O Papa João Paulo II ensina que a
promoção dos Direitos Humanos é um dos novos âmbitos da missio ad gentes (cf. Redemptoris Missio, 37). A ONU incluiu o
direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É nessa
perspectiva que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da
fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que
simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique
de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à
alimentação, de 2000 a 2008. O livro foi publicado em outubro de 2011, pela
editora Seuil (Paris).
A fome torna a paz social impossível.
Foi o brasileiro e nordestino Josué de Castro quem
desmascarou a ideologia malthusiana e a má consciência da elite ocidental. Ele
demosntrou de modo irrefutável que a fome
não é causada pelo aumento da população mas pelo desigual acesso aos bens,
especialmente pela posse da terra. Seu pensamento pode ser resumido numa frase:
“Quem tem dinheiro come, quem não tem morre de fome ou se torna inválido.”
É sábio o provérbio popular: “A mesa do pobre é magra,
mas o leito da miséria é fecundo”. Os pobres multiplicam o número de filhos
movidos pela angústia em relação ao futuro, na esperança de que estes garantam
a sobrevivência dos pais. Josué de Castro constatava indignado: “A metade dos
brasileiros não dorme porque tem fome; a outra metade também não dorme porque
tem medo dos que têm fome.” Ele sabia que poucos fenômenos influem sobre o
comportamento político dos povos como a questão da alimentação e a trágica
necessidade de comer.
O fim da longa noite do nazismo possibilitou o florescimento
e amadurecimento de uma convicção que, mais tarde, viria a se impor sobre os
povos e seus dirigentes: a fome não é uma
fatalidade, e a sua erradicação é uma responsabilidade irrenunciável do ser humano.
O inimigo pode ser vencido e, para tanto, basta colocar em ação um conjunto de
medidas concretas e coletivas que tornem efetivo e exigível o direito à alimentação.
No dia 10 de dezembro de 1948, 64 Estados membros da
ONU aprovaram a Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Esta Declaração assegura, no seu artigo 25, o direito à alimentação. “Todo ser humano
tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde
e bem-estar, inclusive alimentação...”
A exigibilidade deste direito foi assegurada por dois pactos, assinados pela
ONU em 1966.
“A consciência da identidade (e da igualdade ética) de
todos os seres humanos é o fundamento do direito
à alimentação. Nenhuma pessoa em sã consciência pode tolerar a destruição
de seu semlehante pela fome sem que isso coloque em perigo sua própria
humanidade, sua identidade” (p. 110).
“A fome torna impossível a construção de uma sociedade
pacificada. Num estado no qual uma parte importante da população vive assombrada
pela angústia sobre o amanhã, só a repressão pode assegurar a tranquilidade
social. A instituição do latifúndio encarna a violência. A fome socialmente
provocada é um estado de guerra permanente e capilar” (p. 118-119).
Tendo participado da fundação da FAO (organismo da ONU
para a alimentação e a agricultura) e tendo sido membro do se Conselho Consultivo Permanente de 1952 a
1955, Josué de Castro tinha clara consciência da influência determinante dos
trustes agroalimentares sobre muitos governos nacionais. Ele estava persuadido
de que a maioria dos governantes, cobertos de medalhas, prêmios e
condecorações, jamais fariam algo de decisivo contra a fome. (p. 109-124).
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