quarta-feira, 2 de maio de 2012

5° Domingo do Tempo Pascal


Jesus Cristo precisa de nós para libertar o mundo.
(At 9,26-31; Sl 21/22; 1Jo 3,18-24; Jo 15,1-8)

O intenso consumo de chocolates que sempre acompanha a festa da páscoa ficou para trás e deu lugar ao apelo comercial em torno do dia das mães. Querem nos convencer de que a nossa gratidão àquela que nos amou primeiro e nos ama sempre precisa ser convertida e expressa nos presentes. Sem gastar energias numa briga inglória com a proposta do mercado, voltemos nossa atenção à imagem da videira e dos ramos e procuremos encontrar nela inspiração para uma vida cristã consequente. Os santos apóstolos Filipe e Tiago, cuja festa celebramos no dia 3 de maio, nos dão uma dica do que significa permanecer unidos ao Senhor. E Paulo, enxertado tardiamente na verdadeira videira, nos mostra que a conversão pode ser tão exigente quanto frutuosa.
“Eu sou a verdadeira videira...”
É importante lembrar o contexto literário da bela metáfora da videira e dos ramos: ela dá continuidade ao ensino que Jesus desenvolve logo depois da última ceia e do lava-pés, ao profundo e exigente diálogo pedagógico no qual o mestre passa e repassa com intensidade e cordialidade aspectos centrais do seu ensino e do testamento que deixa aos seus discípulos e discípulas.
Jesus começa apresentando-se como a verdadeira videira. Portanto, ele não apenas toma a metáfora da videira e aplica a si mesmo, mas se contrapõe e toma o lugar de uma outra videira. Qual é a videira não-verdadeira, aquela que é ultrapassada por Jesus? É Israel na sua conotação de totalidade política, cultural e religiosa. O profeta Jeremias diz, dirigindo-se a Israel: “Eu havia plantado você como lavoura especial, com mudas legítimas. E como é que você se transformou em ramos degenerados de vinha sem qualidade?” (Jr 2,21; cf.  Is 5,1-7; Ez 19,10-12).
Segundo a tradição teológica do judaísmo, a pertença ao povo de Israel, frequentemente comparado com a vinha do Senhor, era condição para a salvação. Jesus afirma que essa mediação foi superada, e os vínculos étnicos e institucionais perderam sua relevância. Ele mesmo, em sua encarnação solidária e em sua doação eucarística, é a única e verdadeira mediação, o único e verdadeiro caminho para a vida plena, para a união com Deus.
“Eu sou a videira e vocês são os ramos.”
Um segundo aspecto que Jesus quer sublinhar é sua relação com os/as discípulos/as. Essa relação é ilustrada pelo vínculo entre a cepa da videira e os seus ramos. Trata-se de uma relação de recíproca dependência: a cepa só pode frutificar através dos ramos, e os ramos, por sua vez, só produzem frutos se permanecem ligados à cepa. “Fiquem unidos a mim e eu ficarei unido a vocês... Porque sem mim vocês não podem fazer nada.”
Ser discípulo/a de Jesus Cristo comporta uma grande responsabilidade. É através de nós que a ação solidária e libertadora de Jesus pode beneficiar os homens e mulheres de hoje. Da mesma maneira que a videira necessita dos ramos para produzir uva, Jesus Cristo necessita das nossas ações concretas para acolher e salvar. “A glória do meu Pai se manifesta quando vocês dão muitos frutos e se tornam meus discípulos”, diz Jesus Cristo.
Por outro lado, como os ramos nada podem sem a seiva que lhes vem gratuitamente da cepa, assim também pouco conseguimos fazer de bom e duradouro se não permanecermos profunda e radicalmente ligados a Jesus Cristo. E essa união não é no nível dos sentimentos ou dos pensamentos, mas da contemplação e da ação. Mais ainda: é a identificação com seu dinamismo de encarnação e com o dom total na ceia e na cruz. É na força dessa união que podemos ser sinais de ressurreição. Sem isso seremos como ramos estéreis.
“Ele os poda para que dêm mais fruto ainda...”
Um terceiro aspecto ressaltado pela alegoria da videira é que, para que produza frutos bons e abundantes, esse vínculo dos/as discípulos/as com Jesus Cristo, como a inserção do ramo na cepa, não é um dado estático, algo automático ou tranquilo. É um processo ativo que conhece exigências e requer decisões, um dinamismo de permanente limpeza e poda. Não podemos esquecer que a páscoa, antes de ser uma vitória olímpica sobre a morte, é o dom livre e exigente de si mesmo e a descida aos escuros corredores da morte. “Os ramos que dão fruto, o Pai os poda para que dêem mais frutos ainda.”
