segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Kalimantan: impressões, emoções e reflexões (16)


Comunidade MSF de Manila

Uma comunidade com vocação intelectual

À medida em que passava o tempo e se aproximava o término da visita, crescia um duplo sentimento: o primeiro era obviamente de cansaço, por uma visita sem pausas, com deslocamerntos quase diários e sem conhecimento da língua; o segundo, de alegria, pela sensação de missão (quase) cumprida e pela proximidade do retorno à casa. É assim que me sentia enquanto colocava ordem as anotações desta inesquecível visita e me preparava para a última etapa da missão: visitar a comunidade MSF em Manila, nas Filipinas.

O velho hábito de economizar com a compra de passagens nos levou a cometer mais uma imprudência: viajar durante a noite. Assim, partimos da nossa casa em Jakarta às 20:00 do dia 27 de março, prevendo a possibilidade de engarrafamento (que em se tratando de Jakarta é sempre bem mais que simples possibilidade). Mas desta vez a surpresa foi positiva: em menos de 45 minutos chegamos ao grande e belo aeroporto internacional de Jakarta. Como nosso vôo partiria somente às 00:55 da madrugada, nossa espera se prolongou por 4 horas!

O vôo partiu na hora marcada e transcorreu sem maiores dificuldades. Depois da refeição, servida às 02:00 da madrugada, dormi um bom sono (apesar do proverbial desconforto dos assentos de avião). Chegamos a Manila às 05:55 (4 horas de vôo e 1 hora de fuso horário). Enfrentamos longas e demoradas filas para regularizar a imigração, mas depois de mais ou menos 1 hora vislumbramos aliviados o rosto alegre do Pe. Iwan, coirmão da Província de Kalimantan, que nos esperava. Tomamos um taxi e gastamos praticamente 1 hora para chegar à única casa que a Congregação mantém nas Filipinas, situada à Doña Maria Street, 34.

Casa MSF em Quetzon City, Manila
Como denota o nome da rua acima citada, as Filipinas conservam as marcas de uma dupla presença colonialista: dos espanhóis (1521-1872) e dos norteamericanos (1896-1935). O inusitado é que, depois de um breve período de autonomia, que terminou com uma rebelião interna, as Filipinas caíram de novo sob o domínio da Espanha que, por sua vez, as vendeu aos Estados Unidos por 20 milhões de dólares! Em 1935, este país insular passou a ser considerado estado livre associado aos EUA e, em 1946, depois de sofrer invasões durante a II Guerra Mundial, finalmente conseguiu sua autonomia.

Composto de 7.100 ilhas e com uma população de mais de 94 milhões de habitantes, Filipinas é o 12° maior país do mundo em termos de número de habitantes. Digno de nota é o número de filipinos que vivem fora do país: mais de 11 milhões! São a maior colônia de imigrantes em Roma. Mais de 90% da população filipina é cristã, e 80% é de católicos. Junto com Timor Leste, Filipinas são os únicos países do oriente com maioria cristã. Apenas 10% da sua população é mussulmana, e se concentra nas ilhas do sul do arquipélago, próximas de Kalimantan.

Capital das Filipinas, Manila tem uma população de 1.700.000 de habitantes. Quezon City, cidade na qual estamos localizados e que faz parte da área metropolitana de Manila, tem 2.700.000 habitantes. Aqui, estamos dentro do bairro chamado Don José Heights, um quarteirão fechado, exclusivo da classe economicamente alta e com ingresso controlado (uma espécie de Alphaville!). Não posso calar uma pergunta: é aceitável que um MSF se instale em endereços como esse? Em 2004 compramos aqui uma casa com a finalidade de acolher coirmãos para estudos de especialização, provindos especialmente das províncinas da Java, Kalimantan e Madagascar, desfrutando dos bons centros teológicos que a capital católica do oriente oferece. No ano 2011, a Província de Kalimantan decidiu iniciar aqui também uma presença apostólica.

O 'turista religioso' no tipico moto-taxi filipino...
Atualmente, vivem nesta comunidade 5 coirmãos (mais 1, que está voltando para Kalimantan). O mais antigo é o simpático Pe. Lukas Huvang Sekyawan Ajat, 45 anos de idade, natural da Kalimantan, meu conhecido desde o Capítulo Geral de 2001. Com mestrado em teologia social, veio a Manila para estudar Pastoral e Aconselhamento Familiar, curso que já concluiu. Como domina perfeitamente o inglês e também 
o tagalo, língua original e predominante nas Filipinas, o bispo o nomeou vigário da Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, administrada por um padre jesuíta. Muito provavelmente será o pároco da paróquia que está sendo negociada entre o bispo e a Província de Kalimantan.

