?"
"O igarapé alaga a terra firme!"
"E abaixo da tapagem?"
"Ora, o igarapé seca!"
"Pois é. O Xingu abaixo da barragem vai baixar de nível e os igarapés e afluentes também. Há trechos em que o Amazonas vai entrar no leito do Xingu e nossos peixes que não se dão com a água barrenta do Amazonas vão morrer."
Por um bom tempo o povo ficou apenas me olhando e não me fez mais nenhuma pergunta. Também a conversa já passou da hora. Já é hora de almoço.
A celebração eucarística está programada para as 14 horas. A liturgia está preparada, os cantos escolhidos e as leituras ensaiadas. "Vai ter crisma" avisa-me uma catequista "e a turma precisa ainda se confessar com o bispo". Nada de vexame! Aqui ninguém é escravo do relógio. Terminada a confissão, outra catequista me informa: "As meninas precisam ainda se empiriquitar". Já são lindas por natureza, de traços indígenas ou ascendência negra, mas querem realçar ainda mais sua beleza. Há também senhoras entre as crismandas, com crianças pequenas. Uma me pergunta se pode, mesmo gestante, crismar-se. "Sem dúvida, querida! O Espírito Santo descerá sobre você e a criança debaixo de seu coração!" Apresento os crismandos a toda a comunidade chamando cada um(a) por seu nome: "Senhor, aqui estou!" é a resposta às vezes bem forte, outras vezes um pouco tímida, acanhada. Depois de dois anos de preparação para o sacramento, sabem que a resposta que recorda o que o Profeta Isaias falou quando Deus o chamou: "Eis-me aqui, envia-me" (Is 6,8) significa o compromisso publicamente assumido com a comunidade. No rito da imposição das mãos convido também catequistas e dirigentes para realizar comigo este gesto que remonta ao tempo dos apóstolos quando enviaram discípulos para anunciar e testemunhar o Evangelho (cf. At 13,1-4). Durante a unção com o santo crisma a madrinha ou o padrinho coloca "a mão com que assina o nome" no ombro da afilhada ou do afilhado selando com este gesto uma aliança: "Você pode contar comigo, não apenas hoje, mas pelo resto da vida!". Estou convicto de que muitos padrinhos e madrinhas realmente assumem um compromisso sério e não estão aí como personagens mudas que entram em cena só para figurar. Dou-me conta disso especialmente quando, depois da unção, a crismada ou o crismado pede a bênção de sua madrinha, de seu padrinho. É um momento comovedor. Graças a Deus, o nosso povo não tem vergonha de mostrar suas emoções.
O mais lindo nestas viagens, além do encontro com esse povo bom e simples, é conviver tão de perto com a criação de Deus. Doze dias se foram, desde que partimos de Altamira. A última noite da viagem passamos ancorados na boca do Rio Maxipanã, afluente do Xingu abaixo de Souzel. Chegamos ao entardecer. Cedo atei a minha rede. Noite calma e tranquila, sem carapanã. Acostumei-me a acordar antes do sol raiar e assim desfruto sempre do privilégio de ver o dia nascer.
Como é sublime essa hora matutina. As estrelas deixam de cintilar. As trevas se dissipam. O céu no oriente começa a alvorecer, mas a escuridão ainda predomina. A rubra claridade da aurora enfrenta as trevas. De minuto em minuto a cor purpúrea é mais suavizada com tonalidades acajus e alaranjadas.
O rio ainda dorme. Exala uma bruma esbranquiçada que cobre, como se fosse um véu, a várzea.
Na terra-firme da outra margem guaribas já uivam seu louvor matinal ao Criador. Cada bando tem o seu "capelão". É barbudo. Aqui o chamam de "gorgo". Dizem que as fêmeas permanecem em piedoso silêncio enquanto os gorgos bradam seu salmo milenar. De repente param, como se Deus tivesse lhes passado uma ordem. Silêncio.
Agora se ouve melhor o canto dos pássaros com suas melódicas modulações, umas mais graves e fortes, outras mais contidas e suaves. Chilreiam suas cantigas, também milenares. Um é apelidado de "peito de aço" porque seu assobio é tão forte que assusta a quem estiver por perto. Ouve-se o arrulho esperançoso das rolinhas. Pombinhas selvagens gorjeiam animadas sua saudação ao novo dia. Lá longe uma voz solitária e monótona de uma ave que não sei identificar. Sua cantiga parece com o cuco, aquele pássaro dos Alpes que canta só na primavera. Falam mal dele. Dizem que bota seus ovos em ninho alheio para outra mãe chocar. Não assume a responsabilidade por seus filhotes. Em vez de ficar preso ao ninho, imóvel em cima de ovos, prefere curtir uma vida de vagabundo e voar desimpedido para cantar aqui e acolá.
