quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (31)


A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

A cumplicidade dos Estados ocidentais.

Os ideólogos do Banco Mundial são infinitamente mais perigosos que os conselheiros e executivos das multinacionais agroalimentares. A golpes de centenas de milhões de dólares em créditos e subsídios, o Banco Mundial financia o roubo de terras cultiváveis na África, na Ásia e na América Latina.

Para a África, estes ideólogos elaboraram a seguinte justificativa: em 1 hectare de milho, os agricultores nativos do Benin, de Burkina Faso, da Nigéria, do Chade ou de Mali não colhem (em tempos normais, que são raros) mais que 700 kg de grãos por ano, enquanto que na Europa 1 hectare produz 10 toneladas de trigo. Assim, é melhor ceder aos trustes agroalimentares – aos seus capitais, técnicos competentes, a seus círculos de comércio – as terras que os pobres africanos são incapazes de fazer produzir.

Em março de 2011, uma ONG apresentou, através do embaixador de Cuba,  ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, um projeto Convenção internacional para a proteção dos direitos dos camponeses. “Apelamos aos parlamentos e aos governos nacionais para que cesse imediatamente todo comércio massivo de terras em curso ou futuros, e que as terras sejam restituídas aos sujeitos espoliados”. E enunciava detalhadamente os direitos dos camponeses e obrigava os Estados signatários a instituir tribunais para garantir a exigibilidade destes direitos.

A simples possibilidade de ver aprovado o texto dessa Convenção apavorou os governos ocidentais, especialmente norteamericano, francês, alemão e inglês, muito próximos dos grandes predadores de indústria agroalimentar. Uma tal Convenção de direito internacional negociada, assinada e ratificada pelos Estados poderia civilizar um pouco a selva do livre mercado...

Para a maioria dos embaixadores ocidentais que ocupam as cadeiras do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, a palavra do Banco Mundial é como um evangelho. Assim, os governos ocidentais mobilizaram seus melhores recursos diplomáticos para sabotar o projeto apresentado ao Conselho. Esta obstrução obrigou o embaixador cubano Reyes Rodríguez, que atuou como voluntário em Angola e perdeu uma perna nos combates com a os soldados sul-africanos, teve que modificar o projeto, e hoje seu destino é incerto. (p. 327-331)

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