sexta-feira, 19 de outubro de 2012

29° Domingo do Tempo Comum


Testemunhemos uma verdade que promova a liberdade.
(Is 53,10-11; Sl 32/33; Hb 4,14-16; Mc 10,35-45)
É profundamente linda a atitude que se insinua no salmo 131/130: “Javé, meu coração não é ambicioso, nem meus olhos altaneiros. Não ando atrás de grandezas, nem de maravilhas que me ultrapassam. Eu fiz calar e repousar meus desejos, como criança desmamada no colo de sua mãe.” O Evangelho como um todo é uma pedagogia que nos leva ao encontro da nossa verdade, àquilo que somos chamados a ser: simplesmente humanos/as, com nossas possibilidades e debilidades. O próprio Deus veio a nós como servo e cordeiro, e aceitou ser tratado como pedra descartada e como o último da fila. Eis a missão da Igreja: gerar homens e mulheres que não busque outro título e honra que aquela de servir. Ou fazer brilhar a Palavra da Verdade, como nos pede Bento XVI na sua mensagem para o dia mundial de oração pelas missões.
“Ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança...”
Nossos próprios condicionamentos e obsessões, conscientes ou incoscientes, nos fazem surdos/as e cegos/as. Só ouvimos e vemos aquilo que faz sentido dentro do nosso projeto de vida. Rejeitamos com maior ou menor veemência aquilo que questiona nossos interesses e acorda nossos medos. E acabamos desfigurando o próprio Evangelho, invertendo suas prioridades e jogando no lixo do esquecimento a imagem de um Deus que assume o lugar dos servos e dos últimos.
Marcos continua narrando a subida de Jesus para Jerusalém. Apesar da catequese particular e paciente de Jesus, os discípulos continuam resistentes e espantados frente a um messias humano, pobre e servidor. Nem mesmo o tríplice anúncio da prisão, condenação, tortura e morte não consegue abrir seus olhos e ouvidos. “Os discípulos estavam espantados, e aqueles que iam atrás estavam com medo” (Mc 10,32). Um Deus despojado de poder não encontra lugar na ideologia deles.
Os episódios lembrados pelo capítulo 10 do evangelho de Marcos sublinham um aspecto fundamental da vida cristã: a missão de anunciar e testemunhar Jesus Cristo deve ser sempre precedida e permanentemente sustentada pela atitude de discípulo e aprendiz. O Evangelho não é um produto que precisa de publicidade e a missão não se identifica com a simples expansão da Igreja. Evangelizar é, antes de tudo, fazer do Evangelho a regra fundamental do nosso viver, pautar nossa vida pelas opções de Jesus Cristo. E esta lição precisa ser sempre retomada.
 “Permite que nos sentemos, na tua glória, um à tua direita e outro à tua esquerda!”
Um Deus despojado de poder não coaduna com a ideologia religiosa dos discípulos. Eles não conseguem abandonar a idéia de que, apesar de tudo, Jesus seria vitorioso. Admitem a hipótese da cruz apenas como uma espécie de golpe messiânico, como um jogo de cena. Não conseguem entender um ensino que fala de rejeição, prisão e morte. Mais ainda: alimentam a ambição de partilhar com Jesus as honras e benesses desta fantasiosa vitória. “Quando estiveres na glória, deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda.”
A indignação dos outros dez discípulos contra os irmãos Tiago e João mal esconde que todos alimentavam a mesma ambição. Eles não conseguem ver a caminhada a Jerusalém senão como uma marcha de subida ao poder. Para eles, ser discípulo é algo como postular um cargo (mesmo que seja apenas municipal...). Não imaginam que à esquerda e à direita do mestre execrado/glorificado na cruz estariam dois ativistas rebeldes que sequer fizeram parte do grupo dos discípulos...
Também nós precisamos de prudência e cautela para não tratar a cruz e o serviço como simples etapas transitórias ou de caráter demonstrativo. De uma vez por todas: a glória não vem depois do serviço nem como pagamento por ele, mas está na própria ação de servir; o senhorio de Jesus Cristo não é o prêmio pela aceitação da condição de servo, mas sua própria atitude de servir. Não temos outra glória senão a cruz, ou seja, fora do serviço fiel e solidário aos irmãos e irmãs.
“Entre vós não deve ser assim!”
