quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

4° Domingo do Tempo Comum


Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão!
(Jr 1,4-5.17-19; Sl 70/71; 1Cor 12,31-13,13; Lc 4,21-30)
O Papa João Paulo II ensinava que a profecia nasce da intimidade com a Palavra de Deus. A pessoa que acolhe e escuta a Palavra sente a voz de Deus queimar como brasa, e não consegue ficar indiferente frente às práticas de opressão e de discriminação. O próprio Jesus nos confirma isso: depois de ler e acolher a palavra do profeta Isaías, se propõe a cumpri-la fielmente, esquecendo-se dos próprios parentes e compatriotas e priorizando as pessoas mais pobres necessitadas. Rompendo com as expectativas do seu povo, Jesus tem que enfrentar sua oposição e perseguição. E este tem sido o caminho seguido por milhares de discípulos e discípulas no decurso da historia. Mas, “se calarem a voz dos profetas, as pedras calarão; se fecharem uns poucos caminhos, mil trilhas se abrirão...”
“Médico, cura-te a ti mesmo!”
Tive a oportunidade de pisar em terras bolivianas e sempre volto lá com satisfação. Na Bolívia, como em muitos países do mundo terceiro e pobre, a corrupção penetrou no próprio coração da cultura e se tornou um hábito, uma instituição. E não me parece justo dizer que ela tenha suas raízes no próprio povo. Sabemos que os povos nativos se orientavam por outros parâmetros, mas foi a convivência multisecular com a dominação espanhola que acabou incubando este e outros vícios.
Na Bolívia, mas não apenas lá, os cargos e funções públicas são vistas e exercidas em benefício das pessoas e grupos que as detêm. É uma espécie de investimento em vista de vantagens. As funções públicas são um negócio como tantos outros. O estado serve para socializar os custos e privatiza os benefícios. É como se o médico atuasse apenas para tratar sua própria saúde ou como se o sacerdote ministrasse apenas em vista da própria salvação.
Infelizmente este espírito está muito disseminado no mundo e tende a contaminar todas as instituições, inclusive a Igreja. Como não se preocupar com uma Igreja que se ocupa unicamente com seu próprio crescimento e suas rubricas, e se esquece que existe para que todos tenham vida? Como não se espantar com uma hierarquia focada na sua própria multiplicação e nos privilégios do seu estado, enquanto o povo de Deus morre de fome de pão e de Evangelho?
“Fiz de ti profeta das nações...”
A vocação profética é essencial na vida cristã. A Igreja é uma comunidade profética, sacerdotal e de serviço. Mas ninguém é instituído profeta, nem aprende este ofício num seminário ou numa escola de teologia. A profecia é dom do Espírito, dom que recebemos com temor e tremor. Como não é uma escolha que podemos fazer ou não fazer, a profecia se nos impõe e, em nome da fé, não podemos recusá-la sem comprometer a autenticidade da fé.
A profecia nasce e se desenvolve no ventre de uma comunidade que se coloca à escuta da Palavra de Deus. Quem não se fecha à voz de um Deus que fala e interpela, sente a Palavra queimar suas entranhas e não consegue viver indiferente frente à causa de Deus, que é a causa dos pobres, das vítimas, dos excluídos. Uma comunidade que ouve e medita a Palavra acaba avançando e amadurecendo no serviço à Boa Notícia de Deus.
Vemos isto na experiência de Jeremias. Ele tem a sensação de que a Palavra que o chama é anterior ao próprio nascimento. “Antes de formar-te no seio de tua mãe, eu já contava contigo. Antes de saíres do ventre, eu te consagrei e fiz de ti profeta para as nações.” É isto que percebemos também no próprio itinerário de Jesus: depois de ler e acolher a palavra do profeta Isaías na sinagoga de Nazaré, ele conecta irreversivelmente a sua vida com a causa dos oprimidos.
“Não tenhas medo deles...”
Às vezes escutamos falar da solidão que experimentam as pessoas que exercem o poder. Tanto na sociedade como na Igreja, parece que as pessoas estabelecidas em autoridade experimentam um certo distanciamento dos seus iguais. Talvez aqui se misturem sentimentos de superioridade quase divina por parte das autoridades e temores um pouco infantis e doentios por parte dos outros. Mas, se consideramos a determinação de tantos para conquistar e permanecer nas funções, parece que se trata de uma solidão que traz muitos benefícios colaterais...
