quinta-feira, 15 de novembro de 2012

33° Domingo do tempo Comum


Jesus é um profeta que desestabiliza todos os poderes.
(Dn 12,1-3; Sl 15/16; Hb 10,11-18; Mc 13,24-32)
A grandeza e o poder das pessoas e instituições costumam garantir-lhes a submissão dos fracos e granjear-lhes uma admiração que se mantém no tempo. Submissão e admiração, especialmente quando conjugadas com o medo sucitado pela violênia congênita ao poder, geram o mito da invencibilidade: quanto mais poder e grandeza tiver uma entidade, mais estável e imutável será. O cristianismo rejeita este mito amordaçador e afirma que tudo o que parece poderoso e inabalável acaba desabando pela ação libertadora da fé. Quando a esperança abraça a fé e age através do amor, a humanidade renasce das cinzas dos impérios que a aprisionavam. É isso que celebramos no domingo que antecede a festa de Cristo Rei, com a qual concluimos o ano litúrgico. A fragilidade de Jesus servidor suscita nos seus discípulos/as a coragem profética que desestabiliza todos os poderes.
“Será hora de grandes apertos, como jamais houve.”
Parece que a água não está para peixe. A humanidade está em crise, aliás, como sempre. Entretanto, esta crise contínua e habitual que acompanha toda a história, adquire em nosso tempo conotações dramáticas e desorientadoras. Não existem mais referências seguras. Os grandes mitos e narrativas desapareceram. O movimento cultural que prometia luzes acabou cegando e deixando rastros de desumanidade e obscurantismo.
A esperança fez as malas e desertou sem deixar endereço para contatos. Falar de esperança passou a ser  considerado algo anacrônico e ridículo. A história não seria mais que um movimento aleatório e uma sucessão de situações ocasionais, resistente a qualquer projeção e intervenção. Ademais, diz-se que as grandes esperanças cultivadas pela humanidade não fizeram mais que deixar um imenso sabor de frustração e decepção, na exata proporção da ilusão que haviam criado.
Por isso memo, a fuga aparece como a única possibilidade para viver em paz. Os indivíduos fogem da comunidade e das responsabilidades coletivas. Sem esperança de futuro, o presente é um refúgio que oferece uma doce sensação de sabedoria. O tempo foge do nosso controle e parece sempre mais acelerado. Muitos fogem de qualquer responsabilidade pelos danos que comprometem a vida do planeta e das gerações futuras. As coisas mudam numa velocidade estonteante e fogem de qualquer controle. A realidade flui como água, e parece que nada pode ser feito para mudar seu curso.
“Naqueles dias, depois daquela aflição...”
É feito de tribulações o tempo que vivemos. Muitos/as são os/as que se perguntam: é possível que o humano venha a prevalecer? Aquilo que chamamos de humano não passaria de um idealismo vazio ou de uma ideologia enganadora? Ou será que o humano foi possível apenas no passado e suas sementes não podem mais germinar na terra poluída e ressequida do nosso tempo? Não seria o nosso apenas  um tempo de indivíduos solitários na multidão e de consumidores vorazes, destes que negociam o sonho de um mundo novo pelos novos e fugazes lançamentos do mercado?
Receio que as dores deste tempo de tribulação não sejam dores de parto, mas levem apenas a uma dor ainda maior: a exclusão do outro como se fosse concorrente perigoso e nosso próprio inferno; o enclausuramento das pessoas, grupos e nações em si mesmas; a falta de sentido para viver. E o projeto de humanização e de globalização da solidariedade teria sido apenas sonho de uma noite de verão. Os tempos são outros, a realidade é dura, e agora quem pode mais chora menos. Seria esta a lei da sobrevivência, e fora disso não haveria salvação. Este é o comportamento de um ‘povo rebelde’ que não quer ver nem ouvir nada que exija compromisso e mudança.
Mas aqui, de novo e como sempre, aqueles/as que acreditam em Jesus Cristo remam contra a corrente e afirmam que o humano se manifestará, está se manifestando, está já presente no meio de nós. O ‘filho do homem’, aquele que é verdadeira e plenamente humano, está eternamente vindo ao nosso encontro, solicitando abertura, acolhida, esperança, conversão. Sim, a esperança não desertou do meio da humanidade, mas se faz carne em nossa humana carne.
“As potências celestes serão abaladas...”
