segunda-feira, 9 de julho de 2012

Kalimantan: impressões, emoções e reflexões (10)


Pouca estrada pra muito buraco
Partimos de Sangatta no meio da manhã de sexta-feira, 16 de março. Já lembrei que estávamos em plena região equatorial, mas a viagem entre Samarinda e Sangatta nos possibilitou concretamente passar sobre a linha do Equador. Na estrada, há um marco que nos ajudou a recordar isso. Chegamos a Samarinda às 16:00 e, às 18:00, participamos da via-sacra, seguida de missa. Nossa surpresa foi ver a igreja completamente lotada, em plena sexta-feira e nesse horário. É claro que não podemos esquecer que, como aqui a maioria é mussulmana e a sexta-feira é o dia sagrado deles, a tarde é livre. Isso acaba ajudando também os católicos, especialmente no caso da devoção da primeira sexta-feira do mês e da via-sacra quaresmal.
Precisa usar paralvras?
Tanto na viagem de Samarinda a Sangatta como de Samarinda a Lambing, atravessamos muitos seringais e plantações de babaçu. No caso da seringa, a Indonésia é um dos maiores produtores, à frente do Brasil. Aqui os seringais são cultivados, o que garante maior produção por área. Além disso, o escoamento da produção é mais fácil, o que barateia o custo. Assim, esta planta originária do Brasil (essa origem está registrada no próprio nome científico da seringueira, Hevea brasiliensis!), contrabandeada pelos ingleses que construíram a ferrovia Madeira-Mamoré (que ligava a Bolívia ao rio Madeira, possibilitando assim aos bolivianos uma saída para o mar e, ao mesmo tempo, agilizando o escoamento da borracha), acabou favorecendo a vida do povo de Kalimantan, que hoje é líder mundial e expert na produção de latex. E um detalhe importante é que a seringa pode ser produzida sem provocar destruição e desequilíbrio ao meio-amebiente.
Com o babaçu a situação é diferente. Há um movimento crescente de oposição à plantação do babaçu. Este movimento conta com o apoio da Igreja Católica e alguns dos nossos coirmãos. O plantio desta palmeira, cujos cocos são destinados à produção de cera e sabão no exterior, provoca grandes danos ao meio-ambiente, estimula a concentração de terras, provoca a expulsão da população tradicional, atrai trabalhadores de outras regiões e potencializa tensões sócio-culturais. Além disso, o tronco da palmeira, depois de cortado, pode levar até 50 anos para se decompor. Mas a luta contra esta cultura é dura, pois a oferta de uma boa soma de dinheiro pelas terras acaba seduzindo os habitantes tradicionais.
Complexo paroquial de Lambinng
Como anunciei acima, nossa viagem de Samarinda a Lambing durou quase 10 horas. Uma parte da estrada está em boas condições. Mas a maior parte, que é estrada nova, asfaltada há menos de 4 anos, é uma verdadeira aventura. Não posso dizer que esta estrada tem muitos buracos; o mais certo seria dizer que nesta burraqueira tem pouca estrada... Além de ser cheia de subidas e descidas íngremes e de ter uma curva encima da outra, a terra arrenosa e úmida própria dessa região deteriora o asfalto rapidamente e abre crateras por todo lado. O trânsito intenso e pesado se encarrega do resto. O que amenizou um pouco o desconforto foi a qualidade do nosso veículo: o Pe. Félix conseguiu emprestada uma Toyota Fortuner 2.5 praticamente zero quilômetro e colocou à nossa disposição um jovem e experiente motorista.
Lambing é uma pequena cidade interiorana, com uma população de aproximadamente 5.000 habitantes e uma comunidade católica de 400 membros. Estamos na região das primeiras missões MSF em Kalimantan. O complexo da paróquia São Pedro, no qual nos hospedamos, é antigo e bem ao estilo das missões tradicionais: todas as construções são de madeira, parte dela serrada a motosserra; tudo é construído sobre estacas, prevenção contra as inundações, e ligado por passarelas de madeira, que possibilitam a locomoção em tempos de enchentes; as peças são amplas, e para ir dos quartos aos banhieros é preciso percorrer mais de 50 metros... Não preciso dizer que tudo é muito simples e familiar, de modo que o povo tem acesso livre e fácil à casa paroquial. Quando chegamos, tinha gente curiosa por todo lado...
Acolhida conforme a cultura dayak.
Na manhã do dia 18 de março participamos da missa dominal da comunidade da matriz. Como já observei anteriormente, aqui os católicos se comportam como minoria ativa, de modo que a maioria absoluta participa das celebrações. Nesta região interiorana, o povo é muito simples e faz um gesto muito expressivo: a maioria tira o calçado ao entrar na igreja (assim como na maioria das casas). Aqueles que não o tiram na entrada o fazem para entrar na fila da comunhão.
Certamente essa prática sofre influência do islamismo, pois os fiéis entram na mesquita sempre descalços. Mas não deixa de ter um profundo sentido bíblico, pois recorda a experiência de Moisés: a terra marcada pelo sofrimento é santa, e, para encontrar e dialogar com Deus, é preciso tirar as sandálias (cf. Ex 3,1-6). A procissão das oferendas foi acompanhada de uma dança popular típica e, no final da missa, regalaram-nos um colar artesanal, sinal eloquente da acolhida hospitaleira de um visitante.
Tanto os coirmãos que vieram de fora como os naturais de Kalimantan insistem num ponto que os diferencia da província de Java: aqui o relacionamento entre os coirmãos é mais simples e vivo, muito espontâneo, quase como no Brasil (isso digo eu), enquanto que o pessoal de Java é mais retraído, introvertido, formal. De fato, isso estamos comprovando. E mais: aqui os leigos e leigas estão muito próximos e têm vez e voz. É o caso de João Bosco, que encontramos em Lambing tomando frente em muitas coisas, quase mais que o pároco. Como ex-seminarista redentorista e com formação filosófica e teológica, ajuda na catequese e na liturgia, além de colaborar com a formação de líderes em âmbito diocesano (fazendo todo fim-se-semana as 10 horas de viagem que enfrentamos e lamentamos entre Lambing e Samarinda!). Mas aqui também há um notável esforço para inculturar a fé e a liturgia na cultura dayak.
'Teconologia habitacional' contra as enchentes...
Devo confessar que deixei esta simpática cidadezinha com um certo aperto no coração. Apesar (ou por causa?) da barreira linguística, algumas crianças se aproximaram de nós e tentavam nos ensinar algo de indonesiano, incapazes de compreender que não falamos a língua delas. Isso acabou criando amizade, e era visível no rosto delas a desolação quando nos viram partir. Algumas pessoas mais ativas na comunidade também vieram para almoçar conosco e se despedir. Como sempre acontece nessas ocasiões, sobra comiga e generosidade. Alguns paroquianos, juntamente com o Pe. Mathildus nos acompanharam até Barong Tongkok, distante apenas 40 minutos, nossa próxima parada.

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