quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (14)


A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

As políticas hediondas patrocinadas pelo FMI.

“Há duas décadas, as privatizaçõers e a liberalização do movimento de mercadorias, serviços, capitais e patentes cresceram de modo impressionante. De um golpe, os Estados pobres do Sul se viram profundamente destituídos de suas prerrogativas em termos de soberania. As fronteiras comerciais desapareceram, os setores públicos – inclusive hospitais e escolas – foram provatizados. E por todo o mundo, as vítimas da subalimentação e da fome aumentam.

Um estudo sério e respeitado da Oxfam (Oxford Commitee for Famine Relief) demonstra que em todos os lugares onde o FMI aplicou, no curso dos anos 1990 a 2000, seus ‘planos de ajustamento estrutural’, novos milhões de de seres humanos foram precipitados no abismo da fome.

A razão é simples: o FMI é o organismo encarregado pela dívida externa de 122 países do terceiro mundo. Esta dívida atingiu, em 31 de dezembro de 2010, a cifra de 2,1 trilhões de dólares. Para pagar os juros e parcelas dessa dívida junto aos bancos credores ou ao FMI, os países tinham necessidade de divisas. Os grandes bancos financiadores se recusavam a receber o pagamento em moeda haitiana, boliviana, etc.

Como um país do Sul da Ásia, dos Andes ou da África negra pode assegurar os valores dos quais necessita? Exportanto bens manufaturados ou matérias-primas, cujo pagamento será em moeda estrangeira.

Periodicamente, o FMI concede aos países endividados uma moratória temporária ou um refinanciamento das dívidas. Mas a condição é que os países devedores se submetam ‘planos de ajustamento estrutural’. Todos estes planos impõem ao orçamento dos países devedores, a redução das despesas com saúde e educação, e a supressão dos subsídios aos alimentos básicos e de ajuda às famílias necessitadas.

Os serviços públicos são as primeiras vítimas dos ‘planos de ajustamento estrutural’. Milhares de funcionários públicos – emfermeiras, educadores e outros – foram assim demitidos nos países sujeitos aos planos de ajustamento do FMI. (...)
A segunda tarefa do FMI é abrir os mercados dos países do Sul às empresas multinacionais privadas que atuam no ramo da alimentação. É por isso que, no hemisfério Sul, o livre mercado se apresenta com o rosto hediondo da fome e da morte” (p. 179-181). Veremos isso no próximo fragmento, considerando o caso do Haiti.

Finados

A morte é como o parto: nela somos dados à Luz.
(Is 25,6-9; Sl 24/25; Rm 8,14-23; Mt 25,31-46)