Na cultura da uva, a prática da poda tem como objetivo eliminar os fatores de debilitação e de morte e, ao mesmo tempo, direcionar as energias para os frutos. E há também o corte dolorido e violento para enxertar o ramo numa cepa comprovadamente boa. Para o discípulo/a, o seguimento dos passos de Jesus Cristo na ceia, no lava-pés e na cruz é um caminho de progressiva inserção numa comunidade de irmãos e irmãs e de conversão da centralidade do ‘eu’ para o ‘tu’ e para o ‘outro’.
Porém, não podemos perder de vista que o objetivo dessa espécie de poda são os frutos. E tais frutos não são o sucesso fácil, o bem-estar individual ou a prosperidade estreita. Num contexto de risco de vida, Jesus havia dito. “Se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas se morre, produz muito fruto” (Jo 12,24). É nessa grande oferta da própria vida, em serenas e generosas gotas diárias ou no dom maior do martírio que a videira frutifica e a ressurreição brilha inequívocamente.
“Permaneçam em mim...”
Embora já saibamos, é bom recordar que ficar unidos a Jesus Cristo ou ‘permanecer’ nele não significa simplesmente frequentar o culto ou a missa assiduamente. Quando Jesus diz com insistência ‘fiquem unidos a mim’ está nos pedindo que mantenhamos e aprofundemos nossa adesão ao caminho que ele propôs e percorreu: aceitar a vulnerabilidade para fazer-se próximo, não desperdiçar ou perder a vida mas entregá-la livremente para que todos vivam melhor.
Na catequese que desenvolveu após a multiplicação dos pães e dos peixes, Jesus já havia adiantado: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu permaneço nele” (Jo 6,56). Carne e sangue são aqui alusões implícitas à condição humana – com a fragilidade, o sofrimento e tudo o mais! – que Jesus assumiu resolutamente para nos abrir as portas da liberdade. E é disso que também nós precisamos nos alimentar. É na força desse dinamismo de permanecer no Senhor, força que nos une a todo humano ser e a todas as criaturas, que se multiplicam os pequenos sinais de ressureição.
“E o seu mandamento é este...”
Os primeiros cristãos fizeram com coragem a passagem de uma religião que pregava o simples e mecânico cumprimento da lei a uma religião centrada na prática do amor fraterno e da solidariedade com os últimos da escala social. Na segunda leitura de hoje, João insiste que é preciso amar verdadeiramente, isto é, aravés de ações concretas. Somente o amor ativo – antes de ser substantivo, o amor é verbo! – nos possibilita estar em Deus e traz Deus até nós. “Quem cumpre os mandamentos dele, está com Deus e Deus está com ele.”
Em outras palavras, a fé em Deus vem sempre unida ao amor aos filhos e filhas de Deus. E a medida do amor não é simplesmente ‘como a si mesmo’, mas ‘como ele nos amou’: começando pelos excluídos e necessitados, de forma incondicional, com prodigalidade e sem nenhuma forma de limite.“E o seu mandamento é este: que tenhamos fé no nome do seu Filho Jesus Cristo e nos amemos uns aos outros como ele nos amou.” Quem ama passou da morte para a vida e quem renuncia às exigências do amor renuncia a viver dignamente.
“Se minhas palavras permanecem em vocês, peçam o que quiserem...”
Jesus de Nazaré, videira verdadeira sem a qual somos apenas ramos estéreis: na tua escola somos sempre iniciantes; sem a seiva da tua palavra morremos de anemia; sem ti, os frutos que produzimos são poucos e amargos. Sabemos que nossa esterilidade é obstáculo à tua missão salvadora. Por isso, dá-nos teu Espírito e sustenta-nos no amor fraterno e solidário aos nossos irmãos e irmãs. Dá-nos teu Espírito e recria tua Igreja na comunhão de carismas e ministérios. Dá-nos tua santa Seiva e suscita apóstolos/as destemidos/as, como aqueles/as da primeira hora. Dá-nos teu Espírito, para que ele nos mantenha unidos/as contigo e, ao mesmo tempo, criativos/as e perseverantes na missão. É isso que te pedimos hoje, desejosos de que tua Palavra permaneça em nós. Amém! Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf

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