O sol já alcançou altura, mas ainda é um disco pálido por trás da neblina. Cada vez mais impõe o seu fulgor. Enquanto o primeiro raio não rasgar a cortina, pode-se vê-lo a olho nu. A bruma rapidamente se desvanece e o rio, a selva e os campos à sua margem, respiram o ar límpido de uma manhã ensolarada. O Maxipanã revela agora sua cor clara, contrastando com o verde-esmeralda do Xingu e a floresta ostenta sua fascinante exuberância nas múltiplas matizes de seu verdor.
Que maravilha! "Os céus narram a glória de Deus, e o firmamento proclama a obra de suas mãos. O dia transmite a mensagem a outro dia, e a noite conta a notícia a outra noite" (Sl 18,2-3).
Pena que os homens não se deixam mais encantar pela obra de Deus. Vedaram seus olhos e taparam o ouvido. Não enxergam mais as flores, nem ouvem mais o canto dos passarinhos. O sol e lua não nascem, nem se deitam mais! É a rotação do planeta Terra, pronto! Contemplar a natureza é perder tempo e dinheiro. Tudo é matéria prima para fazer negócios. Tudo vira mercadoria a ser explorada, ser comprada e vendida, exportada e consumida! Por isso os homens derrubam e queimam a floresta, represam e sacrificam os rios, assassinam os animais da mata, envenenam as plantas e os pássaros.
Os homens perderam o coração. Tornaram-se insensíveis, brutos, cruéis. Decidiram matar a vida.
Boca do Rio Maxipanã, São Pedro, março de 2012
Erwin Kräutler
Bispo do Xingu

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Uma paz inquieta



Dá-nos, Senhor aquela Paz inquieta que denuncia a Paz dos cemitérios e a Paz dos lucros fartos.
Dá-nos a Paz que luta pela Paz!
A Paz que nos sacode com a urgência do Reino.
A Paz que nos invade, com o vento do Espírito,
a rotina e o medo, o sossego das praias e a oração de refúgio.
A Paz das armas rotas na derrota das armas.
A Paz da fome de Justiça, a paz da Liberdade conquistada,
a Paz que se faz "nossa" sem cercas nem fronteiras.
A Paz que tanto é "Shalom" como "Salam", perdão, retorno, abraço...
Dá-nos a tua Paz, essa Paz marginal que soletra em Belém, agoniza na Cruz e triunfa na Páscoa.
Dá-nos, Senhor, aquela Paz inquieta, que não nos deixa em paz!
(Dom Pedro Casaldáliga)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Quarto Domingo do Tempo Pascal


A vocação deve ser expressão do amor do bom pastor.
(At 4,8-12; Sl 117/118; 1Jo 3,1-2; Jo 10,11-18)

O quarto domingo do tempo pascal é dedicado pela Igreja Católica à reflexão e oração pelas vocações. Nesta perspectiva é que recordamos que aquele que o Pai ressuscitou é o pastor bom e exemplar, aquele que ofereceu e oferece livremente sua vida pelas ovelhas. Um pastor que não se preocupa com a própria carreira e se interessa prioritariamente pelo bem-estar de quem formalmente não faz parte do seu rebanho. A marca registrada e o denominador comum das pessoas chamadas a seguir Jesus e a continuar sua missão, qualquer que seja sua vocação específica, é a compaixão. Assim, celebrar a páscoa significa também continuar o pastoreio de Jesus, caminhando à frente e conduzindo o rebanho para fora das estruturas que alienam, discriminam e oprimem.
“O bom pastor dá a vida por suas ovelhas.”
Uma das mais belas metáforas que o povo de Israel criou para falar de Deus e sua relação com seu povo é a que o compara a um pastor. Essa imagem ajuda a entender, antes de tudo, que Deus é como um pastor que apascenta e guia seu o povo. “Pastor de Isarel, dá ouvidos, tu que diriges José como a um rebanho” (Sl 80,2). “Como um pastor, ele cuida do rebanho, e com seu braço o reúne; leva os cordeirinhos no colo e guia mansamente as ovelhas que amamentam” (Is 40,11).
O Deus-Pastor é também cuidadoso e providente. Ele providencia o que é necessário para a vida do seu povo-rebanho. “Vou levá-las para pastar nas melhores invernadas, e o seu curral ficará no mais alto dos montes de Israel. Aí elas poderão repousar e terão pastos abundantes sobre os montes de Israel. Eu mesmo conduzirei as minhas ovelhas para o pasto e as farei repousar” (Ez 34,14).
Como pastor, Deus defende as ovelhas fracas e procura pessoalmente as ovelhas perdidas até encontrá-las: “Procurarei aquela que se perder, trarei de volta aquela que se desgarrar, curarei a que se machucar, fortalecerei aquela que estiver fraca” (Ez 34,16). Ao mesmo tempo, ele reúne as ovelhas dispersas: “Eu mesmo vou procurar as minhas ovelhas. Como o pastor conta o seu rebanho quando está no meio de suas ovelhas que haviam se dispersado, eu contarei as minhas ovelhas e as reunirei de todos os lugares por onde haviam se dispersado” (Ez 34,11-12).
Finalmente, como pastor Deus trata seu povo-rebanho com ternura e amizade, gratuidade e paciência, e com ele faz aliança especial. “Vou fazer com elas uma aliança de paz: acabarei com as feras, de modo que elas poderão deitar-se seguras no deserto e dormir tranquilas no meio dos bosques” (Ez 34,25). “Ele nos fez e a ele pertencemos, somos seu povo e ovelhas do seu rebanho” (Sl 100,2).
“Eu dou a vida pelas ovelhas...”
Os evangelhos nos apresentam Jesus como o bom pastor apenas vislumbrado pelo povo de Israel. Sua vida é uma cotidiana realização do amor pastoral: tem compaixão das multidões porque estão cansadas e abatidas, como ovelhas sem pastor (Mt 9,35-36); procura as ovelhas dispersas e em situação de risco, como as mulheres, os doentes e pecadores marginalizados (Mt 18,12-14); festeja o reencontro, argumentando que é maior sua alegria por um marginalizado resgatado que por noventa e nove que se consideram perfeitos (Lc 15,3-7).
Na prática, além do ministério da acolhida e da defesa pública das ovelhas oprimidas ou dos ‘bodes expiatórios’ da sociedade judaica (cf. Jo 8,1-11), Jesus põe a mesa e alimenta o povo faminto com pão e peixe e com o dom da própria vida (Mc 6,30-44). Finalmente, ele não dá apenas orientações ou alimento, mas entrega-se a si mesmo, seu corpo e seu sangue, para que todos tenham vida. Ele é o sumo-pastor, o príncipe e o modelo de todos os demais pastores (1Pd 5,1-4).
“Conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem.”
Ao apresentar-nos Jesus como bom pastor, o evangelista João tem presente sua vida e suas práticas concretas. Ele é bom e excelente como o vinho abundante servido no final das bodas de Caná. E é bom e exemplar acima de tudo porque não é mercenário: não foge nem esmorrece diante das perseguições mas investe sua vida sem reservas para que os mais fracos tenham plenas condições de vida.
Mas ele é o pastor bom e excelente também porque estabelece um relacionamento próximo e personalizado com seu povo. Não se apresenta como um herói ou benfeitor distante, incapaz de se misturar com as pessoas comuns. Ele conhece cada pessoa pelo nome, por mais simples que seja. E conhecer significa ouvir seus clamores e conhecer seus sofrimentos, descer para defender e fazer subir (cf. Ex 3,7-10). Jesus não quer fundar uma instituição mas reunir as pessoas dispersas.
Finalmente, Jesus é o pastor bom e exemplar porque não se orienta por fanatismos esclusivistas. “Tenho também outras ovelhas que não são deste curral. Também a elas devo conduzir. Elas ouvirão a minha voz e haver um só rebanho e um só pastor.” O horizonte do amor pastoral de Jesus não se detém nas cercas ou muros religiosos, nacionais, étnicos ou de classe. Priorizando os últimos e excluídos, seu projeto de vida reconhece e proclama a dignidade de todas as pessoas, sem discriminação.
 “O mercenário foge porque trabalha só por dinheiro.”
Pedro e João demonstram que aprenderam do mestre o que significa ser pastor segundo o coração de Deus. Eles não fazem voltas nem se afastam do paralítico que depende de esmolas para sobreviver. Voltam o olhar àquele miserável e o convidam a caminhar com as próprias forças. Não se trata de um curandeirismo sensacionalista mas da coragem de enfrentar a inércia do templo, que não faz mais que manter e reforçar a dependência e a inferioridade das pessoas.
Como sempre, a coragem de enfrentar a ideologia tem seu preço, e os apóstolos são detidos. Mas assim que foram libertados, Pedro fala diretamente às autoridades religiosas e diz que é em nome daquele que eles condenaram que o paralítico foi curado. E afirma que, com Jesus, começa uma nova lógica ou nova ordem: as pessoas rejeitadas e descartadas se tornam o elemento fundamental de um novo edifício. E não há outra tábua de salvação.
“Somos chamados filhos de Deus, e nos de fato o somos.”
Em Jesus e nos seus discípulos temos o paradigma de todas as vocações. Precisamos sim pedir ao dono do campo que atraia mais gente para seu trabalho, mas não esqueçamos de pedir que sejam pastores e pastoras que se inspirem no Bom Pastor. Para que servem vocações que conhecem apenas dogmas e leis e ignoram as necessidades concretas do seu rebanho? Qual é o valor de um clero e uma vida consagrada que mataram o vírus da profecia e se deixaram seduzir pela carreira e pela comodidade?