Dia dos finados, dia de saudade, de reflexão e de esperança. O que é mesmo que nossos entes queridos ‘finalizaram’: o sofrimento? as projetos? a dor? a fé? a vida? Este dia é um convite a refletir sobre aquilo que dá sentido verdadeiro e duradouro à nossa vida, a decidir responsavelmente sobre o modo de conduzir os dias que nos restam, a expressar sem pudor a saudade que nos deixaram aqueles/as que partiram. No interior dos templos e centros comunitários ou no descampado dos cemitérios, repletos de túmulos brancos ou cultivados como se fossem jardins, renovemos nossa convição de que, no tempo presente e conosco, a criação inteira está gemendo, mas como em dores de parto.
 “Alivia as angústias do meu coração...”
Não dá para negar ou escamotear: a morte sempre é uma perda. A fé e a religião não podem ter a pretensão de oferecer soluções fáceis ou orações que funcionam como calmantes para o real fracasso que a morte representa. Ninguém pode impunemente ignorar esse desfecho inexorável e devastante que chega primeiro às pessoas que muito estimamos e depois, queiramos ou não, esperemos ou não, se abate sobre nós mesmos/as.
A morte é uma perda irreparável. No momento em que a pessoa, no alto da sua maturidade, acumulou experiências, selecionou ensinamentos e provou a sabedoria, os/as amigos/as e familiares, assim como toda a sociedade, não podem mais contar com ela. E o que dizer quando um/a jovem, com toda a vida pela frente,  materialização dos nossos sonhos e utopias, nos é roubado/a brutalmente? É como a água que foge da palma da mão e corre inexoravelmente entre os dedos...
É verdade que nem todas as perdas importantes nos vêm através da morte. Há aqueles/as que perderam todas as razões para viver, mesmo que seus anos se prolongam. E também aqueles/as que resolutamente nos dão as costas, enveredam por caminhos solitários e cinzentos, se subtraem aos nossos olhos e ao nosso afeto. Ou fecham as mãos e o coração a toda e qualquer necessidade de quem dele necessita para viver com um pouco de dignidade e alegria.
“O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces.”
vazio deixado pelas pessoas queridas que se foram é tão grande e o certeza de que seguiremos o mesmo rumo desconhecido é tão desconcertante que procuramos desesperadamente um sentido para essa realidade que chamamos morte. E o fazemos através de gestos e símbolos: as flores, as velas, a oração de súplica e de agradecimento, as fotografias, a narração da vida de quem se foi, a visita ao cemitério. São gestos e símbolos que expressam a saudade, a reflexão e a esperança.
As flores lembram a beleza inigualável das pessoas que tivemos a graça de amar e que nos amaram gratuitamente. Não fazem propriamente memória de pessoas perfeitas e puras, firmes e inabaláveis, mas de seres que em sua insuperável ambiguidade nos ajudaram a viver melhor. Pessoas que sendo diferentes das outras no imenso jardim da vida, nos marcaram por sua originalidade. Que saudade daqueles/as que, como Jesus, nos amaram apesar e até por causa dos nossos limites...
As velas também têm um quê de saudade. Mesmo quando seu brilho é diminuído pela penetrante luz do sol e seu discreto calor é abafado pelo mormaço de um verão que apenas se anuncia, as velas que acendemos, junto às sepulturas ou alhures, pretendem loucamente recuperar o suave brilho daqueles olhos e rostosque o passar do tempo quase apagou. Como nos parecem luminosos os dias pretéritos, quando compartilhávamos a vida com aquelas pessoas queridas...
“Sabemos que que toda a criação, até o presente, está gemendo como em dores de parto.”
A saudade é capaz de provocar gestos inesperados, entre os quais dois me chamam muito a atenção: homens sempre acostumados à sisudez transitam pelas ruas carregando ramalhetes de flores; pessoas pouco afeitas a manifestações públicas de fé não se envergonham de acender velas ou de permanecer longos momentos em profundo e agradecido recolhimento, numa oração verdadeira e sem palavras, voltada talvez a um Deus cujo nome não conhecem ou cujo rosto perdeu seus contornos.
Acontece que o dia dos finados não celebra apenas a saudade. A saudade cede espaço à esperança, mesmo que esta apareça de forma tímida e quase inexpressiva. E essa esperança diz, antes de tudo, que “uma dor assim pungente não há de ser assim inutilmente”, que a chama da vela não se apaga para sempre, que depois das flores vêm os frutos e as sementes... Enfim, que a sepultura das pessoas que amamos, apesar da ambiguidade da nossa linguagem, não é a última morada delas.
Assim, as flores tão frágeis quanto belas e simples que carregamos pelas ruas e depositamos junto às sepulturas falam da nossa esperança de que a vida daqueles/as que nos deixaram é semente que não pode deixar de germinar. Falam também da esperança de que nossa própria vida poderá desabrochar numa beleza que hoje não conseguimos perceber. Falam, enfim, da esperança de que um dia conseguiremos olhar menos para os defeitos e mais para a bondade que vai no coração das pessoas.
“Senhor, quando foi que...?”
Sendo uma jornada marcada pela saudade e pela esperança, o dia dos Finados é também um oásis de reflexão no árido deserto da inconsciência e do ativismo. Apesar de tudo, sentimos necessidade e decidimos parar um pouco, avaliar nossas escolhas, fazer um balanço dos resultados obtidos, reordenar os valores que nos orientam, discernir o valor absoluto escondido em cada instante, desfrutar o gosto de paraíso de tantas experiências. E o Evangelho de hoje oferece os critérios para essa avaliação.
As flores, belas e frágeis, falam da beleza e da vulnerabilidade da nossa existência: hoje estamos fortes evigorosos, mas amanhã podemos murchar, secar e desaparecer. Mas o que importa mesmo é que hoje vivamos com a inteireza, a beleza e o abandono das flores.  As velas nos dizem que o amor é eterno porque é chama: ilumina e aquece, mas o faz consumindo-nos pouco a pouco, e, sendo chama, não dura eternamente. Importa menos a extensão dos anos que a intensidade e a profundidade dos vínculos.
Vivamos como se não houvesse amanhã, ou de modo que o amanhã seja pleno de vida. A cida não se resume a um negócio: investimos algo com a intenção de ter um bom retorno. Tenhamos presente que não há bendição ou felicidade maior que multiplicar ações e iniciativas que brotam da compaixão e potencializam a vida de quem vive ao nosso redor. É isso que demonstra a verdade e a frutuosidade da nossa fé. Quem crê em Deus recebe luz e força para dedicar-se sem limites aos irmãos e irmãs.
“Vinde, benditos/as de meu Pai!”
Nossa fé em Jesus Cristo abre horizontes mais amplos e desconcertantes que a saudade, a reflexão e a esperança. Jesus Cristo nos ensina a crer e esperar a ressurreição doando nossaa vida e defendendo a vida dos outros. Doando-nos sua vida no amor, ele venceu definitivamente a morte e o medo paralisador que nasce dela. E desde então, cremos que a vida tem sempre a última palavra. E isso significa que quem rege nossa vida e nossas decisões não é o medo, nem seu irmão gêmeo, o egoísmo.
E então a vida deixa de ser algo como um investimento arriscado. Recebemos na medida em que doamos, e no próprio ato de dar. A intenção e a consciência vêm em segundo lugar. “Senhor, quando foi que...?” Quem descobriu a seriedade e a beleza dos vínculos que o unem à humanidade, vive o amanhã no hoje, encontra a si mesmo nos outros, experimenta a potência da vida no dom radical de si. Tais pessoas são semente e luz, quer vivam se desvivendo aqui, quer ajudem-nos desde outra dimensão. Elas têm a graça de ouvir, com surpresa e incomparável alegria: “Vinde, benditas de meu Pai, porque...”
“Ele vai destruir a mortalha estendida sobre as nações.”
Deus pai e mãe, força e ventre da vida, origem e destino do nosso caminhar. Tua luz brilha na fragilidade da vela que se consome; teu amor é permanente na simplicidade e na beleza das flores; tua vitória sobre o absurdo se revela em cada manifestação de amor, de compaixão solidária e de esperança. A morte dos nossos queridos/as arranca nossa pele e nos deixa em carne viva, mas nós cremos que é exatamente nos vínculos que nos unem para além de qualquer interesse egoísta que nós veremos teu rosto e sentiremos o toque benfazejo tua mão. Ensina-nos a viver multiplicando gestos e iniciativas que ajudem os outros a viver. E ajuda-nos a te encontrar nestas encruzilhadas nebulosas às quais a vida nos leva, e a agradecer pelos amigos/as e familiares que já partiram. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Missionarios d Sagrada Familia em Moçambique


Nossa caminhada missionária em Moçambique


Dos dias 9 a 22 de outubro visitei, em nome da Coordenação Provincial, nossa missão em Moçambique, na província de Nampula, mais precisamente no núcleo sede do distrito de Mecubúri, onde atuam nossos confrades Pe. Elmar, Pe. Neiri, Pe. Pedro Léo e Ir. Edilson).

Algumas informações

Mecubúri tem uma população estimada em 25.000 habitantes, a grande maioria residente no meio rural. A ocupação econômica prioritária desta população é a agricultura de subsistência e o comércio (estilo camelô). Pessoas empregadas são funcionários públicos (administração e ensino). Alguns encontram serviços ocasionais. Os jovens que concluem a escola elementar e secundária não encontram possibilidade de emprego. Raros são aqueles que podem seguir seus estudos. É comum encontrar jovens que concluíram o ensino médio mas são semi-analfabetos. 

No dia 12 se outubro fui convidado e participei das comemorações alusivas ao Dia do Professor, em Muiti. Constatei pessoalmente carências de todos os tipos no sistema educacional, desde a parte física da escola até a qualificação dos professores. O diretor do estabelecimento observou que era isso o que tinham para oferecer aos estudantes. Outro aspecto importante a destacar, que é muito comum, é a ausência dos estudantes em sala de aula, especialmente por causa da malária.

As famílias são numerosas, a maioria com mais de 10 filhos. A carência e a pobreza são enormes. Basta verificar o IDH (índice de desenvolvimento humano)do país: Moçambique ocupa um dos últimos lugares no ranking dos países membros da ONU. Além das carências econômicas, é notória a baixa auto-estima da população.

A cultura local do povo macúa, fortemente marcada pelo machismo, está arraigada em hábitos que sobrecarregam as mulheres: cuidado direto dos filhos, cozinhar (pilar alimento, buscar água), serviço de machamba (roça, exceto  a derrubada de mato, já bem raro, feito pelo homem, que também participa da colheita).

No primeiro ano de vida, as crianças permanecem sempre junto das mães, na capulana (peça de pano que fica junto ao corpo da mãe, onde a criança é carregada), mesmo no serviço da machamba. Depois de desmamadas, quando as mães engravidam novamente, passam para um segundo plano.

Nos últimos anos, os jovens foram beneficiados por alguns progressos, embora limitados. Nos ltimos 20 anos, houve um aumento da escolaridade, e as disparidades de gênero diminuíram. Os jovens são cerca de 36,9% da população ativa da África, muitos deles desempregados, consequências ligadas à reforma do ensino e a uma generalização de oportunidades.

A principal causa de morte dos jovens africanos é o HIV, responsável por mais de 53%, dos óbitos (além de 1,7% causados por outras doenças sexualmente transmissíveis), seguida da tuberculose, com 4,5%, e da malária com 1,5%. O relatório “Perspectivas Econômicas da África 2012”, afirma que o grande desafios para os governos africanos é a geração de emprego para jovens, uma vez que são mais 40 milhões de desempregados nesta faixa etária.

O trabalho missionário realizado pelos confrades nessa realidade é louvável. Depois de quase cinco anos de presença e trabalho na região de Mecubúri já são visíveis muitos avanços, fruto do empenho dos missionários que estão lá e daqueles que já atuaram lá, das entidades e pessoas parceiras e das lideranças das comunidades eclesiais.
Destaco especialmente três aspectos: o trabalho pastoral, a escola familiar rural e a formação de lideranças.

Trabalho pastoral
São 236 comunidades eclesiais, divididas em 35 zonas, às quais se somam vários grupos de oração. As distâncias são grandes e as estradas muito precárias. Nossos confrades se dedicam à celebração dos sacramentos, à formação de lideranças eclesiais e aos diversos setores e administração paroquial.
No tempo das chuvas, o atendimento prossegue apenas nas comunidades mais acessíveis. O Pe. Neiri é o pároco, e conta com a colaboração dos colegas Elmar e Pedro Léo como vigários paroquiais. Normalmente, eles atendem as comunidades de forma coletiva e alternada, mesmo tendo uma subdivisão de áreas entre eles.

