Sua misericórdia se
estende de geração em geração!
(Jer 33,14-16; Sl 24/25; 1Ts 3,12-4,2;
Lc 21,25-28.34-36)
O Advento é um tempo marcado pela
pela abertura, pela esperança e pela vigilância. Somos convidados/as a
compreender o núcleo central da esperança do povo de Israel e das comunidades
cristãs. São quatro semanas que nos ajudam a reviver os milênios de expectativa
messiânica do povo hebreu e os nove meses de espera ativa da Família de Nazaré.
É um tempo em que convergimos nossos esforços no reconhecimento e na acolhida
daquele que vem na fragilidade humana e nas brechas da história. É um período
caracterizado pela esperança inquieta e quase delirante do advento de uma
humanidade livre e solidária. Experimentemos viver estas quatro semanas
iluminados pelo cântico profético que Maria dançou na casa de Isabel. De
preparação do Natal ela entende, e muito. Nesta primeira semana, procuremos
limpar e ajustar o nosso olhar, na esperança de ver a misericórdia de Deus se
manifestando nos pequenos e grandes acontecimentos da nossa vida.
“Que vossos corações não fiquem pesados por causa das
preocupações da vida.”
O comércio tem pressa e não espera o
Advento para insultar nossos ouvidos e seduzir nosso olhor com suas
mercadorias, quase convencendo-nos de que é preciso preparar o natal garantindo
uma boa quota de mercadorias. Ele insiste que aquilo que adquirimos no natal
passado há muito tempo já está superado, e que precisamos estar em dia. Nossa casa está repleta
de coisas, mas temos a sensação de que nos falta algo essencial, que não
podemos deixar de comprar.
Uma pesquisa realizada há alguns
anos na Europa concluiu que uma família de classe média possui mais ou menos
10.000 objetos. E revelou que, na Itália, existem 75 automóveis e 122 celulares para cada 100 pessoas!
A verdade é que as pessoas passaram a
viver em função das coisas que compram, seja trabalhando em vista de reunir
o dinheiro necessário para adquiri-las, seja investindo tempo e dinheiro para
mantê-las limpas e e em funcionamento. Que sentido tem uma vida assim?
No Evangelho de hoje, embora num
contexto um pouco diferente, Jesus nos adverte: “Tomem cuidado para que os
corações de vocês não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das
preocupações da vida...” A verdadeira preparação para o Natal não se faz
adquirindo mais coisas e acrescentando atividades, mas reduzindo as posses,
despojando-se do supérfluo, simplificando a vida, reconhecendo e priorizando o essencial. É
assim que agraderemos a Deus e cresceremos como pessoas.
“Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas.”
A Palavra de Deus não tem o objetivo
de criar pânico. O que ela quer é despertar uma lúcida esperança e nos convidar
à vigilância. Sol, lua, estrelas e mar são símbolos dos poderes que se querem divinos,
estáveis e inquiestonáveis. E quando tais poderes são enfrentados e abalados,
muitas pessoas são assaltadas pela ansiedade e dominadas pelo pavor.
Frequentemente, a crítica é vista como insulto, e o abalo das instituições como
fim da ordem e da civlização.
A mesma sensação se estende às
outras dimensões da vida. Para muitas pessoas, ter que baixar o nível de
consumo ou diminuir a extensão das posses parece uma catástrofe que rouba ou
abala o sentido da vida. A própria Igreja católica perde o sono e a serenidade
diante do avanço das demais denominações cristãs, pois parecem estar
questionando a verdade da qual sente-se proprietária absoluta. Tais
experiências têm sabor de perda e de fim,
e é difícil vislumbrar nelas um começo novo e promissor.
Jesus chama a atenção para a novidade
alvissareira que se esconde e se revela no ventre destas experiências. “Então
eles verão o filho do homem vindo
sobre uma nuvem, com poder e grande glória.” É o novo Homem e a nova Mulher que
começam a ser gerados no ventre das pessoas e movimentos que se esvaziam dos
entulhos culturais e religiosos engolidos à força. É a Humanidade nova e
verdadeira que nasce dos escombros de um mundo desigual e do vazio fecundo criado
pela diminuição do consumo.
“Levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa
libertação está próxima!”
Jesus nos convida e ver com lucidez
e esperar com confiança. “Quando estas coisas começarem a acontecer,
levantem-se e ergam a cabeça, porque a libertação de vocês está próxima.”
