sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Mês vocacional


Origem e objetivo do mês vocacional

Em 1981, durante a 19ª Assembleia Geral da CNBB, os bispos do Brasil decidiram estabelecer o mês de agosto como mês vocacional. Esta decisão fazia parte de uma série de iniciativas que visam dar à Igreja Católica no Brasil novo vigor vocacional. Junto com o mês vocacional os bispos aprovaram a realização do primeiro ano vocacional (1983) e a publicação do Guia Pedagógico de Pastoral Vocacional, um livrinho que, apesar dos anos, continua atual.
Todo esse incremento da animação vocacional fora motivado pela Conferência de Puebla (1979) e pela realização do 2º Congresso Internacional das Vocações, que aconteceu em Roma em 1981. O Brasil, atendendo ao apelo do grande papa João XXIII, tinha começado a planejar a sua ação pastoral ainda durante o período da realização do Concílio Vaticano II. Dentre as prioridades estava a preocupação com as vocações. A experiência brasileira neste campo não tinha sido tão positiva. A chegada do Catolicismo ao nosso país fora marcada pelo clima de cristandade, no espírito da Contrarreforma. Por causa da lei do padroado a Coroa portuguesa, durante o período colonial, determinava como deveriam ser as coisas para a Igreja Católica, inclusive no campo das vocações. A Igreja, por sua vez, no espírito do Concílio de Trento, reduziu a questão vocacional à “Obra das Vocações Sacerdotais” (OVS). Tratava-se simplesmente de uma campanha junto ao povo para rezar pelas vocações dos seminaristas e para ajudar financeiramente os seminários.
Com a chegada do Vaticano II houve uma virada copernicana. A Igreja, especialmente na Constituição Dogmática Lumen Gentium, se percebeu como ekklesía, isto é, como assembleia daqueles e daquelas que foram convocados e reunidos pela Trindade. A partir desta perspectiva, a Igreja Católica no Brasil decidiu mobilizar todas as forças eclesiais despertando nas pessoas a consciência e a convicção de que são vocacionadas à comunhão com a Trindade. Tendo presente a afirmação conciliar de que há uma vocação universal à santidade, para a qual são convocados os filhos e as filhas de Deus, a Igreja em nosso país passou a pensar não somente na vocação do padre, mas também nas demais vocações específicas. Quis contribuir para que as dioceses, paróquias e pequenas comunidades fossem um espaço eclesial concreto onde as pessoas pudessem se perceber como vocacionadas e encontrassem formas de responder a esse chamado. Assistimos, então, a um florescer de comunidades eclesiais de base e de pequenos grupos nos quais as pessoas tinham a oportunidade de se confrontar com a Palavra de Deus e de assumir sua missão na Igreja e na sociedade.
O retorno à vocação universal e a redescoberta de que todas as pessoas são vocacionadas, colocaram em crise muitos padres, muitos frades e muitas freiras. Eles e elas tinham assumido essa forma específica de vocação com a certeza de que tais vocações eram superiores às demais e que valia qualquer sacrifício para permanecer no ministério ordenado e nos conventos. O ensinamento do Vaticano II revelou a fragilidade de tal concepção e muitas pessoas abandonaram o ministério e a vida religiosa por perceberem que para cultivar a santidade não era mais necessário ser padre, frade ou freira. Essa crise, porém, foi importante para solidificar a vocação batismal. Na Europa não se conseguiu perceber que o batismo está na raiz de todas as vocações. Por isso a crise foi mais violenta por lá, afetando não só os que já eram padres, frades e freiras, mas também a entrada de novas vocações. Tal crise perdura até hoje, obrigando a Igreja europeia a “importar vocações” da África e da Ásia.