O pedido explícito dos filhos de Zebedeu e a ambição oculta de todos os demais discípulos aborrecem Jesus. Ele fala com uma certa amargura: “Vocês não sabem o que estão pedindo. Por acaso vocês podem beber o cálice que eu vou beber? Podem ser batizados com o batismo que eu vou ser batizado?”  Mas nem o questionamento que coloca os discípulos cara a cara com o martírio é capaz de tirá-los do sonho de poder: eles respondem mentindo. E Jesus lhes fala com ironia.
A tentação do poder vive rondando as religiões, e as igrejas cristãs não são exceção. Elas não conseguem se conformar com as margens e esquecem que Jesus viveu à margem dos poderes religiosos e políticos e foi crucificado fora dos muros da cidade, excluído da cidadania. E mais: ele propôs explicitamente o caminho da minoridade e da margem a todos/as os/as que o escolhem como mestre e caminho de humanização.
Na proposta de Jesus, a liderança não é uma função delegada ou uma simples questão de cargo. A liderança deve ser tecida, fio a fio, ponto a ponto, no serviço aos irmãos e irmãs. E isso vale para a liderança da Igreja como um todo no seio da sociedade civil, assim como para o exercício das funções internas. Ninguém é automaticamente eminência, excelência ou reverendo/a. Paulo diz que autoridade é legitima na medida em que traz no corpo as chagas do próprio Cristo (cf. 1Cor 4,9-15).
“Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve.”
Quando Jesus ensina que, em oposição ao que costumeiramente vemos, quem quiser ser grande deve tornar-se o servo e quem quiser ser o primeiro deve ocupar o último lugar, não está falando de um certo sentimento de humildade. Antes, trata-se colocar-se ao lado dos últimos e de aceitar ser considerado um nada, como as crianças e escravos, sem se perturbar com isso.
A autêntica humildade é uma questão de reconhecimento da verdade sobre nós mesmos/as. Quem se considera superior/a ou inferior/a aos outros/as sem sê-lo tem uma falsa imagem de si. Conhecer a si mesmo significa recusar a futilidade de toda distinção entre superior e inferior, fruto de um ego perturbado e ambicioso. Jesus não reconhece como modelo de vida os heróis e as pessoas bem-sucedidas: ele reserva esse lugar aos samaritanos, prostitutas, publicanos, estrangeiros e crianças.
E não se trata de propor o infatilismo como ideal de vida. Ser como criança e assumir a atitude de serviço não tem nada a ver com o prolongamento da ingenuidade e da imaturidade, nem com o auto-desprezo. O que Jesus propõe como valor é a sinceridade, a confiança radical, a liberdade frente às preocupações, a capacidade de maravilhar-se e alegrar-se com as surpresas da vida, a aceitação alegre da minoridade.
“Aproximemo-nos então, seguros e confiantes, do trono da graça...”
Jesus diz que não veio para ser servido – ambição que incendeia nosso ego – mas para servir e dar sua vida para a liberdade de muitos. E esta figura do Servo tem pouco da passividade do cordeiro e muito de ativa profecia e de corajoso martírio, como ensina Jesua na parábola dos vinhateiros homicidas (Mc 12,1-12) e como testemunhou o catequista goiano Vilmar José de Castro (assassinado em Jataí aos 23.10.1986). Ocupar o último lugar rima com a proclamação da dignidade dos pequenos e dos últimos, e deve soar como incômoda profecia.
Jesus não guarda sua vida como um bem precioso: ele a esbanja inteiramente para pagar nossa liberdade. E é aqui que se esconde o segredo da sua fecundidade: como diz o profeta Isaías, é porque entrega sua vida e carrega os crimes dos outros que ele prolonga sua existência e seu rosto adquire o brilho glorioso de uma verdade que liberta. Mas Jesus não desconhece nossos limites e a falência dos nossos intentos e, por isso, se compadece das nossas fraquezas (cf. Hb 4,14-16).
Jesus ne Nazaré, Servo perseguido,  Irmão amado e amável! Que teu amor esteja sobre nós, como em ti está nossa esperança. És digno de crédito, e podemos nos aproximar de ti com plena confiança. Mesmo conhecendo o barro do qual somos feitos/as e os sonhos humanos que nos tiram do sono, envia-nos como teus missionários/as, para proclamar com a vida e com a palavra a dignidade de todo humano ser. E que nada nem ninguém nos roube o brilho dessa glória. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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