A ONU incluiu o direito à
alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta
por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos
sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e
reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator
especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora
Seuil (Paris).
Haiti: a fome fabricada pelo FMI.
“O Haiti é atualmente o país mais miserável da América
Latina e o terceiro país mais pobre do mundo. O arroz é a alimentação básica do
povo haitiano. Até o início dos anos 80 o Haiti era autosuficiente em arroz. Trabalhando
sobre terraços e planícies irrigadas, os agricultores nativos estavam
protegidos do dumping estrangeiro por
um muro invisível: uma taxa de 30% sobre a importação de arroz.
Mas, no curso dos anos 1980, o Haiti teve que aceitar
dois ‘planos de ajustamento estrutural’. Sob a batuta do FMI, a tarifa sobre a
importação caiu para 3%. Fortemente subvencionado por Washington, o arroz
norteamericano então invadiu as cidades e vilas haitianas, destruindo a
produção nacional e, consequentemente, a vida de centenas de milhares de
cultivadores de arroz.
Entre 1985 e 2004, as importações de arroz estrangeiro
do Haiti, basicamente norteamericano e cuja produção é pesadamente
subvencionada pelo governo, passaram de 15.000 a 350.000 toneladas/ano. Ao
mesmo tempo, a produção local de arroz caiu drasticamente, passando de 124.000
a 73.000 toneladas/ano.
A partir do início do ano 2000, o governo haitiano
teve que gastar mais de 80% das suas magras receitas com a importação de
alimentos. E a destruição da rizicultura também provocou um êxodo rural
massivo. O superpovoamento de Porto Príncipe e de outras grandes cidades do
país trouxe como consequência o caos nos serviços públicos.
Em resumo, toda a sociedade haitiana foi abalada,
enfraquecida, e, sob o efeito desta política neoliberal, se tornou ainda mais
vulnerável que antes. O Haiti se tornou um Estado
mendicante, subordinando-se à lei do estrangeiro. Golpes de Estado e crises
sociais então se sucederam ao longo dos 20 anos seguintes.
Em tempos normais, 9 milhões de haitianos consomem
320.000 toneladas de arroz por ano. Desde que, em 2008, os preços do arroz
triplicaram no mercado internacional, o governo não teve mais condições de
importar a quantidade suficiente de arroz. E então a fome começou a destruir na
costa da Cidade do Sol.” (p. 181-182).
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