quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Debate: encontro pessoal com Jesus Cristo


Tudo parte do encontro pessoal com Jesus Cristo?

Se coloco uma interrogação no final da frase acima não estou insinuando uma dúvida. Quero apenas suscitar uma rfelexão. De um certo tempo para cá esta frase, em tom afirmativo e alçada ao nível de princípio absolutamente fundamental, vem aparecendo reiteradamente nos discursos oficiais dos homens que dirigem a Igreja e ensinam oficialmente. Bento XVI e o Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização a repetiram à exaustão.

Confesso que a referência a este princípio e sua citação como se fosse um refrão e uma solução mágica para todos os probelmas me inquieta. Minha preocupação se localiza em duas questões: O que esta afirmação pretende desautorizar ou contestar? Qual é o conteúdo concreto que se subentende nesse encontro pessoal com Jesus Cristo?

Penso que esta afirmação é justa quando se opõe a um tipo de vida cristã que se resume num conjunto de idéias gerais sobre Deus ou na aceitação de um código complexo e pesado de normas morais, inspiradas numa visão pessimista e fragmentada da pessoa humana e do mundo. De tais estilos de vida cristã nada se pode esperar em termos de humanização e de evangelização do mundo contemporâneo.

Mas não posso concordar quando com esta afirmação o que se pretende é limitar ou eliminar o componente histórico da fé em Jesus Cristo. Suspeito que é isso que muitos ‘mestres e doutores’ pretendem com a repetição deste refrão. Os cristãos deveriam, pensam eles, se afastar dos projetos de transformação social, ou pelo menos relativizá-los substancialmente, pois a vida cristã se resolveria num encontro que ocorre no coração da pessoa humana ou na liturgia celebrada nos templos. Em definitivo: tudo se resumiria no encontro pessoal com Jesus, independentemente do engajamento no mundo à luz da solidariedade com as pessoas oprimidas ou marginalizadas.

Não sei como isso possa ser possível. Basta pensar um pouco naquilo que estamos celebrando nestes dias. Vou a Belém e encontro Deus na vulnerabilidade de um bebê, abrigado numa estrebaria. Vou a Nazaré e encontro Jesus trabalhando como carpinteiro e crescendo em todos os sentidos. Vou ao rio Jordão e vejo Jesus como ‘mais um’ na fila dos pecadores desejosos de endireitar caminhos. Voi à Galiléia e me dou com Jesus acolhendo pecadores, doentes e marginalizados e festejando com eles a graça libertadora ou a libertação gratuíta patrocinada por Deus.

Por mais que tente, não consigo encontrar Jesus Cristo senão em sua gloriosa presença na humanidade, não obstante nossas próprias e insuperáveis ambiguidades. Abro o santo livro e ele me diz que o Divino Verbo se fez carne humana e armou nela a tenda definitiva da sua presença. Aguço minha atenção e descubro que Maria e José, os Pastores, os Magos, Simeão e Ana me convidam a encontrar Cristo neste Jesus, tão humano como ninguém, frágil como todos/as nós. A mesma coisa me dizem os evangelistas e os discípulos e discípulas da primeira hora. Paulo não faz outra coisa que anunciar e testemunhar que em Jesus, nascido de mulher e assassinado na cruz, brilhou apareceu a filantropia de Deus e nele Deus se mostrou tal como é.

Mesmo quando me refugio no templo ou na capela, quando celebro o mistério eucarístico, não consigo me descolar dessa realidade. A grandeza do pão está na sua pequenez e naquilo que ele recorda e faz presente: a execução violenta de Jesus sob as autoridades judaicas e romanas e, concomitantemente,  o dom radical e absoluto que ele faz de si ao recusar-se a salvar a própria pele. Um dom nada romântico, pois ninguém conseguiu calar o grito desesperado que ele lança no escuro, do alto da cruz. Neste homem feito pedra rejeitada os cristãos encontram o Cristo esperado. Nesta criatura executada como bode expiatório alguns pagãos reconhecem o filho de Deus.

Sim, tudo parte do encontro pessoal com Cristo em Jesus de Nazaré. E isso quer dizer: ninguém encontrará o Deus verdadeiro fora da humanidade, especialmente da humanidade ferida e rejeitada; ninguém poderá anunciar o Evangelho ignorando e fazendo menos desse núcleo fundamental da fé cristã; a promoção humana e o engajamento na transformação do mundo são constantes e não apenas variáveis da evangelização. O resto deriva disso, e, com todo respeito, é secundário.

Itacir Brassiani msf

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