Rezemos pelas vocações religiosas e presbiterais e empenhomo-nos numa pastoral vocacional criativa e orgânica. Mas não deixemos para o próximo século a tarefa de repensar a organização ministerial da Igreja. Derrubemos os obstáculos que impedem às mulheres e aos homens casados a realização de sua vocação ministerial. É triste constatar que alguns devem ser ministros por toda a vida, mesmo que tenham mudado de opção, e que outros/as são excluídos/as do mesmo ministério por toda a vida.
Junto com a oração pelas vocações, como nos pede Bento XVI na sua mensagem para este dia, precisamos pensar e agir como cristãos do século XXI e buscar caminhos concretos para gerar uma Igreja que seja assembéia de pessoas chamadas e comunhão de carismas e ministérios em paritária dignidade. O contrário seria colocar obstáculos à providência de Deus e impedir o florescimento de autênticas vocações. Ao mesmo tempo, é urgente que recuperemos, junto com a dimensão mística de todo serviço eclesial, sua inegociável expressão profética.
“Seremos semelhantes a ele...”
Jesus Amigo, bom e belo pastor: tu nos conheces, nos chamas pelo nome, e queres que sejamos parecidos/as contigo, filhos do teu coração, continuadores da tua missão. Com a vida e com a Palavra nos ensinas que onde há amor sem fronteiras também há vida sem limites. De ti apredemos que, para viver plenamente, precisamos fazermo-nos dom e identificarmo-nos com teu e nosso Pai. Faz de nossas famílias e comunidades eclesiais verdadeiras sementeiras de gente capaz de amar e servir com coração de pastor/a. E não permitas que deixemos cair no esquecimento o vulto do pastor/educador Paulo Freire (+02.05.1997), assim como o martírio daquelas 129 mulheres operárias queimadas vivas em Chicago, em 1887, fato que está na origem da celebração do 1° de maio. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

Sobre o pão que desceu do céu


Por vários dias, durante o tempo pascal, a Igreja propõe à nossa meditação o capítulo 6 do evangelho de João. Neste ano, começamos a saborear este prato da Palavra no dia 20 de abril, e iremos até o próximo sábado, dia 28. Em geral, diz-se que o tema desta longa perícope é o pão da vida, e que seu contexto é o sacramento da eucaristia.
Um rápido olhar sobre o conjunto literário nos mostra que a perícope inicia com o sinal da multiplicação dos pães e dos peixes (v. 1-15), prossegue com a tumultuada travessia do lago por parte dos discípulos  (v. 16-21), se prolonga na discussão sobre a credibilidade das obras de Jesus e sobre o pão verdadeiro (v. 22-58) e termina com uma profunda crise envolvendo os discípulos (v. 59-71).
Se entendo bem, ao lado da questão cristológica (os sinais da autenticidade do messianismo de Jesus) está também o tema do discipulado (o que é preciso fazer para se salvar). Parece-me que a discussão sobre as consequências do seguimento de Jesus atravessa o texto de ponta a ponta. Em todos os casos, penso que aqui estamos longe de uma reflexão espiritualista e desencarnada sobre o sacramento da eucaristia (falta o sinal do vinho e, no seu lugar, aparecem os peixes!).
Antes de tudo, o evangelista sublinha que a ação de saciar a fome da multidão com a decisiva colaboração dos discípulos não deve ser compreendida como milagre, como simples ação comercial ou caritativa, mas como sinal. O alimento distribuído abundantemente a um povo reconhecido em sua dignidade (sentado nobremente na relva) é sinal eloquente da autenticidade de um messianismo que prioriza as pessoas em situação de risco e prefere contar com a colaboração decisiva dos que o reconhecem.
Mas as leituras dessa ação simbólica de Jesus são diversas e não conseguem captar seu sentido mais profundo. Partindo da ação de saciar a fome, parte do povo o reconhece como o profeta esperado e, guiado por um messianismo caracterizado pelo poder, pretende aclamar e coroar Jesus como rei. Mas ele não se deixa impressionar pela inesperada popularidade e se retira discretamente.
Os próprios discípulos não conseguem entender claramente o que acontecia. Na verdade, a escuridão da noite que os envolvia e amedrontava na travessia do lago era mais que tudo espiritual e mental. O medo diante da novidade de um Messias que recusa o poder e não se deixa encarcerar nos limites das instituições, inclusive da Igreja, é simbolizado pela escurido, pelo vento forte, pelo mar agitado e pela ausência de Jesus.
Da recusa de Jesus em atuar como operador de caridade assistencial ou como chefe político  é que brota a pergunta: “O que devemos fazer para praticar as obras de Deus?” (v. 28). Jesus responde dizendo que é preciso trabalhar pelo um alimento consistente e duradouro e acreditar naquele que Deus enviou, ou seja: nele mesmo e no seu modo de agir. Mas o povo e os discípulos andam atrás de sinais portentosos e se recusam a entender.