Escola Familiar Rural
A estrutura física da escola está praticamente concluída, faltando apenas alguns detalhes. Neste ano de 2012, a escola acolheu a primeira turma de alunos. Os alunos, que são em torno de 30, recebem aulas teóricas e práticas sobre agricultura familiar, que vai desde a preparação da roça até a colheita do produto, além do manejo e cuidado de animais.
É importante destacar que a escola está sob a responsabilidade do Ir. Edilson, que é seu diretor. Nossos missionários investiram muito tempo e suor na construção do complexo físico e burocrático da escola, sempre com a colaboração de muitos ajudantes e funcionários. No ano de 2013, a escola acolherá duas turmas de alunos, que ficam 15 dias na escola e 15 dias nas próprias famílias. Haverá alternância entre as duas turmas: enquanto uma fica “em casa” a outra vive na escola.

Formação de lideranças
Este é um trabalho continuo, que aos poucos vem ganhando mais força. Já existem grupos de estudos bíblicos, formação para animadores de zona, SAV (Serviço de animação vocacional), Pastoral da juventude, formação litúrgica e de grupos de canto, entre outros. Para 2013 está previsto um trabalho de formação sistemática com crianças, especialmente com meninas.
De modo geral, os confrades que estão presentes e atuantes em nosso nome na missão em Mecubúri estão muito bem, animados com a caminhada e muito empenhados no trabalho missionário.  Buscam superar as dificuldades e limites, colocando seus dons a serviço do Povo de Deus.
Pe. Maicon Rodrigo Rossetto msf
(Texto editado por Itacir Brassiani)

Teses de Lutero sobre as indulgencias


Algumas Teses de Lutero sobre as indulgências

http://www.luz.eti.br/graphics/goldbal.gif35ª Tese
Não pregam doutrina Cristã os que ensinam que àqueles que desejam alcançar a redenção da alma, não é necessário o arrependimento.
http://www.luz.eti.br/graphics/goldbal.gif36ª Tese
Qualquer Cristão verdadeiramente arrependido tem direito à plena remissão das penas e da culpa que lhe cabem, mesmo sem as cartas de perdão.
http://www.luz.eti.br/graphics/goldbal.gif38ª Tese
Entretanto, a remissão e a participação do Papa de modo nenhum devem ser desprezadas, pois é uma declaração de remissão divina.
http://www.luz.eti.br/graphics/goldbal.gif39ª Tese
É muito difícil mesmo para os teólogos mais capazes, sublinhar, ao mesmo tempo, a abundância das indulgências e a necessidade de verdadeiro arrependimento.
http://www.luz.eti.br/graphics/goldbal.gif40ª Tese
O verdadeiro arrependimento busca e ama as penas, mas a abundância de indulgências relaxa as penas e faz o povo odiá-las, ou pelo menos, dá ocasião a isto.
http://www.luz.eti.br/graphics/goldbal.gif41ª Tese
Deve-se pregar com cuidado sobre as indulgências apostólicas, para que o povo, equivocadamente, não as entenda como sendo preferíveis às outras boas obras do amor.
http://www.luz.eti.br/graphics/goldbal.gif42ª Tese
Os Cristãos devem saber que o Papa não tem a intenção de que a compra de indulgências seja comparada, de qualquer forma que seja, com as obras de misericórdia.
http://www.luz.eti.br/graphics/goldbal.gif43ª Tese
Os Cristãos devem saber que aquele que dá ao pobre ou empresta ao necessitado faz uma melhor obra do que faria comprando indulgências.
http://www.luz.eti.br/graphics/goldbal.gif45ª Tese
Deve-se ensinar aos Cristãos, que aquele que, vendo alguém em necessidade e o negligência, gasta seu dinheiro em indulgências, não adquire indulgências do Papa, mas a ira de Deus.
http://www.luz.eti.br/graphics/goldbal.gif50ª Tese
Deve-se ensinar aos Cristãos que se o Papa soubesse das extorsões dos pregadores de indulgências, ele preferiria que a Basílica de São Pedro fosse reduzida a cinzas, a ser ela edificada com a pele, a carne e os ossos das suas ovelhas.
http://www.luz.eti.br/graphics/goldbal.gif55ª Tese
O pensamento do Papa, necessariamente, é que se as indulgências, que são coisas de importância menor, são celebradas com um badalar de sino, com uma procissão e com uma celebração de cerimônia, o Evangelho que é o mais importante, seja pregado com uma centena de badaladas de sinos, e com uma centena de procissões e com uma centena de celebrações de cerimônia.
http://www.luz.eti.br/graphics/goldbal.gif71ª Tese
Aquele que falar contra a verdade das indulgências apostólicas, seja anátema e amaldiçoado.
http://www.luz.eti.br/graphics/goldbal.gif72ª Tese
Mas, bem-aventurado seja aquele que se guarda contra a concupiscência e a licenciosidade dos pregadores de indulgências.

