A ONU incluiu o direito à
alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta
por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves
textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São
informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente
livro Destruction massive. Géopolitique de la
faim, de Jean
Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora
Seuil (Paris).
Fiat panis... sem recursos!?
A FAO (Food and Agriculture Organization of the United
Nations) foi fundada em outubro de 1946, menos de dois anos
depois da fundação da ONU. Atualmente, 191 países são membros. Inspirada pelo
brasileiro Josué de Castro e instalada num suntuoso edifício construído por
Mussolini, em cuja entrada lê-se a frase fiat
panis (para todos, subentende-se), a FAO nasceu com objetivos no mínimo
ambiciosos.
Entre seus objetivos estão: a) organizar, reunir, interpretar e difundir conhecimentos relativos à alimentação, à
nutrição e à agricultura; b) melhorar, encorajar e recomendar ações nacionais e internacionais em
torno da pesquisa científica, social, econômica e tecnológica no campo da
alimentação, nutrição e agricultura; c) instituir sistemas satisfatórios de crédito agrícola em âmbito nacional e
internacional; d)desenvolver uma política
internacional de produtos agrícolas.
Mas hoje a política agrícola mundial, particularmente a questão da
segurança alimentar, é determinada pelo Banco
Mundial, pelo FMI e pela OMC. A FAO está simplesmente ausente deste
violento campo de batalha por uma razão muito simples: está institucionalmente esgotada
e fragililizada. A FAO é uma organização interestatal, e as empresas
multinacionais, que controlam o essencial do mercado agroalimentar, a combatem
frontalmente.
As empresas agroalimentares multinacionais gozam de uma influência muito
poderosa sobre os principais governos ocidentais. Consequentemente, os governantes não se interessam
pela FAO, restringem sempre mais seu orçamento e boicotam sistematicamente as Conferências
mundiais sobre a segurança alimentar.
Além disso, em torno de 70% dos parcos recursos da FAO
são hoje consumidos pelo pagamento de funcionários (que são 1.800, a maioria
dos quais lotados na sede, em Roma). Dos 30% restantes do orçamento, 15% é
queimado no pagamento de uma nuvem de consultores exteriores e apenas 15% vai para o financiamento da
cooperação técnica, do desenvolvimento da agricultura do Sul e da luta contra a
fome. Além disso, em 2010, o orçamento da FAO era de 349
milhões de dólares, mil vezes inferior
aos 349 bilhões de dólares empregados pelos países mais industrializados para
subsidiar a produção e a exportação dos seus produtos.
Segundo Graham Hancock, a FAO não passa hoje de uma gigantesca burocracia que não faz outra coisa que administrar a
pobreza, a subalimentação e a fome. O que resta do projeto original “é uma
instituição que se perdeu pelo caminho, traiu sua missão fundacional, tem
apenas uma confusa idéia do seu lugar no mundo e não sabe mais o que faz e por
quê o faz” (citado por Ziegler, p. 233). O pessoal que a dirige faz exatamente
o contrário do que propunha o projeto inicial concebido por Josué de Castro. (p.
231-238).
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