sábado, 17 de novembro de 2012

A fé e a missão como compaixão


A dignidade dos últimos como meta

Pe. José Antonio Pagola


Viver a partir da compaixão é uma mensagem que desafiava todos/as. Os hebreus estavam acostumados a viver a partir dos princípios religiosos. Jesus se defrontou com uma religião – a de Moisés – que tinha vinte séculos de história e que havia modelado todos os grupos, a espiritualidade do templo e muitos dogmas que ele, a partir da compaixão, vai diluindo pouco a pouco. A eleição de Israel fazia os hebreus sentirem-se o povo eleito, o umbigo da terra. Pensavam que quando chegasse, o Messias de Deus libertaria o povo hebreu e exterminaria o povo romano. “Quando vier o Messias, destruirá os pecadores e salvará os santos...”

Mas Jesus chega chamando todos a viver a dinâmica do Reino de Deus, que compreende uma vida mais digna e mais feliz para todos, começando pelos últimos. Jesus diz que é preciso aprender a viver numa outra perspectiva, a partir da compaixão com aqueles/as que sofrem, a partir da defesa dos últimos, acolhendo incondicionalmente a todos/as, defendendo a dignidade de toda pessoa humana.

Buscai o Reino de Deus

Se lemos os evangelhos nesta chave, veremos que Jesus não está preocupado em organizar uma religião como as demais, obcecado com leis e regras que tornariam a liturgia e os sacrifícios mais solenes e mais dignos, mas chama todos/as a acolher este Deus compassivo e a criar uma sociedade nova, voltada aos últimos. E isso foi uma verdadeira revolução.

Para os hebreus estava muito claro: Deus interviria para destruir os inimigos e aniquilar os ímpios. Mas Jesus chega e surpreende a todos/as, porque não se coloca do lado do povo eleito e contra os romanos. Para ele, o Reino de Deus não se constrói destruindo os povos e impondo o domínio de um sobre os outros. Todos esperavam um Messias – ou a vinda de Deus, segundo outras versões – que viria para salvar os justos e destruir os pecadores. Mas Jesus se aproxima dos pecadores e os acolhe em sua mesa!...

Assim Jesus ensina que o Reino de Deus não consiste na vitória dos bons para fazer com que os maus paguem seus pecados. Ele chama todos/as à conversão e a viver voltados aos últimos, às pessoas mais necessitadas, indefesas e esquecidas. E começa a usar uma linguagem provocativa: as bem-aventuranças. As bem-aventuranças não são uma longa lista de saudações que Jesus pronunciou numa tarde em que estava inspirado, mas são gritos que Jesus eleva em diferentes momentos da sua vida e que as comunidades cristãs recolheram e juntaram para facilitar a catequese.

Bem-aventurados, felizes

Quero recordar aqui as três bem-aventuranças que todos os estudiosos afirmam que vêm do pensamento e da boca de Jesus. Quando Jesus vê aquela gente, os camponeses da Galiléia que vão perdendo a terra, pressionados pelas dívidas e pelos impostos, lhes diz: “Felizes vocês, os que não têm nada, os pobres e indigentes, porque vocês têm Deus como rei! O Reino de Deus pertence a vocês! O reino da bondade, da compaixão e da justiça pertence, antes de qualquer outro, a vocês!”

Jesus vê que eles têm fome, vê as crianças nas ruas e estradas, vê a fome das mulheres, e lhes diz: “Felizes vocês que estão passando fome, porque Deus quer que vocês sejam saciados/as. Um dia vocês o verão, e serão os/as primeiros/as!”

Jesus observa as lágrimas daqueles camponeses sem-terra. O mais dolorido para aquela gente era não ter conseguido defender suas terras, ou, quando estavam colhendo, ver os arrecadadores de impostos chegando de Séforis, escoltados por pequenas tropas, para levar a melhor parte. E Jesus diz: “Felizes vocês que agora choram, porque um dia poderão rir, um dia Deus os fará felizes!”