É neste contexto que Jesus, tomando como referência o maná com o qual Deus alimentara os hebreus no deserto, passa do pão e dos peixes distribuídos como alimento temporário à metáfora do “verdadeiro pão do céu” (v. 32). Dizendo que “o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (v.33), Jesus está chamando a atenção para o seu movimento de descida, de encarnação na fragilidade humana, de recusa de honrarias e poderes. É neste movimento de descida e de aproximação, nesta travessia em meio a desertos de sentido e de humanidade, que está o segredo de uma vida que as mortes não podem destruir.
O povo teve dificuldades de passar do pão cotidiano para o dinamismo pascal da vida de Jesus, como nós temos dificuldades de passar do pão eucarístico para o dinamismo da encarnação, da partilha e da solidariedade. Como a massa que via em Jesus um distribuidor de alimentos, nós o reduzimos a um mítico líder espiritual que se dedica a inventar sacramentos e só sabe pedir que repitamos ritos e mais ritos.
O nó da questão é crer em Jesus de Nazaré e reconhecer na sua vida concreta – pregação e ações, grandes ou pequenas – o segredo da vida que todos desejamos. Seus vínculos com um carpinteiro da Galiléia, suas relações com os proscritos religiosos e sociais, assim como a doação de si mesmo até às últimas consequências no alto da cruz não podem ser pedra de escândalo. “A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou” (v. 30).
É a fé e ou a adesão a Jesus Cristo que confere à nossa frágil vida uma força inaudita. É desta fé que se nutriram e se nutrem profetas e profetizas, missionárias e apóstolos, servidores e ministras anônimas, desde sempre. É na carne frágil e profundamente terna de Jesus, no suor e no sangue que derramou prodigamente para não permitir que os últimos sejam apenas e sempre últimos que aurimos a esperança, a força e a coragem que faz nossa vida ser vida.
Ou não?! João registra que, depois da fala de Jesus sobre o pão que desce do céu e da necessidade de alimentarmo-nos da sua carne e do seu sangue, muitos discípulos murmuravam contra a dureza do seu ensinamento (cf. v. 60-61) e pensavam em buscar outros mestres. E é nesse momento que Jesus liga sua catequese sobre o pão que desce do céu com o corpo que é elevado na cruz e, assim, elevado e reconhecido no céu (v. 62). E então, “a partir daquele momento, muitos discípulos o abandonaram, e não mais andavam com ele” (v. 66).
A pergunta que Jesus dirige ao círculo dos discípulos mais próximos neste exato  e crítico momento vale também para nós: “Vós também quereis ir embora?” (v. 67). Precisamos evitar respostas superficiais e decoradas, ou a simples repetição da resposta de Pedro: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és  santo de Deus” (v. 69). Os capítulos seguintes do evangelho de João, inclusive o evento do lava-pés, mostram que a resposta de Pedro foi impensada, imatura e irresponsável. E a verdade é que hoje temos tantos outros mestres que nos oferecem seus ensinamentos e o caminho da felicidade a custos bem menores daqueles que pagam as pessoas que seguem de Jesus...
De qualquer modo, o desfecho do texto não deixa dúvidas: Jesus não falava de uma espécie de espiritualidade eucarística à refratária a conflitos e preocupações histórico-sociais; nem pretendia insistir na materialidade da sua presença na hóstia-corpo e no vinho-sangue, elementos centrais do sacramento da eucarista. Ninguém se escandalizaria ou deixaria de segui-lo por causa disso. A questão é bem mais séria e profunda, e precisamos enfrentá-la com responsabilidade e inteligência: trata-se dos sinais de autenticidade do messias, das consequências do seguimento de Jesus, das atitudes e práticas que devemos assimilar para realizar a obra de Deus na história. E isso não é coisa que se resolve em cinco minutos de adoração diante do Santíssimo...
Itacir Brassiani msf

Gao, Mali


Um belo testemunho de convivência entre cristãos e mussulmanos
Regiao de Gao (Mali)
Sob a ameaça direta de grupos islâmicos radicais, os cristãos do norte de Mali foram protegidos e socorridos pela solidariedade de vizinhos mussulmanos. “Nós, cristãos do norte, fomos perseguidos pelos grupos islâmicos radicais e salvos pelos mussulmanos”, diz com ênfase Pedro, um católico de Mali, empregado de uma organização humanitária de Gao e refugiado em Bamako.
“Eu vivia em Gao há 7 anos”, diz ele. “As relações entre cristãos e mussulmanos nunca foram conflituosas. Somente uma minoria se deixa guiar por maus sentimentos a nosso respeito. Jogavam pedras quando fazíamos a via-sacra fora da igreja... A polícia tinha que intervir para nos proteger.”
Mas tudo mudou quando os rebeldes tomaram Gao, no dia 31 de março de 2012. Foi o começo do medo para os 300 cristãos que vivem no local. “Em poucas horas, os grupos radicais destruíram nossa paróquia. Jamais havíamos visto isso desde o início da Igreja em nossa cidade, há mais de 100 anos atrás”, diz desolado um outro fiel.

