Qual é a meta deste olhar e caminho partilhados?
O jornal L’osservatore Romano, diário
oficial do Estado do Vaticano, resume os trabalhos da primeira semana do Sínodo dos Bispos com grande otimismo: “uma
partida com o pé direito” (cf. http://www.vatican.va/news_services/or/or_quo/commenti/2012/238q01b1.html). Esse otimismo se mostraria mais do
clima geral do Sínodo que das intervenções dos seus membros.
Segundo o referido diário, palavras comedidas e claras
demonstram que a nova evengalização é
comprendida como uma ação orientada
prioritariamente às pessoas batizadas que se afastaram da Igreja e não têm a
práxis cristã como referência. Sem esquecer o anúncio do Evangelho aos povos
que não o conhecem, a nova evangelização
seria um projeto de revitalização da fé
nos países de antigo cristianismo.
E diz-se claramente que, neste aspecto, a Igreja não é
chamada tanto a fazer algo ou a se
estruturar de modo mais eficaz, mas a anunciar
Deus e aquilo que Ele fez. Assim, na
abertura solene da assembléia sinodal, o papa Bento XVI insistiu que a única finalidade dos trabalhos sinodais
seria fixar o olhar em Jesus Cristo e
repetir com insofismável clareza que o Crucificado
– símbolo de amor e paz, apelo à conversão e à reconciliação – é o sinal
distintivo de quem evangeliza.
Estas afirmações e destaques merecem um contraponto
reflexivo. Primeiro, é preciso perguntar: Qual é a meta deste caminho sinodal,
deste olhar compartilhado? Para onde quer nos levar essa estrada, iniciada com
o pé direito? Temo, e muito, que a meta, pelo menos a direção desejada, seja a de
uma nova cristandade, com o resgate
da centralidade e supremacia da religião cristã e da instituição eclesiástica.
E receio que, para esse fim, todos os meios sejam considerados bons.
A orientação prioritária da nova evangelização às pessoas batizadas e afastadas não é
condenável em si mesma. O que é questionável é o silêncio geral sobre a missão da comunidade dos discípulos e
discípulas de Jesus num mundo desejoso de comunhão e liberdade e, ao mesmo
tempo, dilacerado por conflitos e indiferenças. Certo, a base e a meta da
evangelização é o encontro pessoal da pessoa com Cristo, mas onde se dá esse encontro e a que se
destina? Encontrar Cristo na liturgia e para o culto, ou pior, para a defesa apologética
do cristianismo? Ou será que o encontro vivo com Jesus Cristo não se dá essencialmente
numa comunidade habituada a escutar o clamor de Deus no clamor dos últimos do
mundo, a fazer ecoar intensamente esse clamor na arena social e a responder a
ele de modo solidário e eficaz, na liturgia e na vida concreta?
Não me parece cristã uma Igreja que se contente em anunciar aquilo que Deus fez,
eximindo-se da responsabilidade de fazer
o que Deus faz e de organizar-se de
modo mais eficaz para cumpir essa missão. Seria Igreja um grupo ou movimento
que, diante dos mecanismos e isntituições que promovem a fome que golpeia
mortalmente milhões de pessoas e a guerra que elimina outros milhares, virasse
as costas ou cruzasse os braços, como se isso não tivesse nada a ver com sua fé
em Deus? Ou uma Igreja que se contentasse em elevar as mãos a Deus, fazendo
coro a louvores fugazes e preces intimistas e escapistas? E onde fica o “levanta-te
e anda” e o ‘dai-lhes vós mesmos de comer”? Será que o anúncio do Evangelho não
pede que a Igreja se organize de modo eficaz para anunciar, celebrar,
testemunhar e construir o Reino de Deus?
Finalmente, precisamos esclarecer melhor o que
significa fixar o olhar em Jesus
Crucificado. Não raro, por trás desse imperativo repetido pelas autoridades
eclesiásticas está uma imagem muito específica de Jesus Cristo: o senhor e rei,
o sacerdote e legislador, o sublime e majestático refém dos templos, cultos e
doutrinas. Mas para fixar nosso olhar no
Cristo crucificado precisamos sair dos templos e muros e procurar os
periféricos calvários, para onde ele foi expulso e condenado! E mais:
precisamos fixar nosso olhar no povo crucificado – essa imensa caravana de
seres considerados, por algum motivo, não-humanos e não-dignos – pois é neles
que sangra e brilha, segundo o Evangelho, o rosto do próprio Cristo (cf. Mt
25,31-46).
E, pelo que me consta, sempre que Jesus fixou o olhar
numa pessoa golpeada pela dor, interrompeu imediatamente seus ‘compromissos’ e
se dedicou a mudar aquela situação intolerável. Para ele, a pessoa em
necessidade foi sempre a prioridade absoluta. Foi assim que ele anunciou com
credibilidade o Evangelho do Reino de Deus. Como poderia uma evangelização que
se apresenta como fiel e nova dispensar-se de fazer algo pelos milhões de vítimas
que povoam os caminhos do mundo? Pelo amor de Deus, que este Sínodo não olhe
apenas para os crucifixos dourados e para o umbigo eclesiástico, perdendo o
rumo traçado por Jesus Cristo, o Evangelho do Pai!
Itacir Brassiani msf
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