terça-feira, 3 de abril de 2012

Terça-feira da Semana Santa


João nos lembra hoje que nossas incoerências chegam a perturbar o próprio Jesus (cf. Jo 13,21-38). Acabada a cena e o lava-pés, gestos com os quais ele assina em letras vivas seu testamento, ele faz saber desolado: “Um de vós há de me trair...”
Como aqueles discípulos, fazemos de conta que não sabemos do que ele está falando e perguntamos pelo nome do traidor. Parece que ficamos tranquilos quando sabemos quem é, e, com isso, nos dispensamos de perguntar: “Por acaso, serei eu?”
A verdade é que a proposta de serviço humilde e transformador aos outros e doação incondicional de nós mesmos é difícil de ser assimilada. Preferimos transformar o lava-pés em teatro infantil e a eucaristia em rito litúrgico, coisa a ser repetida magicamente.
Repetimos de forma ingênua ou incoerente que estamos dispostos a dar nossa vida por Jesus, mas renegamos a lição do cenáculo, sacramento das múltiplas lições dadas nas periferias e estradas. Por isso, custa-nos permitir que ele nos lave os pés e não conseguimos realmente seguir os passos de Jesus.
Quando Isaías insiste que Deus nos formou no útero da nossa mãe e nos chamou desde o seio materno, quer sublinhar que a missão que nos é confiada tem caráter absoluto e não pode ocupar apenas uma parte ou uma fase da nossa vida, como alguns minutos diários de oração.
Quando o profeta diz que Deus nos deu uma língua afiada e fez de nós uma flecha pontiaguda, quer destacar a irrestível eficácia da missão que nos confia. E nos lembra que não somos simplesmente chamados a celebrar ou enviados a ensinar àqueles que já são membros do rebanho.
A mensagem de liberdade e de dignidade que Jesus Cristo nos ensina deve ser anunciada às terras de além-mar, às ilhas distantes, aos confins do mundo. Deus não se satisfaz com uma adoração nacionalista, com a libertação de um entre muitos povos, com a salvação de uma entre tantas religiões.
Em Jesus de Nazaré, Deus se oferece como luz para todas as nações, como caminho de vida para todos os povos, como penhor de dignidade a todos os que o buscam de coração sincero. E traímos sua confiança quando, como pessoas ou como Igrejas, restringimos a abrangência desse mandato.
Infelizmente, somos mais rápidos na traição desta missão que o galo no seu canto. Uma Igreja que se adapta à lógica do poder e à hipocrisia da diplomacia trai Jesus mais repetidamente que o canto do galo. Uma religião que se omite diante das dores da humanidade e de toda a criação não consegue acompanhar Jesus até o Gólgota e a ressurreição. Uma comunidade que subscreve o imperialismo religioso do cristianismo e promove discretamente a intolerância religiosa, não vive na eucaristia e não assimilou o lava-pés.
Senhor, livra-nos da tragédia de sentar à tua mesa, repetir os gestos da tua aliança, comer do pão e beber do vinho que nos ofereces em testamento e, ao mesmo tempo, lutar pelos primeiros lugares, coroar a tua cabeça com nossa sede de poder, tomar distância das dores e esperanças que empapam de sangue e de luz a vida dos povos. Assim seja!
(Is 49,1-6; Sl 70/71; Jo 13,21-38)

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