Faz parte da comunidade – que nasceu internacional e interprovincial, mas hoje é exclusivamente de Kalimantan – o Pe. Franziskus Iwan Yamrewaw, 33 anos, nascido em Kalimantan de mãe que foi mussulmana até à universidade. Sua competência intelectual lhe possibilitou concluir com êxito o curso de especialização em formação, além do domínio perfeito da língua inglesa e tagalo. Em Manila recebeu pelo menos três tentadoras ofertas de trablho, mas está voltando a Kalimantan, onde se dedicará à nobre missão de contribuir na formação dos futuros missionários.

O terceiro coirmão que vive em Quezon City – nome que homenageia o presidente filipino que fundou esta cidade – é o Pe. Fabianus Teddy Kananites Aer, 44 anos, que há um ano concluiu seu segundo período como superior provincial de Kalimantan. Filho de mãe induísta e pai protestante, este jovem e idealista missionário nascido na ilha Sulawesi, no passado foi candidato à missão em Madagascar e chegou a iniciar os estudos de língua francesa em Lyon, veio a Manila para aprofundar seus estudos sobre a Pastoral da Juventude.

O também tipico 'micro-onibus' de Manila
O Pe. Augustinus Siswosumato, 56 anos, é o quarto membro desta comunidade. Javanês de origem mussulmana, hoje membro da Província de Kalimantan, recebeu o batismo no período em que frequentava o ensino médio numa escola católica. Seus pais aderiram ao cristianismo somente três anos antes da sua ordenação. Sua vocação está ligada a um limite físico: como criança, tinha dificuldades de falar e não conseguia pronunciar o “erre”. Frequentando a escola e ouvindo falar das curas que Jesus fazia, imaginou que poderia ser um dos beneficiados. Curado, sentiu que deveria retribuir a graça dedicando-se à evangelização. Está em Manila aproveitando seu Ano Sabático para estudar Aconselhamento Pastoral.

O último membro da comunidade é o Pe. Jacobus Lingai Imang. Nascido na região de Tering, sobre a qual já relatei algo anteriormente, este coirmão de 55 anos é filho de pais que se tornaram católicos durante a escola média. Trabalhou durante 5 anos na missão que a Província de Java mantinha em Papua-Nova Guiné. Mesmo enfrentando um tumor na garganta, veio a Manila para estudar Sociologia Pastoral, e está pronto a permanecer aqui e assumir, junto com o Pe. Lukas, a paróquia que a diocese de Novaliches possivelmente confiará à Província de Kalimantan nos próximos meses.

Alguns dos coirmãos, habituados a serem minoria na Indonésia, observam e comentam que aqui o povo é catolicíssimo e tem uma grandíssima reverência pela figura do padre. Todos, das crianças aos vovôs saúdam respeitosamente e beijam a mão dos padres assim que os identificam. Mas, ao mesmo tempo, esta religiosidade marcadamente piedosa, emocional e festiva vem misturada com um consumismo desenfreado, bem ao estilo norteamericano, e com um preocupante laxismo ético e moral, um pouco ao nosso estilo latinoamericano (!?). E disso não escapam os religiosos e o clero em geral...

Um 'ponto de taxi' com muitas ofertas...
Pessoalmente, lamento que esta comunidade, criada com identidade interprovincial e vocacionada ao aprofundamento intelectual e missionário tenha mudado seu caráter. Com o fim do interesse da Província de Java e as dificuldades enfrentadas por Madagascar (distância geográfica e língua), os membros são hoje todos da Província de Kalimantan. Penso que o Governo Geral deve ser guardião da sua vocação original e estimular os Superiores provinciais a desfrutar desta oportunidade de formação linguística e teológico-pastoral para seus coirmãos. Ao mesmo tempo, abre-se a possibilidade de ampliar nossa presença missionária no continente asiático para além da Indonésia: Filipinas, Tailândia e assim por diante.

Nossa visita durou menos de dois dias... Partimos de novo a Jakarta no dia 29. Gastamos mais de 1 hora e meia de taxi, entre a nossa casa e o aeroporto. Partimos de Manila às 21:00 e chegamos a Jakarta às 23:45. Tivemos que fazer um novo visto para entrar na Indonésia, retiramos as bagagens, fomos acolhidos por um coirmão de Java e chegamos à Comunidade MSF Sunter quando eram quase 2 horas da madrugada. Ainda bem que a visita terminava, e teríamos dois dias de descanso, antes de voltar a Roma. Tempo precioso para colocar em ordem estas já longas crônicas da visita à ilha dos “grandes rios” (na língua nativa, kalimantan).

Itacir Brassiani msf

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