No Brasil, graças à ação da CNBB, a crise não foi tão violenta. Investindo na formação dos leigos e das leigas, na formação de comunidades de base, a Igreja em nosso país se preparava para enfrentá-la. Por isso, a partir do final da década de 1970, se assiste a um florescer progressivo de vocações para a vida religiosa e o ministério ordenado. E se hoje a Igreja no Brasil se sente mais tranquila neste campo deve-se à sua ação audaciosa de enfrentamento da crise. Ação essa que consistiu essencialmente na valorização da vocação batismal dos leigos e das leigas e na formação de pequenas comunidades eclesiais de base, de onde vieram e continuam vindo as atuais vocações para o ministério ordenado e a vida consagrada.
Infelizmente muitos, inclusive bispos, se esquecem disso e ainda continuam acreditando que o milagre da multiplicação de vocações se deve ao atual oba-oba de alguns movimentos. Esquecem que toda casa se constrói sobre um bom alicerce, o qual costuma sempre ficar escondido, mas sem o qual a casa pode cair um dia. O alicerce do atual crescimento de vocações para os ministérios ordenados e a vida consagrada no Brasil foi, sem dúvida alguma, o dinamismo eclesial da nossa Igreja nas décadas de 1960 a 1980. Se este alicerce continuar sendo desmantelado em breve se assistirá a outra crise violenta de vocações, lembrando que, biblicamente falando, a crise não está na quantidade de pessoas chamadas, mas na pouca qualidade da resposta dos escolhidos (Mt 22,14). Alguns sinais parecem apontar nesta direção, como indicam as pesquisas recentemente publicadas por William César Castilho Pereira no seu livro Sofrimento psíquico dos presbíteros (Vozes, 2012).
Portanto, o surgimento do Mês Vocacional no Brasil deve ser visto neste contexto. Ele nasce antes de tudo para fomentar a vocação eclesial da comunidade. Pouco antes, em 1979, Puebla tinha lembrado que a vocação humana possui três dimensões: a humana, a cristã e a específica. Somos chamados antes de tudo a sermos humanos com os demais humanos da terra. Na vivência da vocação humana somos vocacionados por Deus Pai a seguir Jesus Cristo num caminho específico, que descobrimos progressivamente na medida em que vamos vivendo a nossa vocação humana e batismal.
Mais de trinta anos depois corremos o risco de esquecermos estas coisas e de transformarmos o mês vocacional em mais uma dessas atividades que realizamos na Igreja sem saber com que finalidade. Corremos o risco de direcionar o mês vocacional para os problemas dos seminários.  Esse momento pode ficar reduzido a mais um simples peditório de dinheiro e de coisas para sustentar seminários, onde seminaristas levam vida de burgueses, não sendo mais capazes de contribuir para o próprio sustento. Desta forma o mês vocacional não estaria mais sendo uma oportunidade de animar a vocação do Povo de Deus, mas apenas uma ocasião de fomentar a famosa Obra das Vocações Sacerdotais. Estaríamos assim retornando a uma eclesiologia anterior ao Concílio Vaticano II.
A celebração do Mês Vocacional só tem sentido na perspectiva em que foi criado. Deve ser um momento para intensificar a permanente catequese vocacional nas comunidades cristãs. Tal catequese visa conscientizar toda a comunidade de que ela forma a ekklesía, ou seja, a assembleia daqueles e daquelas que foram convocados e reunidos pela Trindade para ser povo eleito e para proclamar as maravilhas de Deus (1Pd 2,9). Somente numa comunidade conscientizada de sua identidade vocacional podem surgir autênticas vocações específicas para os diversos serviços, carismas, dons e ministérios. Sem essa catequese e sem essa conscientização teremos apenas recrutamento de rapazes para os seminários. Sem verdadeira catequese vocacional e sem a conscientização dela resultante, das quais o Mês Vocacional é a expressão mais significativa, podemos ter até filas para entrada nos seminários. Mas de pessoas que querem apenas usufruir das vantagens e benesses prometidas pela carreira eclesiástica. E como amava repetir um dos meus professores na Universidade Gregoriana, os piores inimigos da Igreja não são os “heréticos”, mas os carreiristas.
 José Lisboa Moreira de Oliveira

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