sábado, 29 de setembro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (6)


O Papa João Paulo II ensina que a promoção dos Direitos Humanos é um dos novos âmbitos da missio ad gentes (cf. Redemptoris Missio, 37). A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É nessa perspectiva que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008. O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

A fome torna a paz social impossível.

Foi o brasileiro e nordestino Josué de Castro quem desmascarou a ideologia malthusiana e a má consciência da elite ocidental. Ele demosntrou de modo irrefutável que a fome não é causada pelo aumento da população mas pelo desigual acesso aos bens, especialmente pela posse da terra. Seu pensamento pode ser resumido numa frase: “Quem tem dinheiro come, quem não tem morre de fome ou se torna inválido.”

É sábio o provérbio popular: “A mesa do pobre é magra, mas o leito da miséria é fecundo”. Os pobres multiplicam o número de filhos movidos pela angústia em relação ao futuro, na esperança de que estes garantam a sobrevivência dos pais. Josué de Castro constatava indignado: “A metade dos brasileiros não dorme porque tem fome; a outra metade também não dorme porque tem medo dos que têm fome.” Ele sabia que poucos fenômenos influem sobre o comportamento político dos povos como a questão da alimentação e a trágica necessidade de comer.

O fim da longa noite do nazismo possibilitou o florescimento e amadurecimento de uma convicção que, mais tarde, viria a se impor sobre os povos e seus dirigentes: a fome não é uma fatalidade, e a sua erradicação é uma responsabilidade irrenunciável do ser humano. O inimigo pode ser vencido e, para tanto, basta colocar em ação um conjunto de medidas concretas e coletivas que tornem efetivo e exigível o direito à alimentação.

No dia 10 de dezembro de 1948, 64 Estados membros da ONU aprovaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esta Declaração assegura, no seu artigo 25, o direito à alimentação. “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação...” A exigibilidade deste direito foi assegurada por dois pactos, assinados pela ONU em 1966.

“A consciência da identidade (e da igualdade ética) de todos os seres humanos é o fundamento do direito à alimentação. Nenhuma pessoa em sã consciência pode tolerar a destruição de seu semlehante pela fome sem que isso coloque em perigo sua própria humanidade, sua identidade” (p. 110).

“A fome torna impossível a construção de uma sociedade pacificada. Num estado no qual uma parte importante da população vive assombrada pela angústia sobre o amanhã, só a repressão pode assegurar a tranquilidade social. A instituição do latifúndio encarna a violência. A fome socialmente provocada é um estado de guerra permanente e capilar” (p. 118-119).

Tendo participado da fundação da FAO (organismo da ONU para a alimentação e a agricultura) e tendo sido membro do se Conselho Consultivo Permanente de 1952 a 1955, Josué de Castro tinha clara consciência da influência determinante dos trustes agroalimentares sobre muitos governos nacionais. Ele estava persuadido de que a maioria dos governantes, cobertos de medalhas, prêmios e condecorações, jamais fariam algo de decisivo contra a fome. (p. 109-124).

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