quinta-feira, 28 de junho de 2012

13° Domingo do Tempo Comum


O que Deus deseja é que em tudo haja igualdade.
(Sb 1,13-15; 2,23-24; Sl 29/30; 2Cor 8,7-9.13-15; Mc 5,21-43)

É triste constatar, mas vamos nos acostumando com os atos, atitudes e estruturas contrárias ao Evangelho de Jesus Cristo. A cultura funciona de modo semelhante ao nosso corpo: se começamos ingerindo pequenas doses de veneno letal e formos aumentando levemente a medida, as células, tecidos e aparelhos vão se habituando e acabam não reagindo mais. Assim também acontece com a corrupção, a injustiça e a mentira: às custas de doses diárias, ininterruptas e crescentes deste veneno, os cristãos assimilamos esse material venenoso e mortífero como natural e não conseguimos mais esboçar reações contrárias. Até as Igrejas, uma vez institucionalizadas, são tentadas a obedecer mais à diplomacia e às exigências do status social que ao Evangelho, e acabam priorizando as pessoas e setores que em tudo já foram premiadas com ações preferenciais.
“Deus não fez a morte e não se alegra com a perdição dos vivos.”
É velho o hábito de debitar a Deus a conta da morte, tanto das pessoas queridas quanto das massas anônimas e mais ou menos distantes. Resistimos quase instintivamente a assumir nossas responsabilidades e a investigar as causas dos males, mas precisamos encontrar uma lógica nos acontecimentos que escapam ao nosso controle. E como nos ensinaram que Deus se reveste de poder e de conhecimento absolutos, ele acaba sendo responsabilizado.
Os sábios hebreus já procuraram enfrentar a questão da causa e do sentido da morte, tanto da morte física e inevitável no fim dos anos como da morte imposta e da morte social (marginalização e exclusão). “Deus não fez a morte e não se alegra com a perdição dos vivos”, dis o livro da Sabedoria. Deus cria o mundo por amor e inscreve este dinamismo no segredo das coisas. Por isso, “não é o mundo dos mortos que reina sobre a terra”, e o Deus vivo é o horizonte maior no qual a vida e a morte adquirem sentido.
“Veio então um dos chefes das sinagogas, chamado Jairo...”
O mundo no qual Jesus se movimenta e atua não é a metafísica abstrata mas a sociedade concreta. O que está em questão no evangelho proclamado hoje não é a morte enquanto tal, mas a morte social, que denominamos marginalização. Jesus não se interessa prioritariamente por conceitos ou leis. Ele está implicado com a vida e a dignidade concretas das pessoas. Sua preocupação não é com coisas assim ditas espirituais mas com aquilo que melhora ou dificulta o bem viver do seu povo.
As ações e palavras de Jesus estão referidas e um contexto sociocultural bem específico. Lucas coloca à nossa frente duas categorias de pessoas. Na primeira categoria entra Jairo, que tem nome, é chefe de uma sinagoga e chefe de uma família. Entra também sua filha que, estando doente, pode contar com a assistência própria da sua classe social. Jairo trata Jesus como alguém do seu nível, fazendo-lhe a reverência devida às pessoas consideradas dignas. Mas parece que a polidez esconde a falta de fé.
Na segunda categoria está uma mulher sem nome, um ser anônimo e perdido no meio da multidão, encurvada sob o peso de uma hemorragia que a leva às mãos de exploradores duplicam sua condição de marginalizada: mulher, impura e pobre. Ela não tem nome, nem família, nem honra. Vive sob o manto da vergonha, esta sensibilidade pessoal diante do que os outros pensam de sua honra. Ninguém intercede em seu favor. E ela sabe que não pode se aproximar de Jesus como as pessoas honradas.
“Quem me tocou?”
Definitivamente, Jesus não respeita os costumes do código de honra que rege as relações sociais de Israel. Já sabemos que ele faz questão de subverter a ordem quando se trata de socorrer as pessoas em situação de vulnerabilidade. Neste caso, Jesus deixa em segundo plano o atendimento ao pedido de Jairo, uma pessoa com status e reconhecimento social, a se entretém com uma pessoa triplamente proscrita. E não quer nem saber se com isso coloca em risco a vida da filha de Jairo.
Diversamente de Jairo que, respeitosamente se inclina aos pés de Jesus e lhe solicita sua intervenção, a mulher anônima e sem classe, aproxima-se por trás e toca-lhe o manto, marcando-o com a impureza que lhe era atribuída. Este gesto desesperado de uma pessoa habituada ao sofrimento não passa incógnito a Jesus. Ele interrompe tudo para falar com esta pessoa sem nome e desclassificada. “Quem tocou na minha roupa?... Ele olhava ao redor para ver quem o havia tocado.”
“Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e fica livre da tua doença.”
Jesus não obedece as leis do código de honra e inverte as coisas. Maria já havia proclamado que Deus rebaixa os orgulhosos e eleva os humildes. E Jesus repetirá que, no código do coração de Deus, os últimos são os primeiros e os primeiros são os últimos. A mulher, vítima de uma sociedade patriarcal, de um sistema de pureza e de um sistema médico explorador, mesmo sem pedir nada, tem prioridade sobre o pedido de uma reconhecida autoridade.
Só depois de curada, e sabendo que era procurada, a mulher cai aos pés de Jesus, conta o drama que vivera e que chegava ao fim, expõe a vergonha que carregava por ser vista e tratada como impura. O medo e a vergonha desaparecem e dão lugar à alegria quando ela escuta da boca de Jesus: “Filha, tua fé te salvou. Vai em paz e fica livre da tua doença.” Ela é a verdadeira e amada filha de Deus. Seu gesto não foi demonstração de desespero mas de uma fé autêntica e fecunda, fé que deve ser imitada.
Com isso, Jesus inverte radicalmente o status da mulher empobrecida e duplamente marginalizada. Levantando-se do mais baixo degrau da escala da honra, ela interrompe uma missão em favor da filha de alguém que está no mais alto degrau desta escala. Proclamando-a “filha”, Jesus a coloca no centro e a integra no grupo das pessoas realmente honradas diante de Deus. Além de restaurar sua saúde,a ação e a palavra de Jesus lhe dão um status superior ao dos discípulos, pois eles não têm fé (cf. Mc 4,40).
“Não tenhas medo, somente crê.”
Depois desta cena, que não é um parênteses e sim um destaque, Jesus segue seu caminho em direção à casa de Jairo. Ele se mostra indiferente à notícia de que a menina morrera, e segue como se não tivesse perdido nada. Mais ainda: pede que Jairo siga o exemplo daquela mulher anônima e considerada socialmente inferior. “Não tenhas medo, somente crê.” Que inversão! A mulher impura não deve ser evitada mas imitada. Os pobres são nossos mestres!
O convite para que Pedro, Tiago e João o acompanhem sublinha a importância da ação. Chegando à casa, Jesus observa a agitação e as lamentações, conformes ao que o costume ditava para estes momentos, mas não vê demonstração de fé. Tanto que os presentes deixam de lamentar e passam a zombar de Jesus. Enquanto a mulher sofrera por 12 anos a exploração e a marginalização, a menina usufruíra 12 anos do privilégio de ser filha do chefe da Sinagoga. Mas estava à beira da morte.
À menina, Jesus ordena que se levante, o que acontece prontamente. O que estava à beira do colapso e necessitava ser regenerado era exatamente a ordem social representada por Jairo. Com esta ação Jesus mostra que se esta ordem social deseja ser salva e viver precisa abrir-se à fé e aderir ao dinamismo do Reino de Deus, que é uma nova ordem, um outro mundo, no qual todas as pessoas gozam do mesmo status, de igual dignidade. Somente isso liberta os marginalizados e poupa os ‘honrados’.
“O que se deseja é que haja igualdade.”
A exortação de Paulo está ligada a uma questão diferente: a partilha econômica solidária entre as comunidades cristãs. Mas o argumento ao qual ele recorre serve também para a questão que Jesus enfrenta no texto que acabamos de refletir. Tanto a partilha de bens com quem necessita como a prioridade aos últimos da escala social, são questões ligadas à sinceridade do amor e ao reconhecimento e restauração da igualdade fundamental de todas as pessoas humanas.
Jesus de Nazaré, profeta do Reino de Deus, amigo e próximo das pessoas menosprezadas e excluídas: tua delicadeza para com a mulher anônima e mestra na fé nos comove e nos interpela, e a cura da filha de Jairo nos convoca a salvar nossas instituições subordinando-as à lógica do reino de Deus. Como comunidade de discípulos e discípulas te pedimos: ajuda-nos a tirar a máscara de amor e de fé com que tua Igreja encobre a discriminação das mulheres e o distanciamento das pessoas e grupos marginalizados. Que nossa missão seja fazer com que os últimos sejam os primeiros. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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