A missão católica sob pressão
O testemunho de pessoas expulsas contam a mesma história: apenas a cidade caiu sob o comando dos grupos radicais rebeldes, um grupo de djihadistas (defensores da guerra santa) ameaçou a missão católica e pediu pelos padres. “Nós viemos para degolá-los...”, diziam eles. Informados disso, os padres e religiosos puderam fugir a tempo.
“Os djihadistas se apossaram de todos os lugares simbólicos católicos, começando pela igreja, mas também da Escola Santa Genoveva, da hospedaria, da crcehe e da biblioteca da missão católica... Eles estavam raivosos...”, diz Pedro, acrescentando: “Chamaram-me para cuidar de 13 mulheres ensanguentadas, acomodadas sobre uma charrete. Todas trabalhavam em bares que vendiam bebidas alcoólicas. Quem se ocupa disso em geral é considerado cristão... Todas haviam sido violentadas. Cuidei delas como pude e as coloquei no primeiro ônibus para Mopti. Depois não entrei mais na minha casa. Tinha medo de ser identificado como cristão....”

Sede da Caritas totalmente destruida
A tensão aumenta com a chegada de islamistas estrangeiros
Os cristãos de Gao tem uma experiência comum: “Como a maior parte de nós, encontrei refúgio junto a um amigo mussulmano. O líder do bairro mandou que nos misturássemos com a população e usássemos o turbante, como o fazem os tamachèques (chefes negros)”, explica Pedro. “Durante o dia eu saía assim, com um amigo. Os barbudos procuravam os militares em trajes civis, os funcionários públicos, os cristãos e os ladrões. E matavam todos os que encontravam. Graças a Deus, nenhum cristão foi preso por ser cristão.”
João, funcionário público em Gao há 10 anos, viveu o mesmo calvário. “Eu circulava em toda a região, entre Gao e Kidal. Minhas relações com os salafistas eram muito boas. Mas começaram a se complicar com a chegada, no fim do ano 2000, dos salafistas árabes, do Iêmem, do Qatar ou do Sudão, não sei exatamente de onde... Em 2010, assim que Iyad Ag Ghaly, líder do grupo radical islâmico Ansar Dine chegou da Arábia Saudita, o movimento salafista cresceu. Tudo se complicou com a chegada de mercenários de Mali, depois da queda de Kadhafi.”
“A partir de 17 de janeiro”, continua João, “os acontecimentos se encadearam com uma rapidez incontrolável. As cidades caíram uma após outra, como peças de dominó: Aguelhock, Ménaka, Léré, Tessalit, Kidal, Gao... Nós ficamos isolados, à mercê de gente louca, que violaram as jovens e as mulheres do nosso guardião e roubaram tudo. Nós batemos à porta de um amigo mussulmano, o qual nos escondeu durante vários dias...”

Igrejas saqueadas na região de Tombouctou
Hoje João vive com sua esposa na casa de um dos filhos, em Tombouctou. Não pensa voltar de modo nenhum a Gao. Pedro, da sua parte, foi assumido, em Bamako, pela organização humanitária para a qual trabalhava no norte.
Em Tombouctou, onde o número de cristãos está entre 300 e 400, cessou a destruição de edifícios religiosos. “Por outro lado”, assegura um Pastor da região, “as igrejas de Dirée, a 80 km de Tombouctou, e de Nianfinké, a 180 km da cidade, foram saqueadas.”
Como as reinvindicações dos grupos rebeldes eram políticas , assim que os touaregs do MNLA assumiram o controle de Tombouctou, os cristãos pensavam que não precisariam temer nada. “Mas quando percebemos que a cidade havia sido ocupada também por gente do Ansar Dine, do Aqmi, por anciãos do FIS algeriano e por mercenários do Chade, começamos a ter medo. Logo que eles estabeleceram a sharia (lei islâmica), continua o Pastor, os salafistas passaram a seguinte mensagem: quem não é de acordo com a sharia deve abandonar a cidade.”

Ajuda fraterna dos habitantes de Bamako
Junto com outros 180 cristãos de Tombouctou e de Gao, o Pastor encontrou refúgio na missão protestante de Bamako. Por enquanto, são sustentados pelas Igrejas protestantes, pela diocese católica de Bamako e por malineses do bairro. “Estes são mussulmanos. Eles nos dão vestes, alimentos, dinheiro... Eles nos sustentam”, destaca este Pastor de Tombouctou.
Asmanifestaçoes se sucedem...