Martinho Lutero


Martinho Lutero e a Reforma Protestante


Martinho Lutero nasceu em 1483 em Eisleben, Saxônia, e foi educado na escola da catedral de Magdeburgo e na universidade de Erfurt. Tornou-se religioso Agostiniano, foi ordenado presbítero em 1507, e lecionou na Universidade de Wittenberg.

Tendo sido eleito Superior Provinail da sua Ordem, Lutero recebeu a missão de coordenar uma dúzia de comunidades agostianianas. No cumprimento dessa tarefa, foi sentindo-se cada vez mais insatisfeito com os desvios do Evangelho que se espalhavam por todo lado na Igreja do seu tempo. Em desacordo especialmente com o comércio de indulgências, ele elaborou gradativamente e ensinou uma doutrina que, segundo ele, era central à fé cristã: a justificação do crente mediante a fé e não através das obras. Encontrando apoio à sua tese nas cartas de São Paulo e no pensamento de Agostinho, em 1517, Lutero contestou publicamente alguns desvios muito difusos na prática cristã do seu tempo, fixando um elenco de 95 teses à porta da igreja de Wittenberg.

Seguindo os passos de outros reformadores que, nos séculos precedentes, haviam lutado para salvar o coração do Evangelho, pagando inclusive com a morte sua obstinação, Lutero efetivamente dava início à Reforma Protestante. Certamente ele não imaginava que, naquele 31 de outubro de 1517, estava dando à luz a uma comunidade eclesial separada da Igreja de Roma. Mas o curso da história se encarregou de fazer com que, num curto espaço de tempo, se instaurasse uma ruptura insuperável entre católicos e protestantes, que se definiu progressivamente em diversos pressupostos fundamentais da fé. Somente no século XX essa ruptura começou a ser revista.

A reforma se difundiu rapidamente em grande parte da Europa. Martinho Lutero morreu em  1546, depois de ter influenciado profundamente a Igreja, tanto a protestante como a católica. Num momento crucial da história, ele salvaguardou o primado da Fé e da Palavra, presente nas Sagradas Escrituras, frente a todas as demais doutrinas e ensinamentos, que são unicamente frutos da busca religiosa do ser humano.

(Comunità di Bose, Il libro dei testimoni. Martirologio ecumenico, San Paolo, Milano, 2002, p. 504-505)

