segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (21)


A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).


Fiat panis... sem recursos!?

A FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations) foi fundada em outubro de 1946, menos de dois anos depois da fundação da ONU. Atualmente, 191 países são membros. Inspirada pelo brasileiro Josué de Castro e instalada num suntuoso edifício construído por Mussolini, em cuja entrada lê-se a frase fiat panis (para todos, subentende-se), a FAO nasceu com objetivos no mínimo ambiciosos.

Entre seus objetivos estão: a) organizar, reunir, interpretar e difundir conhecimentos relativos à alimentação, à nutrição e à agricultura; b) melhorar, encorajar e recomendar ações nacionais e internacionais em torno da pesquisa científica, social, econômica e tecnológica no campo da alimentação, nutrição e agricultura; c) instituir sistemas satisfatórios de crédito agrícola em âmbito nacional e internacional; d)desenvolver uma política internacional de produtos agrícolas.

Mas hoje a política agrícola mundial, particularmente a questão da segurança alimentar, é determinada pelo Banco Mundial, pelo FMI e pela OMC. A FAO está simplesmente ausente deste violento campo de batalha por uma razão muito simples: está institucionalmente esgotada e fragililizada. A FAO é uma organização interestatal, e as empresas multinacionais, que controlam o essencial do mercado agroalimentar, a combatem frontalmente.

As empresas agroalimentares multinacionais gozam de uma influência muito poderosa sobre os principais governos ocidentais. Consequentemente, os governantes não se interessam pela FAO, restringem sempre mais seu orçamento e boicotam sistematicamente as Conferências mundiais sobre a segurança alimentar.

Além disso, em torno de 70% dos parcos recursos da FAO são hoje consumidos pelo pagamento de funcionários (que são 1.800, a maioria dos quais lotados na sede, em Roma). Dos 30% restantes do orçamento, 15% é queimado no pagamento de uma nuvem de consultores exteriores e apenas 15% vai para o financiamento da cooperação técnica, do desenvolvimento da agricultura do Sul e da luta contra a fome. Além disso, em 2010, o orçamento da FAO era de 349 milhões de dólares, mil vezes inferior aos 349 bilhões de dólares empregados pelos países mais industrializados para subsidiar a produção e a exportação dos seus produtos.

Segundo Graham Hancock, a FAO não passa hoje de uma gigantesca burocracia que não faz outra coisa que administrar a pobreza, a subalimentação e a fome. O que resta do projeto original “é uma instituição que se perdeu pelo caminho, traiu sua missão fundacional, tem apenas uma confusa idéia do seu lugar no mundo e não sabe mais o que faz e por quê o faz” (citado por Ziegler, p. 233). O pessoal que a dirige faz exatamente o contrário do que propunha o projeto inicial concebido por Josué de Castro. (p. 231-238).

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