quarta-feira, 17 de outubro de 2012

13° Sinodo dos Bispos


Qual é a meta deste olhar e caminho partilhados?
 
O jornal L’osservatore Romano, diário oficial do Estado do Vaticano, resume os trabalhos da primeira semana do Sínodo dos Bispos com grande otimismo: “uma partida com o pé direito”  (cf. http://www.vatican.va/news_services/or/or_quo/commenti/2012/238q01b1.html). Esse otimismo se mostraria mais do clima geral do Sínodo que das intervenções dos seus membros.

Segundo o referido diário, palavras comedidas e claras demonstram que a nova evengalização é comprendida como uma ação orientada prioritariamente às pessoas batizadas que se afastaram da Igreja e não têm a práxis cristã como referência. Sem esquecer o anúncio do Evangelho aos povos que não o conhecem, a nova evangelização seria um projeto de revitalização da fé nos países de antigo cristianismo.

E diz-se claramente que, neste aspecto, a Igreja não é chamada tanto a fazer algo ou a se estruturar de modo mais eficaz, mas a anunciar Deus e aquilo que Ele fez. Assim, na abertura solene da assembléia sinodal, o papa Bento XVI insistiu que a única finalidade dos trabalhos sinodais seria fixar o olhar em Jesus Cristo e repetir com insofismável clareza que o Crucificado – símbolo de amor e paz, apelo à conversão e à reconciliação – é o sinal distintivo de quem evangeliza.

Estas afirmações e destaques merecem um contraponto reflexivo. Primeiro, é preciso perguntar: Qual é a meta deste caminho sinodal, deste olhar compartilhado? Para onde quer nos levar essa estrada, iniciada com o pé direito? Temo, e muito, que a meta, pelo menos a direção desejada, seja a de uma nova cristandade, com o resgate da centralidade e supremacia da religião cristã e da instituição eclesiástica. E receio que, para esse fim, todos os meios sejam considerados bons.

A orientação prioritária da nova evangelização às pessoas batizadas e afastadas não é condenável em si mesma. O que é questionável é o silêncio geral sobre a missão da comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus num mundo desejoso de comunhão e liberdade e, ao mesmo tempo, dilacerado por conflitos e indiferenças. Certo, a base e a meta da evangelização é o encontro pessoal da pessoa com Cristo, mas onde se dá esse encontro e a que se destina? Encontrar Cristo na liturgia e para o culto, ou pior, para a defesa apologética do cristianismo? Ou será que o encontro vivo com Jesus Cristo não se dá essencialmente numa comunidade habituada a escutar o clamor de Deus no clamor dos últimos do mundo, a fazer ecoar intensamente esse clamor na arena social e a responder a ele de modo solidário e eficaz, na liturgia e na vida concreta?

Não me parece cristã uma Igreja que se contente em anunciar aquilo que Deus fez, eximindo-se da responsabilidade de fazer o que Deus faz e de organizar-se de modo mais eficaz para cumpir essa missão. Seria Igreja um grupo ou movimento que, diante dos mecanismos e isntituições que promovem a fome que golpeia mortalmente milhões de pessoas e a guerra que elimina outros milhares, virasse as costas ou cruzasse os braços, como se isso não tivesse nada a ver com sua fé em Deus? Ou uma Igreja que se contentasse em elevar as mãos a Deus, fazendo coro a louvores fugazes e preces intimistas e escapistas? E onde fica o “levanta-te e anda” e o ‘dai-lhes vós mesmos de comer”? Será que o anúncio do Evangelho não pede que a Igreja se organize de modo eficaz para anunciar, celebrar, testemunhar e construir o Reino de Deus?

Finalmente, precisamos esclarecer melhor o que significa fixar o olhar em Jesus Crucificado. Não raro, por trás desse imperativo repetido pelas autoridades eclesiásticas está uma imagem muito específica de Jesus Cristo: o senhor e rei, o sacerdote e legislador, o sublime e majestático refém dos templos, cultos e doutrinas. Mas para fixar nosso olhar no Cristo crucificado precisamos sair dos templos e muros e procurar os periféricos calvários, para onde ele foi expulso e condenado! E mais: precisamos fixar nosso olhar no povo crucificado – essa imensa caravana de seres considerados, por algum motivo, não-humanos e não-dignos – pois é neles que sangra e brilha, segundo o Evangelho, o rosto do próprio Cristo (cf. Mt 25,31-46).

E, pelo que me consta, sempre que Jesus fixou o olhar numa pessoa golpeada pela dor, interrompeu imediatamente seus ‘compromissos’ e se dedicou a mudar aquela situação intolerável. Para ele, a pessoa em necessidade foi sempre a prioridade absoluta. Foi assim que ele anunciou com credibilidade o Evangelho do Reino de Deus. Como poderia uma evangelização que se apresenta como fiel e nova dispensar-se de fazer algo pelos milhões de vítimas que povoam os caminhos do mundo? Pelo amor de Deus, que este Sínodo não olhe apenas para os crucifixos dourados e para o umbigo eclesiástico, perdendo o rumo traçado por Jesus Cristo, o Evangelho do Pai!
Itacir Brassiani msf

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