sexta-feira, 17 de agosto de 2012

20° Domingo do Tempo Comum


Em Jesus o mundo pode encontrar a vida que lhe falta.
(Pv 9,1-6; Sl 33/34; Ef 5,15-20; Jo 6,51-58)

Exatamente nestes dias as notícias dão conta do risco de que, por causa da estiagem que golpeia diversos países, a carência endêmica de alimentos se torne maior. Ao mesmo tempo, assistimos quase passivos ao progressivo e violento massacre do povo sírio, perpetrado por um ditador sanguinário, apoiado por algumas potências ocidentais e municiado por outras, inclusive o Brasil. A festa e o congraçamento vividos nas três semanas de olimpíadas não faz mais que maquiar superficialmente as feridas abertas no rosto de um mundo dolorosamente dividido e carente de vida. Quando a busca do lucro maior e mais rápido se torna a carta magna dos autoproclamados líderes mundias, o assalto aos bens comuns e a eliminação dos mais fracos são vistos como simples efeitos colaterais. Viver passa a ser um perigo, ou um privilégio, e a lei da simples sobrevivência se impõe como ditadura à maioria da humanidade.
“Deixai a ingenuidade e viverás.”
Não parece verdade que nosso mundo seja carente de vida. Se ligamos a televisão, temos a impressão de que sobram luzes, cores e felicidade. Se vamos ao shoping center, uma nuvem avassaladora de mercadorias nos é oferecida a preços aparentemente acessíveis. Se entramos nos templos, nos deparamos com pregações tranquilizantes e grupos seguros de suas próprias virtudes. Parece que vida pulula e faz festa por todos os lados.
Entretanto, estatísticas de 2010 nos dizem que, nos países do hemisfério sul, 500 mil mães nutrizes morrem todos os anos, a maioria por falta prolongada de alimento durante a gravidez. E que 30% das pessoas dos países da Africa abaixo do Saara vivem subalimentados. E o que dizer da Faixa de Gaza, uma verdadeira prisão a céu aberto, onde vivem 1,5 milhão de pessoas e o desemprego chega a 81%? E isso é apenas uma amostra dos horrores que existem.
“Existe alguém que deseja a vida?”
Todas as pessoas desejam viver, e todas têm direito natural à vida. O sistema néoliberal, que governa o mundo, os povos e seus governantes, não nega nem discute este desejo e direito. Ele simplesmente propõe (ou impõe) alguns meios que supostamente garantiriam uma vida feliz e abundante para todos. E usa estratégias muito eficientes, meios de comunicação social à frente, para veicular estes ‘caminhos de salvação’.
Eis alguns mandamentos deste ‘evangelho’ macabro: “Só o mercado livre de limites legais garante o justo e equilibrado acesso aos bens vitais. A privatização dos serviços públicos é o caminho para atender os direitos dos cidadãos. Só a modernização tecnológica pode assegurar a produção dos bens essenciais que o mundo necessita. Quando cada um cuida de si mesmo, o resultado é o bem de todos.”
“Quem come deste pão viverá eternamente.”
Jesus é em si mesmo uma proposta de vida. É sobre isso que ele reflete no chamado ‘discurso sobre o pão da vida’ (Jo 6,22-58). A reflexão está claramente situada no horizonte do libertação, e faz referência explícita ou indireta ao maná e ao cordeiro, elementos importantes da memória do êxodo. Jesus ousa relativizar claramente tanto o maná como a liberdade conquistada. O maná não salvou da morte, e a terra livre deu lugar a novas escravidões.
O caminho que leva à liberdade e à vida – simbolizadas no mito do êxodo e antecipadas na eucaristia – é o núcleo temático do ensino de Jesus nesta parícope. Nos 8 versículos proclamados hoje, há 9 referências à vida/viver e 6 referências a carne/sangue! Ele é o novo cordeiro, cujo sangue nos protege do extermínio e cuja carne nos alimenta na travessia para o bem viver. Ele é o precioso pão que mantém a vida suscitando a fidelidade à vontade de Deus.
O próprio Jesus de Nazaré é o caminho e a garantia da vida plena para todos. Esse tesouro ao qual todos aspiram não é garantido por leis (nem mesmo pelas ‘divinas’ leis do mercado), ritos e instituições, mas pelo dinamismo de um amor maduro que aproxima e identifica Deus com o Humano. O pão vivo e o lugar onde encontramos Deus é a carne humana de Jesus. As religiões sempre querem afastar Deus do mundo, mas o Deus de Jesus quer se aproximar dele.
“Quem consome a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e eu nele.”
Recorrendo às expressões ‘carne’ e ‘sangue’, Jesus está aludindo ao mistério da sua morte na cruz e querendo dizer que a vida abundante é gerada e acariciada por aqueles/as que fazem de si mesmos um dom sem limites. O amor recebido de Deus em Jesus Cristo frutifica e permanece no amor doado incondicionalmente ao próximo. O cristão não dá em vista de receber, mas porque recebeu tudo de forma abundante e gratuita.
Jesus usa os verbos comer e beber como metáforas que expressam a relação dos discípulos/as com sua pessoa. Comer/consumar sua carne e beber seu sangue significa aceitar sua humanidade, aderir ao seu caminho, assimilar seu dinamismo de solidariedade e gratuidade. Não se trata de um simples sentimento, de uma adesão puramente intelectual ou de uma mera intenção, mas de uma relação que compromete todas as nossas faculdades.
Noutras palavras, nos versículos que escutamos Jesus nos expõe qual é a condição para criar a sociedade desejada por Deus para o ser humano, a única capaz de lhe garantir vida plenamente humana e realizar o projeto de Deus para a criação. E tal condição é o amor de todos e de cada um por todos, sem nada regatear. E é em Jesus que recebemos esta possibilidade de amor e de uma vida liberta dos estreitos limites dos nossos próprios medos e interesses.
“E o pão que eu darei é a minha carne entregue pela vida do mundo.”
Jesus de Nazaré é o novo e autêntico maná, a nova e única lei, o novo e verdadeiro cordeiro. A eucaristia nossa de cada dia é celebração comunitária da sua vida, morte e ressurreição, símbolo que nos chama e nos insere nesse caminho de vida. A última ceia de Jesus não é um ato isolado ou desligado da sua vida precedente, nem um rito que substitui simbolicamente o êxodo a ser vivido na cruz. Antes, é o vínculo simbólico que os une radicalmente.
Não é possível participar da eucaristia como simples cumprimento de uma obrigação, recebendo a hóstia como um amuleto que nos une com Deus e nos livra do compromisso com as lutas por uma vida plena para todos. Tomar parte da eucaristia sem se comprometer com as necessidades dos que nos rodeiam é uma ofensa e uma traição àquele que fez desta ceia o memorial profético de uma vida doada inteiramente pela vida dos irmãos e irmãs.
“Sempre e por todas as coisas, rendeu graças a Deus que é Pai.”
Amado Jesus, pão que desce do céu para dar vida ao mundo, cordeiro de Deus que carrega nossos pecados, caminho que conduz a humanidade a uma vida bela e abundante da qual ninguém é excluído:  ajuda-nos a seguir o conselho de Paulo e viver como pessoas esclarecidas, e não como insensatos, como quem sabe discernir bem qual é a vontade do Senhor em cada momento histórico concreto. E faz com que assimilemos plenamente o amor que em ti se fez carne, vivendo-o como dom divino em nós e como gratuidade e serviço ao nosso próximo. E ensina-nos a aceitar as consequências da eucaristia, mistério de dom solidário e incondicional em favor daqueles que são vistos e tratados como últimos. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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