Festa de Todos os Santos


Não há santidade fora do seguimento de Jesus Cristo.
(Ap 7,2-4.9-14; Sl 23/24; 1Jo 3,1-3; Mt 5,1-12)
Hoje a festa é de todos os santos e santas. Como poderíamos esquecer que a verdadeira santidade é aquela que se manifesta na vida das pessoas que ousam sair do estreito limite dos seus próprios  interesses e se aproximam solidariamente dos últimos; que tecem pacientemente os fios que fazem do mundo inteiro uma única família; que vão aos rincões mais distantes para levar a bandeira da paz; que são movidas por uma insaciável sede de justiça; que choram as dores dos povos de todas as cores e provam o fel da violência da perseguição; que transformam a terra pela mansidão...? Celebremos e festejemos a alegria de participar de uma imensa caravana de homens e mulheres de todas as raças, nações e línguas que nos precedem, nos acompanham e nos seguem. E renovemos nosso desejo e compromisso de levar em nosso corpo as marcas de Jesus Cristo.
“Gente de todas as nações, tribos, povos e línguas...”
No último dia 30 recordávamos os 31 anos do assassinato de Santo Dias da Silva, líder cristão e operário, e 463 anos da páscoa de Martinho Lutero, ex-monge católico e reformador da Igreja. Dois homens sensíveis ao próprio tempo que, em diferentes lugares e circunstâncias, e também por caminhos diversos, sonharam e lutaram por uma sociedade mais justa e uma Igreja mais fiel a Jesus Cristo. Dois cristãos que tinham fome e sede de justiça e sofreram perseguições. Será que eles não fazem parte da imensa multidão de servos/as de Deus, cujas frontes foram marcadas com o sinal do Cordeiro?
A festa de todos os santos faz memória dos/as santos/as esquecidos/as, daqueles/as que não têm um dia especial, nem um nome conhecido, que gastaram a vida no anonimato e cujos milagres não cabem nas estreitas regras canônicas; de gente como Sepé Tiarajú, Padre Cícero, Dom Romero, e Ir. Adelaide; e mesmo de quem não rezou pelo nosso catecismo, como Lutero, Luther King, Gandhi, Che Guevara e tantos outros/as.  Nesta festa celebramos a memória daqueles/a que nos antecederam na fé e cujo testemunho mantém a Igreja no caminho certo, apesar das suas resistências e ambivalências.
“Desde já somos filhos/as de Deus...”
Mas a celebração de todos os santos e santas não olha somente para o passado. É oportunidade e provocação para refletir sobre a vocação fundamental de todos os/as cristãos. É verdade que a santidade é um caminho estreito e uma vocação exigente, mas isso não significa que seja reservada a alguns grupos especiais de cristãos. Há exatos 50 anos o Concílio Vaticano II proclamava de forma clara e inequívoca, contra a idéia então predominante, que a santidade não é privilégio dos sacerdotes e religiosos/as. Muito antes, a história já havia comprovado o que foi proclamado solenemente.
Na passagem do milênio, João Paulo II nos provocava a não se contentarmo-nos com pequenas medidas, vôos rasantes, ideais nanicos, e pedia que aspirássemos nada menos e nada mais que à santidade. A vocação que é de todos/as precisa se transformar em desejo pessoal e em decisões e ações concretas. Como diz São João, nós somos chamados filhos/as de Deus e já o somos desde agora, mas o desafio é crescer na identificação com Jesus Cristo, gravar no corpo e na mente as marcas de Jesus Cristo. “Seremos semelhantes a ele...” E isso deve ser mais que um simples sentimento.
“Felizes os pobres no espírito...”
Jesus Cristo é o verdadeiro e perfeito santo de Deus e, ao mesmo tempo, o caminho para a santidade. Não há santidade à margem do seguimento de Jesus Cristo, mesmo que tal seguimento seja implícito. Trata-se então de refazer o caminho prático trilhado por Jesus: “amar como Jesus amou; sonhar como Jesus sonhou; pensar como Jesus pensou; viver como Jesus viveu; sentir como Jesus sentia...” Este é o caminho para que, no meio ou no fim do dia e no no meio ou no fim da vida, sejamos felizes. O caminho para santidade, percorrido por ele mesmo, são as bem-aventuranças.
Esta bela mensagem que denominamos bem-aventuranças apresenta os diversos sinais que indicam claramente o caminho da santidade. Jesus não fala de oito grupos específicos de pessoas, mas de oito características daqueles/as que percorrem este caminho. Esta via sagrada começa com a pobreza e termina com a perseguição, o que não representa um obstáculo, pois o Reino de Deus é antes de tudo – e no presente! – dos pobres e dos perseguidos. A consolação para os aflitos, a terra para os mansos, a saciedade para os famintos, a misericórdia para os compassivos, a visão de Deus para os puros e a filiação divina para os promotores da paz é promessa para o futuro, mas a alegria sem fim do Reino é experiência concreta dos pobres em espírito e dos perseguidos já no tempo presente!
A santidade à qual todos/as somos chamados/as tem a fisionomia do/a discípulo/a, do despojamento solidário; o coração dos/as que se afligem e choram compassivamente as dores dos outros; o ritmo inquieto dos/as que anseiam e pela justiça plena e universal; o olhar terno da misericórdia; a transparência de quem evita a duplicidade e as segundas intenções; a ousadia daqueles/as que promovem a paz; a indestrutível alegria de quem assume o preço de ser livre e libertador/a.
“Felizes os que têm fome e sede de justiça...”
Diz-se que os/as santos/as são beatos/as, mesmo que esse conceito não goze de muita estima entre nós. Isso quer dizer que o caminho da santidade e o caminho para a felicidade coincidem. Santidade não rima com tristeza ou fechamento em si mesmo/a, mas com felicidade e abertura aos outros. O caminho de Jesus Cristo, assim como a vida e a espiritualidade cristãs, são propostas de uma felicidade que coincide com a realização da mais profunda vocação humana e que, por isso, é duradoura.
O caminho que nos conduz à santidade feliz e à felicidade santa está longe de ter as características da passividade ou do afastamento do mundo. Pelo contrário, passa pelo empenhativo distanciamento dos interesses individuais ou dos grupos fechados; pela partilha da dor e humilhação dos outros; pela mortificante e vivificante fome e sede de justiça; pela prática perseverante da atenção aos mais frágeis; pela superação das palavras e ações ambíguas; pela ativa semeadura da paz em todas as relações; pela firmeza serena nas perseguições.
Passa longe do Evangelho uma santidade que se resume em práticas de piedade. Está distante da essência humana uma felicidade baseada no sucesso pessoal, indiferente à sorte dos semelhantes. As pessoas que se vestem de branco e trazem palmas nas mãos são aquelas que vieram d’a grande tribulação’, que ‘lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro’, que recriaram sua ação libertadora, que encarnaram o Evangelho no mundo e na própria vida. Felicidade não significa ausência de dificuldades, mas realização plena e profunda do ser humano. Mais que perfeição, santidade é perseverança no amor e no serviço.
“Seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é.”
Jesus é o verdadeiro santo. A ele devemos o louvor, a glória, a sabedoria, a honra, o poder, a força e a ação de graças. A santidade que brilha no rosto, que atua nas mãos e pulsa no coração da multidão incontável que nos antecede e nos circunda é fruto do Espírito de santidade e de verdade que Jesus Cristo derrama sobre a comunidade que o segue. Se somos filhos/as e herdeiros/as, o somos por adoção e graça, e não por mérito pessoal ou direito adquirido.
A provocação pessoal de Jesus e o estímulo dessa multidão que caminha alegre e jubilosa vestida de branco nos coloca e nos mantém no caminho da santidade. Que nossas roupas marcadas por griffes que diferenciam e hierarquizam, sujas e amarrotadas pela impureza do nosso pensar e pela ambigüidade do nosso agir, se tornem semelhantes às vestes do Cordeiro no talhe, na cor e no uso. Que nossas vestes sejam o hábito simples e surrado daqueles/as quem servem, como as vestes de Jesus de Nazaré.
Deus pai e mãe, fonte de toda santidade e de todo bem. Te pedimos a graça de permanecer sempre de pé diante do teu Filho, rodeados por essa nuvem de testemunhas anônimas oriunda de todas as nações, tribos, raças e línguas. Ajuda-nos a superar a doce tentação de separar, catalogar e hierarquizar católicos e evangélicos, cristãos e não-cristãos. Fica conosco e caminha à nossa frente, para que estejamos sempre prontos/as para a travessia e para a luta. Que a incrível capacidade de sofrer e a inexplicável alegria em meio às intermináveis lutas sejam nossas armas e nosso triunfo. E então estaremos vivendo em comunhão com aqueles/as que louvam no céu e na terra. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Por uma evangelização nova (9)


