segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O acesso à água é um direito humano!


Água, um elemento essencial para a vida


Esta afirmação é também o título de um recente e interessante documento do Pontifício Conselho de Justiça e Paz (PCJP), publicado aos  18 de março de 2012. Mas não se trata de uma afirmação de caráter moral carente de maior fundamentação teórica ou política. Em 2010 a ONU reconheceu o acesso àgua como direito humano pleno e essencial para o exercício do direito à vida e de todos os direitos humanos.

Embora a grande imprensa prefira abordar quase que exclusivamente a crise financeira, o acesso à água de qualidade, com regularidade e em quantidade suficiente, é um problema que atinge a metade da humanidade. Aproximadamente 1,9 bilhão de pessoas só têm acesso a água insalubre e 3,4 bilhões utilizam água de qualidade duvidosa (84% desta multidão vive na zona rural). Apenas 50% da população mundial tem acesso à água potável em quantidade suficiente.

O que se constata é o crescimento da demanda global de água, especialmente para a produção de bens de consumo e, por outro lado, a carência e a diminuição crescente de disponibilidade, inclusive por causa da poluição irresponsável. Ao mesmo tempo, o processo de aquecimento global e as consequentes catástrofes climáticas (nada naturais) coloca em risco os poucos recursos hídricos ainda disponíveis. Isso torna a questão da segurança e da sustentabilidade dos recursos hídricos uma tarefa urgente.

O PCJP alerta para os riscos da hegemonia de uma visão mercantilista, que tende a reduzir a água a uma questão comercial. “O caráter essencial da água para a existência humana obriga a considerá-la não como um bem comercial qualquer” (p. 27-28). Uma visão exclusivamente mercantil levaria a investimentos que garantem a água apenas à parte da população que pode pagar pelo seu consumo. A água é um bem social (comum), ambiental e econômico. Infelizmente, alguns Estados toleram ou promovem iniciativas lesivas ao direito de acesso à água dos seus próprios cidadãos.

Por isso, este organismo da Igreja pede que o direito humano à água seja reconhecido, tutelado e promovido pela ONU e por todos os Estados-membro. Como primeiros responsáveis, cabe aos Estados nacionais definir critérios de qualidade e de quantidade para o consumo de cada sujeito, assim como as instituições responsáveis pela efetivação desse direito. E isso requer marcos legais que definam claramente este direito e são as circunstâncias nas quais é possível denunciar o desrespeito e pedir reparação (cf. p. 29).

O PCJP sublinha que o problema do acesso universal à água é urgente, e a comunidade internacional não pode se resumir a declarações de intenções ou a estudos exaustivos. Por isso, apresenta algumas soluções sustentáveis e possíveis para este drama de amplitude global. E a primeira proposta é a criação de estruturas ou de uma ‘governance’ verdadeiramente internacional e superpartes. A esta ‘autoridade mundial’ caberia: assegurar a destinação dos bens comuns da humanidade; coordenar e orientar atividades que valorizam a água como bem comum mundial; favorecer iniciativas de cooperação para limitar e deminuir a poluição da água e a corrupção na sua gestão; garantir o primado da política sobre a economia.

A segunda proposta é o desenvolvimento de uma verdadeira política da água como bem comum, estabelecendo e tutelando esse direito e evitando que a água seja tratada como mera mercadoria. Para tanto, são necessárias legislações e estruturas a serviço da realização e da exigibilidade desse direito.

Além de resgtar a primazia da política sobre a economia, revertendo a atual primazia da economia financeira sobre a política, é necessário que a política recupere seu escopo de servir a sociedade civil. Além disso, “a sociedade civil tem a última responsabilidade pelos cidadãos, de forma que quando a comunidade política não cumpre sua responsabilidade, a sociedade civil deve mobilizar-se para que isso aconteça” (p. 47). Por sua vez, a sociedade civil precisa entender que a questão da água tem muito a ver com ela.

Finalmente, o Pontifício Conselho Justiça e Paz propõe algumas atitudes no âmbito pessoal e social, partindo do princípio de que, “numa sociedade que tem como objetivo um desenvolvimento sustentável e inclusivo, todos são chamados a viver com sobriedade e justiça” (p. 47). O consumo sóbrio e responsável da água é muito importante, pois a água é um bem que tem caráter sistêmico em escala mundial, de modo que aquilo que é feito, mesmo numa parte isolada do planeta, tem consequências globais.

Em relação ao princípio da justiça, é preciso lutar pela divisão justa dos investimentos necessários ao desenvolvimento e à promoção do direito humano água. Mas o PCJP propõe também a busca de formas inovativas de financiamento dos projetos que garantam o acesso universal ao bem comum da água, como a instituição de uma taxa sobre as transações financeiras. Finalmente, o princípio da justiça pede também a individuação dos danos causados ao bem da água e côrtes de justiça habilitadas para impor sanções aos culpados.

A posição da Sanda Sé externada no Fórum Mundial da Água de Instambul (2009), termina com um apelo contundente: “Bilhões de pessoas ainda não têm água em quantidade ou qualidade suficiente para uma vida digna, segura e confortável. [...] Recordando o dever de solidariedade, (a Sanda Sé) espera que os compromissos assumidos sejam respeitados e que sejam adotadas soluções sustentáveis e urgentes, com atenção particular às pessoas mais vulneráveis e às gerações futuras” (p. 52).
Itacir Brassiani msf

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