“Estas coisas” são a instabilidade dos grandes poderes e o consequente medo de
muitas pessoas, mas é principalmente o renascimento
da humanidade verdadeira, sustentada na aparente inconsistência das nuvens
e não na estabilidade do sol e da lua; aleitada no seio da compaixão e não na
mamadeira das leis; assegurada pelas mãos que se estendem para construir e não
pelas armas que arrasam.
Mas este nascimento não é evidente,
nem se impõe à nossa percepção. Jeremias diz que direito e a justiça são como um broto no meio de grandes árvores.
Novos Homens e Mulheres não costumam ganhar espaço no panteão dos meios de
comunicação. Enquanto os olhos treinados para aplaudir poderes e grandezas
continuam voltados a Jerusalém, não podem notar nada de novo em Belém. Então , o Advento
é um necessário tempo de vigilância, pois Deus nos visita em fraldas, vem ao
mundo como broto em terra seca. Para vê-lo e reconhecê-lo, precisamos purificar e ajustar o nosso olhar!
“Mostra-me,
Senhor, teus caminhos, ensina-me tuas veredas.”
Olhar amplo e vigilância são
atitudes necessárias para que esse misterioso Dia não nos surpreenda correndo
atrás de comidas e de bebidas – de perus e de espumantes! – e preocupados/as com
nossa conta que, corroída pelo insaciável desejo de consumir, está em vermelho. Este tempo
vai sendo Hoje, e o lugar está nas promissoras u-topias/não-lugares
cotidianas. O Dia é cada dia e o lugar é um pouco por todo lado. Não esperemos
nada de imponente e ostensivo.
E atenção com a tentação dos calendários!
Eles devoram nossa alma. O que é desesperador não é perceber que o dia 25 se
aproxima e ainda não adquirimos os bens que parecem ser o sumo bem, mas dar-se conta
de que o Natal passou e nada de novo e profundo aconteceu conosco. Vivamos o
Advento esquecendo o calendário fixo, abandonando a ansiedade de multiplicar
novenas e pedidos. Antes, afaguemos a terra para conhecer seus desejos e,
reconhecendo a propícia estação, fecunddêmo-la com o melhor de nós mesmos/as. Afinal,
a misericórdia de Deus chega até à nossa geração.
“Confio em ti, meu Deus...”
O tempo de Advento nos convida também
a rezar “todo tempo”. Trata-se de encontrar meios para manter e cultivar esta vital abertura ao Deus que veio, que vem e que virá. Sem esta
abertura acabamos enclausurados em nós mesmos/as, avessoas a qualquer esperança
e refratários a toda mudança. Sem esta janela para o amanhã, acabaremos cegos/as
às novidades emergentes e reféns do ontem, partes daquilo que já era, membros
inertes de um corpo morto.
A verdadeira oração não consiste em
apresentar a Deus uma lista de necessidades e caprichos, mas fazer-nos
presentes diante de Deus para conhecer seu mistério e acolher sua vontade. Enquanto
abertura e confiança em Deus, a oração
suscita e sustenta a força que necessitamos para escapar da tentação do consumo
irracional e das relações impessoais. Ela nos mantém de pé diante do Filho
do Homem que vem sobre a vulnerabilidade das nuvens, envolto na fragilidade dos
bebês.
“Progridam
sempre mais no modo de proceder.”
Paulo nos pede carinhosamente que
continuemos crescendo e progredindo em humanidade, que cresçamos no amor mútuo
com todas as pessoas. É assim que agradaremos a Deus e permaneceremos firmes e
irrepreensíveis. O que agrada a Deus não é consumo, nem triunfo ou o sucesso,
mas o crescimento no serviço aos outros. Este é o caminho que Deus ensina aos
pobres e mostra aos justos, respondendo à súplica do salmista. É assim que sua
misericórdia se estende de geração em geração.
Uma vez mais: a verdadeira
preparação para o Natal do Senhor, assim como para nosso crescimento como
pessoas, consiste em simplificar a vida e dar prioridade ao que é essencial, em
criar espaços vazios para acolher o que está para nascer ou para chegar, e não
em muliplicar preces e devoções, em comprar coisas que acabam criando um vazio
que nos enche de tédio.
Deus amável, pai e mãe de todas as misericórdias: iniciamos nossa
caminhada do Advento pedindo que purifiques e direciones nosso olhar, a fim de
que vejamos os múltiplos sinais da tua visita e da tua presença libertadoras.
Que teu Espírito nos guie na verdade e nos faça crescer na santidade e na
justiça, como ocorreu Charles de Foucault no deserto norteafricano (+01/12/1916)
e São Francisco Xavier em sua missão apaixonada sem retorno no Oriente. (+03/12/1552).
Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani
msf
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