Como fazer a Boa Notícia ecoar na vida dos cristãos?

Na vida concreta, evangelização e catequese se misturam. Mas, para torná-las mas frutuosas, é possível e necessário distinguir, pelo menos do ponto de vista didático, estas duas expressões da única dinâmica da fé. A evangelização é o anúncio inculturado e atualizado da Boa Notícia de Deus, assim como foi experimentada e proposta por Jesus de Nazaré. E a catequese é, etimologicamente, fazer com que o Evangelho produza eco, é o aprofundamento mais sistemático e articulado deste anúncio substancial.

O Instrumentum Laboris do próximo Sínodo dos Bispos observa que, não sendo uma ação individual mas  comunitária e ecleisal, a transmissão da fé não deveria se preocupar em encontrar estratégias comunicativas eficazes nem com a seleção dos destinatários, mas refletir adequadamente sobre o próprio sujeito da evangelização (cf. IL, § 39). Ou seja, a Igreja deve refletir e encontrar em si mesma parte das causas que dificultam a aceitação do Evangelho e o seu enraizamento na cultura atual.

Esta é uma tarefa urgentíssima e exigente, mas chamar isso de ‘nova evangelização’ não parece apropriado. A palavra que a Igreja dirige a si mesma, aos diferentes grupos que a compõem, não se chama propriamente evangelização, mas catequese. É verdade que alguém deve repropor permanentemente a Boa Notícia de Jesus Cristo aos membros da Igreja, mas isso configura um processo permanente de educação da fé, com diferentes etapas e recursos variados. E quando se trata de remover os obstáculos que a vida dos fiéis, mas também as velhas tradições e pesadas estruturas, interpõem à credibilidade do seu anúncio, o que se necessita não é de evangelização mas de conversão pessoal e de mudança estrutural, e esse é um percurso que também merece ser pensado com atenção e profundidade. Sendo verdade que a catequese e a conversão não se reduzem à simples escolha de estratégias, também o é que sem caminhos, percursos ou instrumentos adequados a Palavra de Deus não produz eco na vida e na sociedade, e a conversão permanente e necessária da Igreja não passa de intenção vazia e proposta escapista.

No Instrumentum Laboris pede-se também que os Bispos Sinodais se interroguem seriamente se a falta de fecundidade da evangelização e da catequese do nosso tempo não seria acima de tudo um problema eclesiológico e espiritual. Poderia acontecer que os métodos usados pela catequese, no contexto de uma cultura secularizada, não estejam levando a uma fé madura e à sua transmissão. E recomenda-se que os Bispos reflitam sobre como desenvolver uma catequese que articule convenientemente fidelidade à revelação e fidelidade à pessoa humana culturalmente situada; que seja integral na transmissão fiel do núcleo da fé e, ao mesmo tempo, saiba falar às pessoas de hoje, escutando suas interrogações e animando suas buscas (cf. IL, § 104).

Esta é uma questão absolutamente fundamental, mas os problemas começam exatamente na idéia de pessoa humana e no conceito de fé e de revelação que a Igreja veicula! Quem ousar entrar nesse campo se defrontará com ‘minas’ espalhadas por todos os lados, com visões abstratas e tremendamente moralistas, legalistas e institucionalizadas. Mesmo que alguns discursos queiram mostrar diversamente, a prática hegemônica da hierarquia católica demonstra que ela não se dá bem com pessoas humanas e comunidades eclesiais maduras, autônomas, questionadoras, criativas. Da mesma forma, teme projetos de catequese e de evangelização que procuram encarnar a Boa Notícia de Jesus Cristo nas buscas e lutas humanas de hoje e traduzí-la numa linguagem minimamente compreensível ao nosso tempo.

Se a fé dos fiéis católicos e das comunidades eclesiais é infantil, imatura e impotente, isso não se deve prioritariamente à sua falta de boa vontade ou aos seus limites. O problema é estrutural, e tem sua origem numa instituição eclesiástica que prefere repetir fórmulas antigas e vazias de sentido e tem medo da inovação; que canoniza os fiéis obedientes e submissos e estigmatiza aqueles que questionam e propugnam por novas expressões da fé e por sua encarnação na cultura atual, assim como pela renovação de estruturas eclesiásticas anacrônicas e às vezes anti-evangélicas.
Itacir Brassiani msf

domingo, 28 de outubro de 2012

Fatos & memoria


Pixinguinha

Em 1921 anunciaram que o conjunto Os Batutas atuaria em Paris, e espalhou-se a indignação na imprensa brasileira. “O que vão pensar do Brasil os europeus? Acharão que este país é uma colônia africana?”

No repertório dos Batutas não havia árias de ópera, nem valsas, e sim maxixes, lundus, corta-jacas, batuques, cateretês, modinhas e recém-nascidos sambas. Era uma orquestra de negros que tocava coisas de negros.

Os artigos exortavam o governo a evitar tamanho desprestígio. Imediatamente o Ministério das Relações Exteriores esclareceu que Os Batutas não iam em missão oficial nem oficiosa.

Pixinguinha, um dos negros do conjunto, era o melhor músico do Brasil. Ele sabia disso, e o assunto não lhe interessava. Estava muito ocupado, buscando em sua flauta, com endiabrada alegria, os sons roubados dos pássaros.

(Eduardo Galeano, O século do vento, L&PM, 2010, p. 87-88)

Fatos & memoria


A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

O direito à alimentação é uma heresia?

“Para se ter uma idéia do abismo que separa os inimigos e os defensores do direito à alimentação, tomemos em consideração as posições assumidas pelos Estados em relação ao Pacto n° 1 das Nações Unidas sobre os direitos econômicos, sociais e culturais e as obrigações deles decorrentes: os EUA sempre se recusaram a ratificá-los; a OMC e o FMI os combatem abertamente.

Os Estados signatários do Pacto assumem três diferentes obrigações. Primeiro, eles devem respeitar o direito à alimentação dos habitantes dos seus próprios territórios. Isso quer dizer que eles não podem fazer nada que provoque dificuldades ao exercício desse direito” (p. 163-164).

“O artigo 11 do Pacto relativo aos direitos econômicos, sociais e culturais da ONU impõe aos Estados-membros uma segunda obrigação: o Estado não deve apenas respeitar ele mesmo o direito à alimentação dos seus próprios habitantes, mas deve também proteger este direito frente às violações infrigidas por terceiros. Se uma terceira parte atenta contra o direito à alimentação, o Estado deve intervir para proteger seus habitantes e reestabelecer o direito violado” (p. 171-172).

“Para a OMC, o governo norteamericano (australiano, inglês, canadense, etc.), o FMI, o Banco Mundial, estas intervenções previstas pelo Pacto são anátema. Aos olhos dos membros do Consenso de Washington, elas são um atentado intolerável contra a liberdade de mercado. Estes que no Sul são chamados de “corvos pretos do FMI” consideram os argumentos apresentados pelos defensores do direito à alimentação uma pura ideologia, uma cegueira doutrinária ou, pior, uma dogmática comunista.

É conhecido um painel pintado por Plantu, onde se vê uma criança africana, em pé atrás um gordo homem branco, com óculos e gravata, sentado diante de uma mesa e uma refeição suntuosa. A criança diz: “Eu estou com fome!” O homem branco se volta a ela e responde: “Deixe de falar política!” (p. 174)

sábado, 27 de outubro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (13)


A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

O direito à alimentação é uma heresia?

“Para se ter uma idéia do abismo que separa os inimigos e os defensores do direito à alimentação, tomemos em consideração as posições assumidas pelos Estados em relação ao Pacto n° 1 das Nações Unidas sobre os direitos econômicos, sociais e culturais e as obrigações deles decorrentes: os EUA sempre se recusaram a ratificá-los; a OMC e o FMI os combatem abertamente.

Os Estados signatários do Pacto assumem três diferentes obrigações. Primeiro, eles devem respeitar o direito à alimentação dos habitantes dos seus próprios territórios. Isso quer dizer que eles não podem fazer nada que provoque dificuldades ao exercício desse direito” (p. 163-164).

“O artigo 11 do Pacto relativo aos direitos econômicos, sociais e culturais da ONU impõe aos Estados-membros uma segunda obrigação: o Estado não deve apenas respeitar ele mesmo o direito à alimentação dos seus próprios habitantes, mas deve também proteger este direito frente às violações infrigidas por terceiros. Se uma terceira parte atenta contra o direito à alimentação, o Estado deve intervir para proteger seus habitantes e reestabelecer o direito violado” (p. 171-172).

“Para a OMC, o governo norteamericano (australiano, inglês, canadense, etc.), o FMI, o Banco Mundial, estas intervenções previstas pelo Pacto são anátema. Aos olhos dos membros do Consenso de Washington, elas são um atentado intolerável contra a liberdade de mercado. Estes que no Sul são chamados de “corvos pretos do FMI” consideram os argumentos apresentados pelos defensores do direito à alimentação uma pura ideologia, uma cegueira doutrinária ou, pior, uma dogmática comunista.

É conhecido um painel pintado por Plantu, onde se vê uma criança africana, em pé atrás um gordo homem branco, com óculos e gravata, sentado diante de uma mesa e uma refeição suntuosa. A criança diz: “Eu estou com fome!” O homem branco se volta a ela e responde: “Deixe de falar política!” (p. 174)