segunda-feira, 11 de junho de 2012

Kalimantan: impressões, emoções e reflexões (6)

O que é bom dura pouco?
P. Stahlack (com Pe. Santiago) diante da sua obra
Pontualmente às 08:00 da manhã, partimos de Buntok em direção a Ampah. A chuva intensa que caiu durante a noite – muito comum nesta época em regiões equatoriais como essa – deixara como fruto um clima bastante agradável, se bem que com alta umidade. Dali em diante, nosso condutor e tradutor foi o Pe. Garinsingan, que o faz com discrição e tranquilidade, brindando-nos com bela companhia musical. Ele é um artista nato: estudou música em Roma durante 4 anos, executa vários instrumentos e já gravou quatro CD’s. Por causa de sua estatura diminuta, não pode realizar seu sonho de estudar piano...
A viagem de Buntok a Ampah não durou mais de 90 minutos, em meio a uma paisagem típica da linha do Equador. Ampah é uma cidade mais ou menos do mesmo porte que Buntok, e a paróquia conta com aproximadamente  4.000 católicos. Lá vivem três coirmãos: Pe. Hermann Stahlacke, 79 anos, de origem alemã; Pe. Antonius Garinsan, 41 anos, nosso já apresentado motorista e tradutor; Pe. Yosef Kristianto, 57 anos. Em Pantas, uma vila da circunvizinhança, reside Pe. Yohanes Antono, 34 anos, e em Temiang Layan, Pe. Josef Mohr, 75 anos. No momento, cada um reside num endereço diferente.
Pe. Stahlack vive numa casa muito simples, situada num velho e ainda ativo estabelecimento de formação para agricultores, inspirado na pedagogia de Paulo Freire. Atualmente, além de ajudar nos trabalhos cotidianos da paróquia, se dedica de corpo e alma à construção de um monumental Centro de Formação e Espiritualidade, composto de um conjunto de 15 construções, entre as quais: sala magna, stúdio musical (para o trabalho do Pe. Garinsingan), cozinha e refeitório, capela, dormitórios coletivos para jovens, e 6 casas com 5 quartos e sala de reunião em cada uma delas. A obra me pareceu bem arquitetada, com material de boa qualidade, num investimento previsto de 250 mil euros. A finalidade é desenvolver nossas pastorais prioritárias e servir às necessidades (não só católicas) da região. Minha pergunta é se há demanda para tamanha oferta.
Com a experiência e memória que lhe proporcionam mais de meio século de atuação na região – inclusive 9 anos como superior provincial – Pe. Stahlack nos deu algumas informações interessantes. Ele lembrou que o catolicismo cresceu bastante na região, mas um dos fatores foi a pressão do Governo Sukharno, de perfil ditatorial, que se segiu à independência (conquistada frente à Holanda em 1945, depois de 300 anos de colonialismo). Aceitando apenas quatro religiões como autênticas e com direito à própria organização (induísmo, budismo, islamismo e cristianismo), o presidente forçou os membros das religiões tribais tradicionais a entrar em uma delas. Claro que o povo se submeteu a isso, mas levou para dentro das religiões oficialmente professadas suas próprias crenças e cosmovisões...
O Pe. Stahlack contou-nos também algo interessante também em relação ao ecumenismo. Lembrou que nos anos 70 ocorreram iniciativas ecumênicas muito significativas. Tanto os padres camo os pastores eram missionários estrangeiros de língua alemã, e isso, somado ao clima de otimismo ecumênico pós-conciliar, abriu algumas possibilidades de comunhão e cooperação. Um dos frutos deste sadio ecumenismo foi a projeção e manutenção de escolas cristãs de qualidade, cuja mantenedora era uma associação das diversas igrejas cristãs.
Houve tempo em que não era uma raridade ver o padre e o pastor dividir as despesas e a vaigem do barco e, chegando à comunidade juntos, cada um atender seus fiéis. O tempo foi passando, o clima foi mudando, os pastores e padres estrangeiros foram substituídos pelos nativos, e esta e outras práticas promissoras foram abandonadas. Ganharam as Igrejas, perdeu o Reino de Deus e o Evangelho de Jesus Cristo. Será que o que é bom, autêntico e promissor deve mesmo durar pouco?
Um modo original de "sentar à mesa"...
Visitamos também a cidadezinha de Pantas, onde vive e trabalha o coirmão Pe. Yohanes Antono. Ele atende sozinho uma paróquia com muitas comunidades. Participamos, com ele e com a pequena comunidade da matriz, da via-sacra, seguida de missa. Depois, jantamos sentados no chão, como se faz em muitos lugares. Aliás, no interior as cozinheiras também preparam os alimentos sentadas no chão. Nosso jovem colega parecia meio assustado com nossa visita, e o jantar terminou à luz de velas, pois faltou luz, como é muitíssimo frequente em toda a região de Kalimantan.
No povoado de Temiang Layan, distante de Ampah aproximadamente 40 km, encontramos uma comunidade deveras interessante: um padre diocesano, de origem florinese; um Missionário da Sagrada Família, de origem alemã; um juniorista carmelita, de origem javanesa. Vivem e trabalham juntos, servindo uma paróquia com de 50 comunidades. Na verdade, o coirmão Pe. Josef Mohr vive apenas em parte com os dois outros colegas, pois a metade do tempo reside sozinho numa comunidade rural, há uns 25 km da sede. Ele nos levou até lá e vimos com os próprios olhos sua casa de madeira, de três peças, localizada nos fundos de uma pequena igreja onde se reúne uma das 15 CEB’s que ele atende com coração, animação e dedicação de pastor.
É comovente conhecer um missionário que, chegando aos 75 anos de vida, compartilha a vida com dois vizinhos mussulmanos e não pensa sequer em voltar à Alemanha para celebrar seu jubileu de ouro de ministério, no próximo ano. Nesta região rural os cristãos, mesmo sendo maioria (mais ou menos 70%), cultivam uma admirável relação de boa vizinhança e colaboração com os mussulmanos. Um exemplo ilustrativo: os jovens católicos normalmente ajudam os jovens mussulmanos na tarefa de limpeza de suas mesquitas! Infelizmente, as notícias religiosas que os MCS divulgam sobre a Indonésia passam ao largo de iniciativas de convivência e colaboração como essa e preferem apenas divulgar os conflitos provocados por grupos radicais...
Conversando na "casa" do Pe. Mohr
Aproveitamos a ocasião e passamos alguns minutos na casa natal do nosso coirmão Garinsingan. Ele é um dos bons frutos da dedicação dos nossos bravos missionários nessa região. Não quero deixar de partilhar um pequeno orgulho de brasileiro, do qual também falei aos meus companheiros de visitação: graças a Deus o Brasil não tem apenas ronaldinhos e robinhos para oferecer a este povo sofrido e sedento de vida; da nossa pátria amada e idolatrada veio também a seringa – pirateada, é verdade, e trazida da amazônia para este lado do mundo pelos colonizadores ingleses – que traz um pouco de bem-estar a essa gente, e o Paulo Freire, cuja pedagogia desperta a consciência e produz empoderamento daqueles que nada podiam.
Na manhã de domingo, 11 de março, antes de por o pé na estrada, celebramos com a comunidade católica de Ampah. Como em toda cidadezinha do interior, também lá povo ficou honrado com a ilustre visita de pessoas estranjeiras. E foi uma oportunidade para fazer graça, repetindo diante deles, na língua deles, algumas frases decoradas. (Nama saya Itacir, dari Brasil: meu nome é Itacir e sou do Brasil). A gente fala balbuciando e somando sílabas, como uma criança, e o povo acha graça...
No final da missa eu e Santiago parecíamos pop star’s: nunca pousamos para tantas fotos, nunca damos tantos autógrafos. Os livros de cantos e orações, portados com orgulho e cuidado por todos os fiéis, serviram para os autógrafos; os celulares, que também por aqui são uma verdadeira doença, serviram muito bem para as inesperadas fotos. Tomado o café da manhã, partimos, e, depois de exatamente sete horas de estrada, chegamos a Banjarbaru.

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