O profeta experimenta uma solidão profunda e benfazeja. Na medida em que descobre que sua missão não é delimitada pelo sobrenome da família ou pelas cores da própria raça, e nem termina nas fronteiras de sua Igreja, a pessoa despertada e dinamizada pelo Espírito de Deus acaba frustrando as expectativas dos próprios compatriotas e familiares e experimentando um progressivo ostracismo. Infelizmente nem mesmo as Igrejas tratam muito diversamente seus membros ‘feridos’ de profecia.
Um olhar atento aos evangelhos nos leva a perceber como Jesus foi experimentando esta progressiva marginalização. Houve um momento em que sua fama se espalhava por toda a região e todos o elogiavam (Lc 4,14-15). Enquanto lia as escrituras, todos tinham os olhos fixos nele e testemunhavam a seu favor, maravilhados com as palavras cheias de graça que saíam da sua boca (Lc 4,22). Mas o entusiasmo logo se transformou em fúria e desejo de eliminá-lo (Lc 4,28-30).
“Mas nenhum deles foi curado senão Naamã, o sírio...”
A solidão do profeta nasce do próprio caráter da sua missão. Ele provoca afastamento dos familiares e compatriotas e atrai o ódio de alguns porque, em nome do Absoluto da Compaixão de Deus, questiona e deslegitima privilégios defendidos como direitos sagrados. O profeta sofre a marginalização e a perseguição na medida em que afirma a primazia dos últimos da escala social ou estabelece o direito daqueles que não têm direitos formalmente reconhecidos.
Com Jesus tudo ia bem enquanto ele falava de pobres e oprimidos em geral. Seus ouvintes acolhiam sua palavra pensando nos israelitas oprimidos pelos romanos. Mas quando ele convida a ir além, quando pede para que abram os olhos e o coração para os oprimidos e discriminados pelo próprio judaísmo, quando questiona a ideologia do privilégio dos judeus frente aos pagãos, a admiração de muda em rejeição. E a referência às práticas inclusivas de Elias e Eliseu acabaram sendo fatais para sua fama.
A profecia tem seu preço, e tanto a pessoa como a instituição que a encarnam devem estar dispostas a pagá-lo. Jesus recorre a um provérbio da sabedoria popular e diz que nenhum profeta bem recebido em sua própria terra. Mas este é apenas um lado da medalha. O outro lado é o seguinte: nenhum profeta que sente a compaixão de Deus queimar suas entranhas consegue permanecer preso aos estreitos muros da raça, da nação, da religião ou de qualquer instituição. O profeta é um incansável transgressor de fronteiras, um incurável construtor de brechas.
“Se e tivesse o dom da profecia...”
O profeta sabe que quando as seguranças culturais, afetivas e institucionais desaparecem, pode experimentar uma acolhida mais profunda, uma segurança que conduz à maturidade e à liberdade autêntica. “Desde o colo da minha mãe és minha proteção”, proclama o salmista. Deus tatuou o nome de vocês na palma de sua mão, insiste o profeta Isaías. O Senhor é meu pastor e nada me faltará, repetimos frequentemente. É na debilidade que somos fortes, diz Paulo.
Escrevendo aos cristãos de Corinto, Paulo chama a atenção para a centralidade do amor e a relatividade de todas as funções e instituições. Se a profecia deslizar para o discurso enraivecido, incoerente e acusatório, será pouco mais que nada. O que dá consistência e verdade à profecia é o amor, este dinamismo que reconhece a dignidade do outro como outro e o serve em suas necessidades. A profecia que brota do amor, orienta-se pelo amor e conduz a um amor que não reconhece fronteiras.
“Sobre ti me apoiei desde o seio materno...”
Jesus de Nazaré, profeta de um mundo sem fronteriras nem hierarquias, amigo dos pequenos e oprimidos! Cura nossos ouvidos, para que se abram à tua Palavra. Ajuda-nos a acolher a missão profética que nos confiaste ainda no seio materno e que devemos continuar, apesar das nossas fraquezas. Abre nossos olhos e nossas mãos ao belo, amplo e diverso mundo a ser construído, um mundo que desconhece e os estreitos e mesquinhos muros das culturas, nações e religiões. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

Nenhum comentário: