terça-feira, 14 de agosto de 2012

Assunção de Nossa Senhora


Bem-aventurados os homens e mulheres que acreditam!
(Ap 11,19.12,1-6; Sal 44/45; 1Cor 15,20-27; Lc 1,39-56)



A Assunção é uma festa litúrgica mariana que fez história e lançou profundas raízes na religiosidade popular. Mas aquilo que cremos sobre Maria se refere, de alguma forma, a todos os homens e mulheres, à comunidade eclesial, ao povo de Deus. A glorificação de Nossa Senhora, sua acolhida e realização plena em Deus, é uma vocação e uma promessa extensivas ao povo de deus, a toda a humanidade. Como Maria, todos nascemos para a glória e para o brilho. Nela a pessoa humana em sua integridade – em corpo e alma! – é assumida e realizada em Deus. Belíssima realização da nossa esperança e proclamação clara e inequívoca da dignidade do corpo. Uma inspiração muito diferente daquela que nos propõem algumas figuras falsamente liberadas da novela ‘Avenida Brasil’...
“Feliz aquela que acreditou!”
No Magnificat Maria aparece como uma pessoa humilhada, e não propriamente humilde. No seu evangelho, Lucas no-la a apresenta como uma mulher que sabia ouvir a Palavra viva de Deus e que estava pronta a dar o melhor de si para que essa Palavra se realizasse na história. Da boca de Isabel ficamos sabendo que Maria é alguém que ousou acreditar na força da Palavra e na fidelidade do deus misericordioso que a pronuncia.
Mas em Maria, humildade, a escuta e a fé estão intrinsecamente relacionadas e são as marcas fundamentais da sua personalidade. Se Deus pôde realizar grandes coisas nela e através dela é porque encontrou a base humana indispensável já preparada. Não fazemos bem quando idealizamos Maria a ponto de desumanizá-la completamente. Para fazer-se humano o Filho de Deus precisou de uma pessoa fundamentalmente humana, e não de criaturas angélicas!
Humildade, atitude de escuta e fé na ação misericordiosa e libertadora de Deus são também os elementos que possibilitam uma vida feliz. É importante lembrar que o segredo da felicidade que todos buscamos não está na posse ou no consumo desmedido de bens, nem na fama ou no sucesso que alcançamos ou no poder de atração que exercemos sobre os outros, mas na abertura humilde e profunda aos outros, ao futuro e a Deus. “Bem-aventurada aquela que acreditou...”
“Derrubou os poderosos dos seus tronos e exaltou os humildes.”
O Evangelho diz que, depois de receber o anúncio-convite de Deus através do anjo, Maria vai apressadamente à casa de Isabel. Busca um sinal que confirme a parceria de Deus com os humildes e sua aliança com os pobres. Ela havia dado sua palavra Àquele que é capaz de fazer grandes coisas em favor do seu povo, mas nem tudo estava claro. A discípula se faz serva, a serva se torna peregrina e a peregrina procura e encontra hospitalidade na casa de Isabel.
Na casa de Isabel, enquanto Zacarias permanece mudo e à margem de tudo, Isabel e Maria louvam a Deus e profetizam. A discípula, serva e peregrina se transforma em profetiza destemida. Contemplando sua própria história e a epopéia do seu povo, Maria percebe e proclama a intervenção libertadora de Deus: ele dispersa os soberbos, derruba os poderosos, exalta os humildes e oprimidos, socorre seu povo e estende sua misericórdia a todas as gerações.
É importante não esquecer que esta mulher assumida plenamente por Deus no céu não é apenas uma humilde trabalhadora do lar, uma discreta pessoa que acreditava, a doce e recatada esposa de José. Deus assume em corpo e alma e eleva à glória do céu aquela que rompe com os costumes que menosprezam a mulher e a mantém calada, aquela que diz uma palavra profética na arena pública, que proclama um juízo de Deus sobre a história.
“É bendito o fruto do teu ventre!”
No encontro entre Maria e Isabel o corpo festeja e é festejado. É bendito o corpo feminino de Maria, assim como bendito é o corpo que ela carrega no ventre. Bendito é o corpo de Isabel, capaz de perceber a incontida alegria daquele que preparará a estrada para a chegada do Messias, e bendito é o corpo dos mártires de todos os tempos. Bendito é também o corpo dos humilhados e dos famintos, destinados por Deus desde sempre ao brilho.