Olhar o mundo com o olhar de Deus

Jesus falava com toda convicção. Todos temos que aprender a olhar para eles. O que Jesus diz poderia ser traduzido da seguinte forma: “Aqueles/as que não interessam a ninguém são os/as que mais interessam a Deus. Aqueles/as que sobram nos impérios construídos pelos homens, os excluídos, são os que Deus acolhe. Aqueles/as que estão mais esquecidos/as e indefesos/as são os/as que, mais que ninguém, têm Deus como defensor e pai.” Jesus é muito realista. Ele não imagina que a fome e as lágrimas vão desaperecer da Galiléia num toque de mágica. O que Jesus faz é afirmar a dignidade indestrutível de todas as vítimas de abusos e injustiças.

Observemos como deveríamos aprender a olhar a vida. Para Deus, o Deus compassivo, todas estas pessoas que nos incomodam porque nos pedem – as que vivem nas ruas, as abandonadas, as que não têm teto – são as primeiras e mais importantes. E isso quer dizer que Jesus dá à dingidade delas uma seriedade absoluta. Em nenhum lugar estamos construindo bem a vida se não olhamos para os últimos. A Espanha não vai bem, a Europa não vai bem enquanto buscam apenas seus próprios interesses e produzem cada vez mais milhões de famintos no mundo.

E nenhuma religião será abençoada por Deus se não for uma religião compassiva. A compaixão nos faz olhar para os últimos. A maior herança deixada por Jesus, aquela que não só os crentes mas também os não crentes reconhecem e valorizam em Jesus é esta: acolher o Reino de Deus significa chamar todas as religiões – não só o cristianismo! – as culturas e as políticas a olhar antes e acima de tudo para os últimos.

Mudança e conversão

Creio que isso nos pede novas atitudes, entre as quais destaco duas. Primeiro, creio de devemos aprender a viver mudando, e não repetindo. Isso significa: aprender a deixar de lado aquilo que não evangeliza mais, aquilo que não abre caminhos ao Reino de Deus; dar mais atenção ao que está nascendo, àquilo que abre os corações dos homens e mulheres de hoje à boa notícia do Reino de Deus. Assim, mesmo sem darmo-nos conta, estamos abandonando as formas de pastoral e de evangelização pensadas para uma situação de cristandade que há tempos não existe mais. Certamente estaremos dando passos rumo a uma fé nova. Aprender a viver dando passos e não simplesmente esperando o fim para ver quem será o último a sair, aquele que apagará a luz.

Em segundo lugar, devemos pouco a pouco aprender a dar uma forma à mudança. Eu conheço alguns ambientes onde é possível experimentar novas linguagens para comunicar a boa notícia de Deus. Conheço ambientes onde se pode começar a dialogar com as pessoas mais afastadas. Hoje é muito difícil estabelecer fronteiras. Quem está dentro? Quem está fora? Quem crê? Quem não crê? Eu me movimento dentro de grupos de ‘buscadores’, grupos de pessoas que me dizem: “José Antonio, isso que eu vivo, será fé?”

O que significa crer? O povo anda muito perdido, e temos que dialogar, temos que encontrar e reconhecer a ‘pequena fé’ que cada pessoa tem. Creio que em momentos como este temos que dedicar muito mais tempo, muito mais oração, muito mais escuta do Evangelho, muito mais atenção e energias para escutar novos chamados, carismas novos, vocações novas, caminhos novos de conversão.

No começo tudo é muito frágil, tudo é muito pequeno. Nós temos a sorte de poder semear sem ver a colheita. É uma frustração semear e não colher? No Evangelho temos apenas a parábola do semeador, não aquela que desejaríamos, a parábola do colhedor...

Não nos defendamos se muitas vezes o mundo atual nos critica e pisa. Isso acontece porque, ao menos em parte, o mundo não encontra naquilo que oferecemos como sal o sabor que necessita para crer na boa notícia de Jesus Cristo. Eu creio que o mais importante é continuar caminhando, como diz a carta aos Hebreus, “com os olhos fixos em Jesus, que é o iniciador e o consumador da nossa fé”.

Fragmento de uma conferência apresentada em 2005, na Faculdade de Teologia da Universidade de Cantabria. Trechos selecionados pelo grupo Promotori di Giustizia, Pace e Integrità del Creato (USG/UISG).  
Tradução do espanhol e subtítulos: Itacir Brassiani msf

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