sexta-feira, 6 de abril de 2012

Domingo de Pascoa


Eu creio num mundo novo, pois Cristo ressucitou!
(At 10,34.37-43; Sl 117/118; Col 3,1-4; Jo 20,1-9)

Chegamos à Festa que preparamos com tanto empenho nas últimas seis semanas. Trazemos no corpo a memória agradecida da aliança realizada na última ceia e nas muitas e solidárias ceias penúltimas. Trazemos nos olhos o sinal luminoso das mãos perfuradas e dos braços abertos em forma de cruz, prontos a abraçar a humanidade inteira, sem nenhuma exclusão. Partilhamos com Madalena o vazio de uma ausência querida. Trazemos na mente e no ventre o trabalho das mulheres e homens, comunidades e movimentos que, no escuro da noite, prepararam tecidos e perfumes para não deixar a vida se deteriorar. E agora cantamos jubilosos, desafiando pessimistas e resignados/as: “Eu creio num mundo novo, pois Cristo ressuscitou. Eu vejo sua luz no povo, por isso alegre sou!”
“Nós somos testemunhas de tudo o que Jesus fez...”
Não podemos pensar e celebrar a Páscoa congelando-a no passado, como se fosse algo acontecido apenas com Jesus de Nazaré, há dois mil anos atrás. Mas precisamos superar também a tentação de reduzir a Páscoa a um acontecimento que toca apenas a alma ou a interioridade das pessoas, sem nenhuma relevância para o corpo e para a história. Enfim, é necessário também ultrapassar a idéia de que a Páscoa apenas confirma nossa crença na imortalidade da alma, nossa esperança da ressurreição dos mortos num futuro indeterminado.
A Páscoa celebra o reconhecimento de Jesus – o profeta perseguido e assassinado, o irmão e servidor da humanidade – como Filho de Deus; proclama que nele Deus vence todas as formas de morte – desde a morte física até a morte progressiva e massiva que resulta das estruturas iníquas e dos poderes despóticos; anuncia que Jesus, considerado uma pedra sem utilidade e problemática na manutenção do mundo, foi considerado por Deus como pedra fundamental da construção de um mundo novo.
É isso que escutamos no testemunho de Pedro. Ele recorda que Jesus andou por toda parte fazendo o bem e agindo sem medo, apesar da violência que havia levado João Batista à morte. Deus estava com ele, inclusive no vazio e escuro da cruz, quando parecia havê-lo abandonado. Deus o ressuscitou dos mortos e transformou em juiz aquele que fora réu de morte. E os discípulos da primeira hora, apesar da dificuldade de acreditar nele e de o terem abandonado, são constituídos testemunhas e pregadores dessa Boa Notícia.
“Se ressuscitastes com Cristo...”
A Páscoa de Jesus de Nazaré e dos cristãos celebra as milhares de possibilidades escondidas na vida de cada pessoa e na história da humanidade; afirma que a última palavra não será sempre discurso frio daqueles que impõem sua injusta ordem e mandam calar os profetas; proclama que a ação realmente eficaz e grávida de futuro é aquela que estabelece a absoluta superioridade do outro necessitado; evidencia que a direção certa e o sentido da vida está no esquecimento de si,  no fazer-se semente de uma outra vida, tão possível quanto urgente.
E isso não é uma realidade que se manifesta apenas depois da morte. Paulo nos surpreende afirmando que os cristãos já foram ressuscitados. Ele se refere ao dinamismo pascal do nosso batismo, que possibilita e requer a passagem de uma vida miúda e individualista para uma vida plena e solidária. “Procurem as coisas do alto”, exorta Paulo. E isso significa assumir um estilo de vida centrado no amor, no serviço e na partilha, e buscar uma segurança que tenha a justiça como mãe.
É verdade que o pecado não perdeu totalmente sua influência sobre nós. Continuamos sendo seduzidos por seu cheiro de beleza, seu ar de felicidade, sua aparência de inteligência, sua promessa de sucesso. Mas ele está mortalmente ferido e não tem vida longa em nós. “Vocês estão mortos e a vida de vocês está escondida em Cristo com Deus,” lembra-nos São Paulo.
“Quando ainda estava escuro, Maria Madalena foi ao túmulo..."
