sábado, 6 de outubro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (7)


O Papa João Paulo II ensina que a promoção dos Direitos Humanos é um dos novos âmbitos da missio ad gentes (cf. Redemptoris Missio, 37). A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É nessa perspectiva que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008. O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

A fome como estratégia de dominação política.

Sendo contemporâneo à ideologia do nazismo, Josué de Castro descreveu a Europa sob o nazismo como um gigantesco e sombrio campo de concentração. Em suas análises, o médico recifense mostrou que a fome endêmica e assassina não era um efeito colateral da guerra, mas propriamente uma estratégia política de Hitler. “A idéia central desta política era determinar o nível de restrição alimentar dos povos da Europa dividindo entre eles – de acordo com os objetivos políticos e militares alemãos – as magras rações deixadas pelas prioridades do Reich” (citado na p. 125).

Os burocratas nazistas dividiam os povos em 4 categorias: grupos humanos e povos bem alimentados; grupos humanos e povos insuficientemente alimentados; grupos humanos e povos famintos; grupos e povos a serem exterminados através da fome. Hitler investiu tanta energia criminal para submeter os povos à miséria quanto para afirmar a superioridade racial dos alemães. Sua estratégia da fome tinha como objetivo assegurar a autosuficiência para os alemães e submeter os demais povos à lei do Reich.

O carrasco nazista Himmler formulou o Hungerplan (Plano Fome) como estratégia para dominar e exterminar os povos ‘indignos de viver’, juízes e ciganos em primeiro lugar. Os resultados são conhecidos. Um relatório publicado em 1943 fala sobre a situação na Polônia: “O povo polonês come cães, gatos e ratos e prepara sopas com carne podre ou cascas de árvores.” E as consequências se fizeram sentir dolorosamente: tuberculose, incapacidade de trabalhar, letargia progressiva, anemia mortal.

Assim, guetos hermeticamente fechados por altos muros e vigiados por cordões de soldados, abrigando às vezes centenas de milhares de pessoas, foram submissos à ‘dieta negra’, e milhares dos seus habitantes terminaram por morrer de fome. A estretégia da fome preparava ou completava o trabalho forçado e a ‘solução final’ das câmaras de gás.

Os registros dos campos de concentração mostram com que frieza e gozo doentio os agentes nazistas registravam as consequências da política da fome. Alguns relatam com detalhes fatos de canibalismo entre jovens soviéticos que morriam de fome, e viam nisso as provas do barbarismo eslavo. Estes registros noticiam também que milhares de prisioneiros russos, ucranianos, lituanos e poloneses pediram aos comandantes nazistas que, por misericórdia, os fuzilassem.

Uma indignação suplementar vem da cegueira e do silêncio dos países aliados sobre a política nazista de extermínio pela fome. O próprio Stalin recorreu ao mesmo expediente. Como os campos da Sibéria estavam lotados, milhares de prisioneiros poloneses foram ‘liberados’ e abandonados sem alimento, sem água e sem agasalho nas estepes geladas do nordeste da Rússia. (p. 125-135).

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