A festa da Assunção de Maria sublinha de forma contundente a dignidade do corpo, de todos os corpos. Mas é especialmente uma proclamação da dignidade dos corpos humilhados por uma cultura que os transforma em meios de produção, em objetos a serem vendidos e comprados, em produtos expostos nas vitrines e passarelas, sem brilho e sem beleza. Em Maria o corpo humano não necessita de retoques e maquiagens para ser apreciado e valorizado.
“Então apareceu no céu um grande sinal...”
Mas é importante lembrar que Maria, sendo discípula e membro da Igreja, é também sinal e símbolo do povo de Deus. Sua assunção por Deus é um sinal e uma parábola da ressurreição que todos esperamos. O livro do Apocalipse sublinha este aspecto de sinal ou símbolo. Como aquela mulher radiante, a humanidade está em trabalho de parto e, mesmo ameaçada por todos os lados, vai dando à luz um Homem Novo e construindo um Mundo Novo.
Não esqueçamos um outro aspecto também relevante: Maria simboliza uma Igreja com traços femininos. A Igreja é chamada a construir-se como corpo que acolhe, aquece, alimenta, ensina, respeita e favorece o crescimento e o amadurecimento dos filhos e filhas. Uma Igreja institucionalmente rígida, fechada, autoritária, legalista e doutrinária não tem nenhuma relação com a figura feminina de Maria. E é uma Igreja fechada e pesada, infiel e opressora, triste e infeliz.
 “Logo que a tua saudação ressou nos meus ouvidos, o menino pulou de alegria no meu ventre.”
A festa da Assunção de Nossa Senhora recorda e proclama que a Igreja, esse povo de Deus sem fronteiras definidas, formado por todos os homens e mulheres de boa vontade, é assumido por Deus como seu corpo e como meio de ação na história. A Igreja precisa se compreender como povo de Deus em marcha e superar todas tentações e posturas exclusivistas. Como pode a Igreja ser uma realidade materna com um corpo magisterial e doutrinal exclusivamente masculino?
É claro que não há oposição irreconciliável entre o Espírito e as estruturas. Deus assume as estruturas e leis limitadas da história para pôr em movimento sua obra libertadora. Mas cabe à Igreja avaliar constantemente seus instrumentos e suas estruturas teológicas e administrativas, subordinando-os à ação e aos interesses de Deus enunciados por Jesus Cristo, e não aos seus próprios interesses e medos. Fora disso não há salvação para a Igreja.
Inspirada em Maria, a Igreja precisa criar espaços e condições favoráveis ao desenvolvimento de homens e mulheres maduros e adultos, livres e despojados, solidários e comprometidos com a salvação do mundo. Um corpo que se impõe pelo medo está condenado à esterilidade e nunca terá a graça de sentir os filhos e filhas saltarem de alegria no seu ventre. É um corpo enrijecido pelo poder, um corpo que não conhece fecundidade e a felicidade.
“A mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar...”
Terminamos a semana que afirma e celebra a importância da família entre as diferentes vocações cristãs. E iniciamos a semana que nos convida a refletir sobre o lugar e o significado da vida consagrada na Igreja e na sociedade. Como a de Maria, esta vocação não é externa e nem superior à Igreja: ela nasce no seu coração e está a serviço da sua missão. Como carisma e parte específica do corpo eclesial, está a seu serviço e, com a Igreja, a serviço da libertação da humanidade.
Ave Maria, cheia de graça! O senhor está contigo! És bendita entre todas as mulheres e é bendito o fruto do teu ventre!  Maria santa, mãe de Deus e dos filhos e filhas de Deus, intercede por nós no hoje complexo e belo que vivemos. Ajuda tua Igreja a ser uma comunidade de iguais. Ensina os homens e mulheres que se consagram ao teu Filho a anunciar com a vida e com a palavra que nada pode ser colocado acima do amor a ele e aos pobres nos quais ele vive. E conduz eles aos desertos (onde o nada parece tudo), às periferias (onde a impotência se impõe) e às fronteiras (onde a criatividade não pode conhecer limites). Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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