Mais ao norte, em Kidal, onde vive uma comunidade de 20 católicos, ninguém sofreu violência ou foi morto, segundo algumas testemunhas. Uma delas, Théophane, um comerciante de 30 anos, relata: “Assim que os barbudos dominaram a cidade, eles mataram todos os militares e funcionários públicos que encontraram. Espalhou-se a notícia de que eles procuravam também os cristãos. Mas todo mundo me conhece, e ninguém me denunciou. Mas abandonei a cidade assim que me foi possível. Aqui em Bamako, há uma semana, fui acolhido e moro com meu amigo Ibrahim. Sem ele, eu estaria no olho da rua...” Perguntado pela razão pela qual, mesmo sendo pobre, abriu sua casa a Théophane, Ibrahim respondeu: “A amizade não deve durar apenas alguns dias; a amizade é para sempre...”
Laurent Larcher
(traduzido do francês por Itacir Brassiani msf)

De volta ao Amazonas


A missão é uma só, mas tecida por muitas mãos, com diversas sensibilidades. Mas é sempre itinerante, de certa maneira, improvisada. É estrada aberta. É navegação permanente. É recomeçar sempre, do primeiro ou do último passo.
Partilho o relato de duas Irmãs da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição (conhecidas como Irmãs Azuis), na qual descrevem os primeiros passos (ou dias) da nova missão na periferia de Manaus. A Ir. Joaninha já havia participado de uma comunidade intercongregacional em Novo Airão (AM) e, depois, em castelo de Sonhos (PA).
Porto fluvial de Manaus
Chegou o dia  a hora de pisar o solo  destinado à nossa  Província Maria Imaculada. Às onze horas da manhã chegamos a tão sonhada missão amazônica, conduzidas gentilmente pelo motorista das Irmãs Franciscanas de Maria Auxiliadora (Salesianas), senhor Frota (diácono permanente que presta este serviço de motorista às Salesianas). Fomos acompanhadas pela Ir. Rosangela que amigavelmente quis vir conosco para conhecer o local para depois poder visitarnos com sua Comunidade.
Em boa companhia, colocamos nossas coisas no carro e rumamos ao nosso destino. Uma  rotatória nos desviou do destino e assim pudemos já conhecer uma outra comunidade, Colônia do Aleixo, logo que nos demos conta do erro e acerto retomamos o caminho e logo  entramos no lugar destino: Puraquequara, que significa Morada do Poraquê.
Eis a explicação do nome: “Com o crescimento da comunidade, a atividade econômica principal passou a ser a produção de farinha de mandioca e carvão vegetal, além da pesca de subsistência. Os primeiros habitantes que chegaram ao local foram os das famílias Barroso e Matos. O nome Puraquequara vem de um peixe chamado poraquê, também chamado de enguia-de-água-doce. Para se alimentar, o peixe dá pequenos choques elétricos nas árvores, e come os frutos que caem delas. Literalmente, Puraquequara significa morada do Poraquê.”
Ao chegar encontramos a casa aberta e já desocupada à nossa espera. Deu tempo apenas para carregar nossas bagagens e liberamos nossos parceiros para o retorno a Manaus centro. Antes, ainda servimos um lanche que trazíamos conosco: bolacha e água que encontramos na geladeira. Rapidinho seu Miguel, esposo de dona Raimunda, secretária da paróquia, e  seu Frota apareceram com refrigerante, pão de queijo e pão.
Com as forças recuperadas  e uma rápida partilha com convites para retornar, nos despedimos. Como  as compras de colchão e guarda-roupas  feitos em Manaus  haviam chegado, faltava apenas montar os guarda-roupas. Arrumamos o que foi possível, improvisamos  o que pudemos. O calor era sufocante... Abre mala, tira coisa, deixa coisa...
A Ir. Joaninha deixara suas roupas de cama e banho fechadas na mala durante um ano inteiro. A umidade da região provocou mofo e ela se apurou em lavar os lençóis, aproveitando o sol abundante para secar e arrumar sua cama. Ir. Edith arrumava tudo o que podia, pois suas roupas estavam limpas secas, e  em condições de uso.
Fizemos uma pausa para almoçar, ou  melhor, para procurar o que e onde comer alguma coisa. Fechamos  tudo e saímos... Sorte  quea alguns metros da paróquia tem casas que fornecem refeições... Assim pudemos logo almoçar algo típico desta época: jaraqui frito na hora (Joaninha) e bife também passado na hora (Edith). Assim que almoçamos, já perguntamos  se há por aqui uma casa  pra alugar, e a dona do restaurante tem uma e nos mostrou. Gostamos, mas vamos procurar  em outro ambiente.
Um breve descanso e retornamos  por uma outra rua pois queríamos passar no mercado para ver algo que nos faltava. Passamos na beira, onde se vendem frutos e peixes. Compramos tucumã. Entramos numa  padaria para saber sobre pão integral. O moço que nos recebeu, logo nos contou que sua parente foi convidada para ser irmã mas não quis e atua na coordenação  de alguma pastoral na arquidiocese. Foi logo dando o telefone dela e pegando o nosso para nos colocar em contato. Aqui é assim: de uma informação se conta uma história se criam laços. O   povo é muito aberto e acolhedor.
Contentes retornamos à casa para seguir arrumando, lavando e pondo as roupas para ventilar, enquanto esperamos o guarda-roupas. À noite participamos da Via-sacra com a comunidade, um grupo pequeno, maioria juventude. Estão preparando a encenação da Paixão para Sexta-feira Santa. Conversamos com eles e assim fomos nos conhecendo.
Com as pernas moídas de subir, descer e arrumar, só queríamos cama. Conversamos um pouco e logo nos recolhemos. Sono que é bom, só pelas altas horas da noite. Eram tantas as emoções, as longas conversas na intimidade com Aquele que nos enviou, que  o sono parecia não vir. Ao nos encontrar para o café da manhã, o assunto era um só: dormi muito tarde... Coincidências de uma primeira noite com o show na vizinhança, que durou até à madrugada.
Na manhã de sábado, após o café e a oração, saímos para ver um mercadinho que fica próximo e providenciar algo para o almoço. É bem variado... Tem até tem cachorro que fica deitado no mesmo espaçoocupado pelos produtos. E tem caixa eletrônico, onde poderemos suprir nossos apuros.
De posse de verduras e carne, retornamos para casa. Joaninha seguiu lavando suas roupas, improvisando varais onde tem sol. Edith se encarregou do almoço. Um descanso rápido e as quinze horas participamos da primeira reunião com todas as pastorais da Paróquia. Assim tivemos uma visão das comunidades. Fomos muito bem acolhidas pelo povo e pelo Pe. Marquinhos. Após a reunião, participamos de uma confraternização preparada para nossa chegada, fruto da partilha de cada  comunidade.Um momento muito significativo para nós.
No domingo, dia 1° de abril e domingo de Ramos, participamos da celebração de Ramos, presidida pelo Diácono Cairo, que faz sua experiência aqui na nossa paróquia e na área Missionária da Cidade Nova, onde Pe. Marquinhos também atende. Houve procissão pelo quarteirão, e a capela ficou cheia. Fomos convidadas para ajudar na distribuiço da comunhão e, no final da celebração, fomos apresentadas para a Comunidade. Nos sentimos em casa e muito acolhidas pela Igreja de Puraquequara. Após a  celebração o diácono veio tomar café conosco e partilhamos um pouco da nossa vida. Ele compartilhou informações importantes. Assim vamos tomando pé da realidade.
Periferia de Manaus
Ao meio dia Pe. Marquinhos veio nos buscar para uma almoço comunitário, na fraternidade das Irmãs Catequistas Franciscanas, na Cidade Nova, do outra lada da cidade. Foi grande a alegria de encontrar nossas já conhecidas Irmãs e o Pe. Alcimar, coordenador arquidiocesano de pastoral. Foi um almoço muito enriquecido pela partilha e, ao mesmo tempo, nos colocando ao par da caminhada da Arquidiocese em relação à Catequese.
Aqui está implantada a catequese na metodologia da Iniciação cristã, e parece que nossa paróquia está adiantada neste processo. Na reunião de ontem o Pe. Marquinhos  nos falou que no ano de  2011 se parou a catequese e se trabalhou o ano todo com os catequistas dentro desta proposta. Este anos se retomou a catequese nesta metodologia. As Irmãs Catequistas Franciscanas que estão dando este suporte nesta região. Daí o interesse do Pe. Marquinhos em nos colocar em contato com elas. Assim vamos  criando a mesma linguagem. Precisaremos estudar e correr atrás do barco, que já está na frente na outra curva do rio.
Após um delicioso almoço em agradável companhia (saboreamos uma deliciosa matrinxã assada), Pe. Marquinhos deu uma volta conosco em toda Área São Lucas, onde ele atua. É imensa! A realidade da periferia de Manaus é algo  grandioso e desafiador. Dizíamos-lhe: “Nem que se fabricasse padres e irmãs não daria conta da demanda geográfica desta Manaus.” Foi um passeio de ordem eclesiogeográfica.
Chegamos em casa às quinze horas. Tiramos um rápido descanso e, como o guarda roupa fora montado ontem durante a reunião, aproveitamos a tarde para  continuar guardando as roupas. Por quanto tempo? Esperamos que logo encontremos uma casa para nos instalar definitivamente. Aproveitamos a tarde também para redigir os relatórios diários da casa, enquanto esperávamos mais uma celebração, à noite, para mais uma apresentação ao povo.
Estamos enviando em anexo mais informação sobre Puraquequara, espaço de nossa presença missionária. Achamos que poderia ser do interesse de todas saber mais sobre este chão missionário. Desejamos a todas e cada uma boa Semana-santa. Feliz e Santa Páscoa! Que a saúde se difunda sobre a terra e sobre nossa  Província.
Puraquequara, 01 de abril de 2012.
Ir. Edith e Ir. Joaninha