Lídia: uma mulher sem
barreiras
Embarcamos em Trôade e navegamos diretamente para a ilha de Samotrácia.
No dia seguinte, ancoramos em Neápolis, de
onde passamos para Filipos, que é uma das principais cidades da Macedônia, e
que tem direitos de colônia romana. Passamos alguns dias nessa cidade.
No sábado, saímos além da porta da cidade para um lugar junto ao rio,
onde nos parecia haver oração. Sentamo-nos e começamos a falar com as mulheres
que estavam aí reunidas.
Uma delas se chamava Lídia; era comerciante de púrpura, da cidade de
Tiatira. Lídia acreditava em Deus e escutava com atenção. O Senhor abrira o seu
coração para que aderisse às palavras de Paulo.
Após ter sido batizada, assim como toda a sua família, ela nos convidou:
"Se vocês me consideram fiel ao Senhor, permaneçam em minha casa." E
nos forçou a aceitar. (At 16,11-15)
Talvez você carregasse no próprio
nome a memória da terra de onde vinha (a Lídia), que descia montanhosa e
verdejante em direção ao mar Egeu, na Ásia
Menor. Na sua cidade natal, Tiatira, a maioria do povo estava envolvido com os tecidos
de púrpura. Você fazia parte desse coletivo: vendia púrpura no exterior, na
cidade grega de Filipos. Os romanos de Filipos eram loucos pelo seu precioso produto...
Um belo trabalho! Tanto é verdade que você era proprietária de uma casa, que
não era das mais pequenas...
Mas as coisas vistosas não
fascinavam você, Lidia. Você preferiu o grande Deus honrado, mesmo sem templos,
aos grandes deusess gregos e romanos e aos seus templos imponentes. Para rezar,
você se reunia com outras mulheres da cidade nas margens do rio. Não sabemos se
os homens também rezavam nas proximidades.
Naquele sábado, às margens do
rio, Paulo, Timóteo e Silas encontraram você. Não era normal acolhê-los em
casa, pois, além de estrangeiros, eram homens... Mas você sabia por experiência
o que significa ser hóspede noutras terras. Você os convidou a sentar e escutou
Paulo, pois foi ele quem tomou a palavra. O Deus de Abraão e Sara havia dado a
eles o Descendente prometido, no qual todos os povos seriam abençoados: e seu
nome é Jesus. E o mesmo Deus o havia confirmado, ressuscitando-o dentre os
mortos.
Que mensagem extraordinária!
As palavras entravam nos seus ouvidos, atravessavam a mente e desciam
diretamente a coração, que consentia e vibrava numa alegre e íntima certeza.
Não era um simples homem quem realizava tudo isso. Você sentia a passagem de
Deus. Habituada a identificar os momentos e lugares propícios para os negócios,
a hora da graça, você compreendeu que essa era a oportunidade da sua
vida. Bastava acreditar, aderir, colar sua vida àquela Palavra para sempre.
Foi um dia extraordinário.
Você voltou para casa correndo e anunciou a todos. E eis que a água e o nome do
Deus da vida – Pai, Filho e Espírito Santo! – selaram a vida nova que já
germinava em você. A sua casa se tornou igreja. Você se tornou igreja!
Aquilo que aconteceu depois é
aquilo que as mulheres sabem fazer muito bem: fazer mudar de idéia. Paulo não
queria ser retido por ninguém. Não queria dar nem mesmo a mínima impressão de
que esperava qualquer recompensa. Se aceitou ser seu hóspede é porque foi
convencido pela sua calorosa acolhida. Você acolheu Paulo na sua casa, e
restaurou as forças daquele apóstolo cansado das viagens.
Depois disso, nada mais
sabemos de você, Lídia, nem da sua família e das suas companheiras à beira do
rio. Mais tarde, escrevendo aos filipenses, Paulo recorda Evódia e Síntique
(cfe. Fil 4,2-3), que haviam combatido com ele pelo Evangelho. Elas estavam com
você à beira do rio, naquele dia? Não é preciso dizer que, em Filipos, vocês,
as mulheres, eram emancipadas! A Igreja da Europa nasceu de vocês: na escuta,
crente, acolhedora.
Lançando hoje um olhar sobre
nós, você compreenderá que a Igreja da Europa (mas não só) necessita de uma
mão. Temos necessidade de ouvidos como os seus para escutar a novidade de Deus,
quem sabe hoje anunciada por um/a estrangeiro/a! Diante das tentadoras
propostas que ignoram o grito dos pobres, temos necessidade da sua adesão sem mas nem porém ao Evangelho. Temos necessidade dessa coragem de acolher – no
cotidiano da nossa vida e nas opções da Igreja, da política e da economia – uma
grande parte da humanidade, que ajudamos a fazer tão sofrida.
Você, Lídia, a quem a Palavra
chegou como um rio na cheia e foi acolhida generosamente, pede que caiam as
barreiras que em nós separam a escuta da acolhida e a acolhida e da vivência.
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