PT tem obrigação política e moral de reagir
ao STF
O ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação
Penal 470, praticamente concluiu sua tarefa como relator, às vésperas de
assumir a presidência do STF, com um burlesco golpe de mão. Aparentemente para
permitir que Ayres Britto pudesse votar na dosimetria dos dirigentes petistas,
subverteu a ordem do dia e antecipou decisão sobre José Dirceu, José Genoíno e
Delúbio Soares. Apenas a voz de Ricardo Lewandovski se fez ouvir, em protesto à
enésima manobra de um julgamento marcado por arbitrariedades e atropelos.
Talvez em nenhum outro momento de nossa
história, ao menos em períodos democráticos, o país se viu enredado em tamanha
fraude jurídica. Do começo ao fim do processo, o que se viu foi uma sucessão de
atos que violaram direitos constitucionais e a própria jurisprudência do
tribunal. A maioria dos ministros, por opção ideológica ou mera covardia,
rendeu-se à sentença prescrita pelo baronato midiático desde que veio à tona o
chamado “mensalão”.
Os arroubos de Roberto Jefferson, logo
abraçados pela imprensa tradicional e parte do sistema judiciário, serviram de
pretexto para ofensiva contra o governo Lula, o Partido dos Trabalhadores e a
esquerda. José Dirceu e seus companheiros não foram julgados por seus eventuais
malfeitos, mas porque representam a geração histórica da resistência à
ditadura, da ascensão política dos pobres e da conquista do governo pelo campo
progressista.
Derrotadas nas urnas, mas ainda mantendo sob
seu controle os poderes fáticos da república, as elites transitaram da disputa
político-eleitoral para a criminalização do projeto liderado pelos petistas.
Com a mesma desfaçatez de quando procuravam os quartéis, dessa vez recorreram
às cortes. Agora, como antes, articuladas por um enorme aparato de comunicação
cujo monopólio é exercido por umas poucas famílias.
O STF, nessas circunstâncias, resolveu
trilhar o caminho de suas piores tradições. Seus integrantes, majoritariamente,
alinharam-se aos exemplos fornecidos pela extradição de Olga Benário para a
Alemanha nazista, pela cassação do registro comunista em 1945 e pelo
reconhecimento do golpe militar de 1964. Como nesses outros casos, rasgaram a
Constituição para servir ao ódio de classe contra forças que, mesmo
timidamente, ameaçam o jugo secular das oligarquias pátrias.
Garantias internacionais, como a
possibilidade do duplo grau de jurisdição, foram desconsideradas desde o
primeiro instante. Provas e testemunhos a favor dos réus terminaram desprezados
em abundância e sem pudor, enquanto simples indícios ou ilações eram tratados
como inapeláveis elementos comprobatórios. Uma teoria presidiu o julgamento, a
do domínio funcional dos fatos, aplicada ao gosto do objetivo inquisitorial.
Através dessa doutrina, réus poderiam ser condenados pelo papel que exerciam,
sem que estivesse cabalmente demonstrados ação ou mando.
O que interessava, afinal, era forjar a
narrativa de que o PT e o governo construíram maioria parlamentar através da
compra de votos e do desvio de dinheiro público, sob a responsabilidade direta
de seus mais graduados líderes. As contra-provas que rechaçam supostos fatos
criminosos e sua autoria, fartamente apresentadas pela defesa, simplesmente
foram ignoradas em um julgamento por encomenda.
Enganam-se aqueles que apostam em qualificar
este processo como um problema de militantes petistas, quem sabe, injustamente
condenados. José Dirceu e seus pares não foram sentenciados como indivíduos,
mas porque expressavam a fórmula para colocar o PT e o presidente Lula no banco
dos réus. Os discursos dos ministros Marco Aurélio de Mello, Ayres Britto e Celso
de Melo não deixam dúvida disso. Não hesitaram em pisar na própria Constituição
para cumprir seu objetivo.
Mesmo que eleitoralmente o procedimento venha
se revelando relativamente frágil frente ao apoio popular às mudanças iniciadas
em 2003, não podem ser subestimados seus efeitos. As forças conservadoras
fizeram, dessa ação penal, plataforma estratégica para desgastar a autoridade
do PT, fortalecer o poder judiciário perante as instituições conformadas pela
soberania popular e relegitimar a função da velha mídia como procuradora moral
da nação.
O silêncio diante desta agressão facilitaria
as intenções de seus operadores, que se movimentam para manter sob sua
hegemonia casamatas fundamentais do Estado e da sociedade. Reagir à decisão da
corte suprema, porém, não é apenas ou principalmente questão de solidariedade a
réus apenados de maneira injusta. A capacidade e a disposição de enfrentar essa
pantomima jurídica poderão ser essenciais para o PT e a esquerda avançarem em
seu projeto histórico.
Breno Altman
(Diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel)
(http://correiodobrasil.com.br,
acessado em 15/11/12)
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