No evangelho de hoje Jesus usa uma linguagem apocalíptica e parabólica. Sua intenção é chamar a atenção para a mudança, para o processo de nascimento de uma nova ordem social. Não se trata de uma insinuação de que a catástrofe se aproxima e de que o mundo será destruído, nem de um convite ao medo e à fuga diante dos dramas da história. Ao contrário, Jesus convida seus discípulos/as a entrar na história e tomar posição nas lutas inadiáveis que estão sendo travadas.
Sol, lua e estrelas simbolizam os poderes aparentemente sólidos e a ordem que quer passar por indestrutível. Esta solidez é mentirosa, pois o advento do filho do homem, do homem novo, depõe os poderosos dos seus tronos e eleva os humildes; afirma a dignidade dos últimos; faz germinar sementes e florir os desertos; desarticula as forças e arruína as estruturas que criam e mantém a injustiça e a opressão. Mas isso supõe nossa tomada de posição, não ocorre sobre as nossas cabeças.
Jesus nos adverte que o questionamento e o abalo da ordem velha e cambaleante não é tudo. Estes são apenas sinais precursores de que o humano está nascendo, está perto, batendo à porta e pedindo para entrar. E na medida em que ele for acolhido e se tornar senhor e regra da nossa vida, uma nova humanidade nascerá, sem fronteiras nem restrições, “reunindo as pessoas que Deus escolheu, do extremo do céu ao extremo da terra.”
 “Então verão o filho do homem vindo nas nuvens...”
A imagem do sol que se apaga e das estrelas que caem é impressionante e pode nos amedrontar. Consciente disso, Jesus passa do cosmos à flora: acrescenta a parábola da figueira, pedindo que prestemos atenção a sinais mais pequenos e discretos. Nós já sabemos que a figueira cheia de folhas simboliza o templo que, em sua aparente exuberância, é incapaz de produzir frutos para o povo faminto e, por isso, é amaldiçoada e seca (cf. 11,12-14; 20-26). A ordem social baseada no templo exclui e explora os pobres e beneficia os puros e ricos. Esta ordem poderosa deve chegar ao fim para que desponte um outro mundo.
Mas quem provocará esta passagem, quem conduzirá esta revolução? O ‘filho do homem’, o Messias pobre e servidor e seus seguidores/as. Não nos impressionemos com a imagem do “Filho do Homem vindo sobre as nuvens com grande poder e glória”, pois esta não é senão uma referência ao Cristo elevado na cruz, zombado pelos doutores da lei e chefes dos sacerdotes (cf. 15,31-39). No meio da escuridão e no coração da aparente tragédia daquele que se apresentou como filho do homem, o soldado romano reconhece: “De fato, esse homem era mesmo o Filho de Deus” (15,39). No filho do homem fiel e solidário, perseguido e crucificado, resplandece o que é verdadeiramente humano e se revela a glória e o poder de Deus. É a palavra da cruz que jamais passará.
O advento do humano se realiza definitivamente em Jesus Cristo crucificado, em sua solidária fidelidade a todos os seres humanos. É em torno dele que se reúnem as pessoas escolhidas que, tendo-o como cabeça, formam um corpo verdadeiramente humano, capaz de transfigurar a história. Os santos mártires Roque, Afonso e João (+19.11.1628) são membros reconhecidos deste corpo, mas seus companheiros Ignácio Ellacuría, Ignácio Martín, Juan Ramón, Armando, Segundo e Joaquim (+16.11.1989), assim como Zumbi dos Palmares (+20.11.1695) não ficam por menos. No céu claro do novo mundo em gestação, eles empalidecem o sol e são mais estáveis que todos os grandes astros.
“Também meu corpo repousa seguro.”
A alegria e a segurança dos cristãos suscita e sustenta um engajamento profético que não conhece o medo, porque é filho da esperança. A paz que deve nos caracterizar toma distância da passividade e se aproxima da insatisfação com tudo o que é velho, desumano ou infra-humano. E no tenso dinamismo de forçar o advento do humano no mundo, nós mesmos/as vamos sendo gerados/as como novas criaturas, como seres apenas mas plenamente humanos.
Rezemos com o Salmo 15/16, que expressa a fé daqueles/as que pouco contam nas hierarquias e não possuem grandes bens.  “És tu meu Senhor, fora de ti não tenho bem algum. O senhor é minha herança e meu cálice. Sempre coloco à minha frente o Senhor, ele está à minha direita, não vacilo. Disso se alegra meu coração, exulta a minha alma; também meu corpo repousa seguro.”
Pe. Itacir Brassiani msf

Nenhum comentário: