segunda-feira, 30 de julho de 2012

Kalimantan: impressões, emoções e reflexões (13)

O barco da nossa aventura de 16 horas

A hospitalidade é sempre uma bênção
Nossa viagem de barco de Baron Tongkok a Samarinda acabou demorando mais do que o previsto. Em vez de 12, gastamos mais de 15 horas! Com o passar das horas, aquele estrado com colchonete foi se tornando duro e incômodo. Eram mais de 100 pessoas no mesmo salão, o espaço era muito curto para os meus 1.70 mt e o ar condicionado insuficiente. Choveu intensamente durante parte da noite, e acho que isso contribuiu para o atraso. Resumindo, chegamos em Samarinda às 9:30 e, na casa paroquial, quando passavam das 10:00.
Estávamos sem janta e sem café da manhã. O estômago estava quase tocando a coluna, mas a estas horas não era conveniente comer alguma coisa mais sólida. O que eu mais desejava era um banho. Não aguentava mais aquela sensação de estar grudento, resultado de uma noite abafada e de dormir com a roupa cotidiana. Depois do banho, então bem desperto, tomei um copo de café e concluí as notas que compõem o capítulo anterior. Em meio a tantas atividades, escutas e deslocamentos, é preciso aproveitar cada minuto para que as impressões não desçam e se escondam no porão do inconsciente.
Almoçamos, como de costume, às 12:30 e partimos imediatamente para Balikpapan, gentilmente condizudos pelo Pe. Felix. Na partida, ainda tivemos a oportunidade de saudar os dois coirmãos que chegavam de Sangatta para ajudar os de Samarinda nas confissões quaresmais. É digno de registro que os coirmãos façam cinco horas de estrada para ajudar os outros no trabalho. Assim, no meio da tarde, chegamos de novo à casa das Irmãs Missionárias Adoradoras da Sagrada Família, onde havíamos deixado alguns pertences não necessários. Como já escrevi antes, é elogiável a hospitalidade destas Irmãs que compartilham conosco a inspiração da Sagrada Família. Igualmente significativa e bela é a relação e a proximidade entre nossos coirmãos MSF de Kalimantan e as irmãs MASF (o que ocorre também em Madagascar).
A moderna cidade de Balikpapan
Em Balikpapan, na casa das Irmãs MASF, tivemos finalmente um dia para respirar. Há 20 dias, praticamente desde a nossa chegada a Kalimantan, o tempo de descanso pode ser contado em horas: não mais que uma meia manhã em Palangka Raya e uma meia tarde em Ampah. Devo dizer que o que não me agrada não é propriamente a agenda cheia, mas a necessidade de chegar pela primeira vez num lugar e logo convidar o coirmão para uma conversa particular, sem antes ver, ouvir, sentir, observar as coisas. Uma visita canônica deveria ser antes de tudo uma visita, e isso significa um tempo razoável de permanência em cada localidade. Infelizmente não foi sido assim. E esse ritmo desumano acaba também cansando, até porque o diálogo mediado por um tradutor exige atenção redobrada e reduz a mútua compreensão. De qualquer maneira, tivemos nosso desejado descanso de um dia e meio.
A próxima etapa da visita foi Tanjung Selor, no nordeste da ilha de Kalimantan. Lá vivem e trabalham neste momento 10 coirmãos da Província indonesiana de Java. A região já havia contado com a presença dos Missionários da Sagrada Família em meados do século passado, que, aos poucos, foram descendo mais para o sul. Voltaram à região em 2002, quando Dom Yustinus Harjosusanto, MSF da Província de Java, foi nomeado bispo da diocese.
Fizemos o primeiro trecho da viagem de avião. Saímos de Balikpapan às 9:45 e, depois de 1 hora de vôo, chegamos à ilha de Tarankan. Neste trecho de vôo foi possível ter uma idéia ao menos parcial das imensas minas de carvão que se espalham pela região, atraem investidores e exploradores e abrem imensas feridas pretas no verde das matas. Quando o avião baixava para aterrizar, dava para ver os muitos rios serpenteando, muito parecido com o que se vê em Tefé e Carauari (a diferença fica por contas das quase infinitas plantações de arroz).