A ressurreição de Jesus não é algo que se impõe com força de evidência, e não vem acompanhada de manifestações potentes. Segundo João, Madalena foi à sepultura mas não levou perfume. Teria acreditado que a morte triunfara? Não conseguira ver mais que uma sepultura aberta? Por que interpretou a sepultura vazia como sinal de morte e não como sinal de vida? Madalena não estaria representando a comunidade que não conseguiu superar a experiência de Jesus morto?
Madalena correu alarmada e avisou Pedro e João. Também eles correram e, chegando, entraram na sepultura vazia e viram os panos e o sudário. Mais tarde, Madalena abrirá os olhos quando será chamada pelo nome. E os discípulos desanimados encontrarão Jesus com fisionomia de peregrino no caminho de Emaús. Outros apóstolos o reconhecerão numa manhã cinzenda, depois de uma noite de pesca frustrada.
O dia já havia amanhecido, mas na cabeça de Maria Madalena e dos apóstolos a experiência do fracasso pairava como escuridão. Só muito lentamente eles foram percebendo que os lençóis estendidos não estavam lá para cobrir um morto mas para acolher as núpcias de uma nova aliança. O sudário sim, depois de cobrir a cabeça de Jesus, agora estava à parte e envolvia totalmente o templo, lugar onde a morte era tramada e deliberada.
 “Ele viu e acreditou...”
O discípulo amado, como Madalena e Pedro, havia visto apenas o túmulo vazio e os panos mortuários abandonados. Mas “ele entrou, viu e acreditou”: compreendeu aquilo que Jesus havia dito e feito enquanto os ensinava;  que a semente que cai na terra não se perde, que a vida doada se faz aliança; que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.
A Páscoa de Jesus de Nazaré inaugura a nova criação. Não se trata de uma simples correção do passado, de perdão dos pecados, de vitória sobre a morte física e individual. Jesus de Nazaré, o ressucitado que traz no corpo as marcas dos pregos e da lança, que passou fazendo o bem, é o Homem Novo, o Irmão primogênito e solidário de todos os homens e mulheres. Os discípulos e discípulas se reúnem em torno de sua memória e organizam comunidades que continuam sua pró-existência e que não conhecem limites de sangue, de raça ou de qualquer outra ordem.
E todos os homens e mulheres acolhidos nestas comunidades estabelecem vínculos que formam um Novo Povo de Deus, a comunhão dos grupos e movimentos que lutam por vida abundante para todos. A própria matéria, fecundada pelo Espírito Santo, dilata seus átomos, células e tecidos numa infinita teia de relações e superações e se torna capaz de abrigar uma comunhão mais forte que a fragmentação, uma vida mais forte que a morte.
“Ela saiu correndo...”
A semente da fé na ressurreição germina e se desenvolve no terreno da missão. Mesmo que o conteúdo do anúncio não seja maduro e claro, a simples atitude de sair de si, de deixar os lugares tranquilos e conhecidos para ir ao encontro dos outros já opera o milagre de multiplicar a vida naqueles que vão e naqueles que recebem. O percurso feito por Maria Madalena, recordados na liturgia de hoje e da próxima terça-feira, ilustram muito bem isso.
É por isso que tomo a liberdade de recordar que, há exatamente 15 anos, no dia 9 de abril de 1997, nossos coirmãos Celso (do Brasil), José Luís (da Argentina) e Hector (do Chile) iniciavam a missão na extrema periferia de Santa Cruz de la Sierra (Bolívia). Graças a Deus, esta pequena semente frutificou, não tanto no número de missionários que hoje os substituem, mas no florescimento de comunidades eclesiais e de voluntários/as leigos/as que nelas se engajam.
Jesus de Nazaré, filho amado de Deus, irmão querido da humanidade! Aqui estamos reunidos para festejar contigo, para celebrar com pureza e verdade, com fé e simplicidade a festa dos pequenos: uma festa que não serve os bens roubados aos fracos e não ostenta a indiferença de quem não quer saber se a luta continua. É com alegria que descobrimos que o mistério da vida que em ti não se extingue se dissemina em tantas pessoas e grupos, inclusive naqueles que não te reconhecem explicitamente. Por isso, celebramos nossa páscoa na tua páscoa e, como Madalena, saímos apressados/as da igreja para testemunhar que a vida é mais forte que a morte e que o amor é imortal. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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