sábado, 3 de novembro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (15)


A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

Haiti: a fome fabricada pelo FMI.
“O Haiti é atualmente o país mais miserável da América Latina e o terceiro país mais pobre do mundo. O arroz é a alimentação básica do povo haitiano. Até o início dos anos 80 o Haiti era autosuficiente em arroz. Trabalhando sobre terraços e planícies irrigadas, os agricultores nativos estavam protegidos do dumping estrangeiro por um muro invisível: uma taxa de 30% sobre a importação de arroz.

Mas, no curso dos anos 1980, o Haiti teve que aceitar dois ‘planos de ajustamento estrutural’. Sob a batuta do FMI, a tarifa sobre a importação caiu para 3%. Fortemente subvencionado por Washington, o arroz norteamericano então invadiu as cidades e vilas haitianas, destruindo a produção nacional e, consequentemente, a vida de centenas de milhares de cultivadores de arroz.

Entre 1985 e 2004, as importações de arroz estrangeiro do Haiti, basicamente norteamericano e cuja produção é pesadamente subvencionada pelo governo, passaram de 15.000 a 350.000 toneladas/ano. Ao mesmo tempo, a produção local de arroz caiu drasticamente, passando de 124.000 a 73.000 toneladas/ano.

A partir do início do ano 2000, o governo haitiano teve que gastar mais de 80% das suas magras receitas com a importação de alimentos. E a destruição da rizicultura também provocou um êxodo rural massivo. O superpovoamento de Porto Príncipe e de outras grandes cidades do país trouxe como consequência o caos nos serviços públicos.

Em resumo, toda a sociedade haitiana foi abalada, enfraquecida, e, sob o efeito desta política neoliberal, se tornou ainda mais vulnerável que antes. O Haiti se tornou um Estado mendicante, subordinando-se à lei do estrangeiro. Golpes de Estado e crises sociais então se sucederam ao longo dos 20 anos seguintes.

Em tempos normais, 9 milhões de haitianos consomem 320.000 toneladas de arroz por ano. Desde que, em 2008, os preços do arroz triplicaram no mercado internacional, o governo não teve mais condições de importar a quantidade suficiente de arroz. E então a fome começou a destruir na costa da Cidade do Sol.” (p. 181-182).

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