Porto de Tarankan, nordeste de Kalimantan
Em Tarankan nos esperava o Pe. Hartono, coirmão da Província de Java e nosso conhecido dos tempos em que ele estudava em Roma, que seria nosso guia e tradutor nesta etapa da visita. Tarankan é uma cidade insular e importante porto marítimo e fluvial da região. Como no dia seguinte seria uma importante data festiva dos hinduístas, o movimento no porto estava grande e só conseguimos bilhete para Tanjung Selor às 14:30. Assim, aproveitamos o tempo para almoçar tranquilamente e para visitar uma paróquia (administradas pelos Oblatos de Maria Imaculada, OMI).
O segundo trecho da viagem – de Tarancan a Tanjung Selor – fizemos de lancha (comumente conhecida como speed boat). É um meio bem mais rápido que os nossos conhecidos recreios do Amazonas... Como disse, o porto estava muito movimentado. O que se via era gente e mercadoria por todo lado, misturado ao forte cheiro característico das zonas litorâneas, especialmente quando a maré está baixa. Haviam-nos dito que nosso barco era para 40 passageiros e a viagem duraria 1 hora.
Na verdade, éramos 41 os passageiros adultos, mais umas 10 crianças. Imaginem toda essa gente num espaço aproximado de 1/3 dos nossos conhecidos ônibus, e sob um calor e uma umidade quese insuportáveis... E eu nem queria lembrar que toda a Indonésia é uma zona sísmica e os terremotos são frequentes. Quem não lembra do terremoto e do tsunami que se seguiu em Sumatra, uma das ilhas da Indonésia, em dezembro de 2004?
Como o barco era menor e menos potente que o previsto, a viagem também durou mais e passou de 90 minutos. Nestas zonas equatoriais, a vegetação é luxuriante e invade todos os espaços, misturando-se com os rios e igarapés. No porto de Tanjung Selor nos esperavam três outros coirmãos que ainda não conhecíamos. Eles e os demais padres da diocese estavam concluindo o retiro anual e aguardavam a celebração diocesana dos santos óleos (sim, duas semanas antes, para evitar longas viagens e aproveitar a presença dos padres).
Nova catedral de Tanjung Selor
Deu tempo para tomar um desejado e renovar banho e seguir para a catedral, um imenso e belo templo recentemente inaugurado. Este é mais um dos monumentais edifícios católicos erguidos com ajuda de dinheiro público. Dizem que o tamanho se justifica porque a cidade será uma capital regional... Mas este discurso não me convence. É a imagem de uma igreja que deseja ser potente, edifícios que não fecham com a pobreza do povo (por mais que as mesquitas sejam muito mais abundantes e imponentes). Aqui também o bispo construiu para sua moradia uma enorme casa, com uma capela e lugar para hospedar até 80 pessoas.  Lá funcionam também as diversas coordenações pastorais. Não é uma casa luxuosa como a do bispo de Samarinda, mas não deixa de chamar a atenção. É nesta casa que ficamos hospedados nos três dias de visita.
Na celebração da missa dos santos óleos, na qual também renovamos as promessas presbiterais, Pe. Natalino, um velho missionário italiano (dos Oblatos de Maria Imaculada), olhando para a catedral e para o povo presente, me dizia: “Há 30 anos atrás tive a graça de lançar as bases da comunidade católica nesta cidade. Éramos eu e treze famílias... Alguns destes patriarcas e matriarcas leigos ainda vivem e vejo alguns presentes nesta missa...” Que passos de gigante: em 30 anos, aquilo que era uma minúscula célua de catolicismo se torna sede de diocese! Quem poderia imaginar isso? De fato, aos missionários compete semear; o crescimento é o amadurecimento são coisas que tocam a Deus.

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