quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Festa da Epifania


Deus não é propriedade de nenhuma religião!
(Is 60,1-6; Sl 71/72; Ef 3,2-6; Mt 12,1-12)
Dentro do espiritualmente rico tempo de Natal, hoje somos convidados/as a participar da festa da manifestação de Jesus Cristo como caminho de salvação acessível a todos os povos. Em Jesus Cristo, todos os povos e religiões são reconhecidos como legítimos cidadãos e herdeiros do Reino de Deus. Assim, ele não é propriedade exclusiva dos católicos, nem dos cristãos. Jesus Cristo está acima dessas divisões. Em uma de suas homilias, o Pe. Berthier lembra que esta festa cristã celebra nosso chamado a fé, e sublinha que o encontro verdadeiro e profundo com Deus encarnado nos leva a mudar os rumos da nossa caminhada. “Este é o dia do aniversário do nosso chamado à fé. Os magos foram fiéis ao apelo de Deus; sejamos fiéis ao chamado à vida cristã!”
“Onde está o Rei dos judeus que acaba de nascer?”
Temos dificuldade de assimilar a gramática e a pragmática de Deus, seu jeito de falar e de agir. Ao falar de Deus, a liturgia e a teologia não conseguem abandonar as velhas categorias de poder e de realeza, e fazem um esforço inútil para aplicá-las a Jesus Cristo. Mas, como ocorreu com os três magos, quem encontra realmente Jesus Cristo precisa mudar também seu caminho teórico e tentar criar uma nova linguagem para falar sobre Deus, uma linguagem que parte do presépio e da cruz.
A antífona de entrada da missa de hoje proclama que o nosso ‘rei’ chegou trazendo nas mãos ‘o poder e a glória’. Sim, nas suas mãos abertas e pedintes está a força que nos arranca do fechamento e da indiferença, que nos co-move à compaix­ão e à solidariedade. A glória de Deus se manifesta quando suas criaturas têm acesso à vida abundante. No encontro com um Deus que se revela esvaziado do poder e da glória que (indevidamente) lhe atribuímos, somos interpelados a dar as mãos e construir um mundo novo.
Aproximemo-nos do estábulo de Belém para acolher e reconhecer o rei-servo que nos faz livres e nos conduz ao melhor de nós mesmos/as, que nos leva para fora do estreito círculo dos interesses mesquinhos e dos medos disfarçados. Contemplemos a glória de Deus que brilha nas suas criaturas e deixemos aos seus pés nossos melhores dons: o desejo de uma humanidade tecida de infinitos gestos de aproximação e de solidariedade, inclusive entre aqueles/as não pertence à mesma religião ou à mesma nação.
“E teu rosto se iluminará, teu coração vai palpitar.”
Poetas e místicos  proclamam este evangelho há muito tempo. Não viemos ao mundo para estacionar num vale de lágrimas, morar nas sombrias cavernas do desprezo, vestir eternamente os uniformes de trabalho, lamentar e condenar um mundo que não é como deveria ser, ostentar sorrisos desbotados pelo sofrimento... Somos criaturas vocacionados à glória, à alegria, à realização, à beleza. E não a uma vida de gado marcado. Nascemos para brilhar.
Isaías nos brinda outra vez expressões poéticas belíssimas. A uma Jerusalém arruinada e desanimada, a um povo posto de joelhos diante dos invasores e condenado a comer o p­ão misturado às lágrimas, o profeta proclama: “De pé! Deixa-te iluminar! Chegou a tua luz! A glória do Senhor te ilumina!... Lança um olhar em volta e observa: teus filhos vêm de longe, tuas filhas carregadas ao colo. Então verás, e teu rosto se iluminará, teu coração vai palpitar e arfar...”
A Igreja nos sugere acolher a manifestação de Jesus Cristo neste horizonte de recuparação da esperança e da alegria de viver, e isso n­ão apenas para quem acredita nele e tem carimbada sua ficha de batismo. Os povos e religiões estranhas e estrangeiras também têm lugar nesta alegria. Todos nasceram igualmente prá brilhar. A razão desta alegria é o Deus Menino que, na sua insuperável proximidade e inigualável simplicidade, justifica todos os seres humanos e restaura a paz entre os povos.
“Os pagãos são chamados à mesma herança...”
Homens de outros pagos e diferentes crenças, os magos chegam a Jerusalém vindos do oriente, guiados por um sinal. Mateus nos diz que eles batem às portas dos chefes políticos e líderes religiosos e pediram ajuda para decifrar os sinais e descobrir o caminho. Os escribas mostram seu saber, mas são incapazes de se mover. Herodes fica sabendo das coisas e é assaltado pelo medo de perder o poder. Os magos aprendem e ensinam que Aquele que merece honra e reverência não está nos palácios e nas capitais.
Por mais que o profeta se empenhe em elogiá-la, Belém está entre as cidades mais insignificantes de Judá. Somente a teimosia ou a fé dos pobres pode esperar algo de um lugar tão insignificante. É na direção a Belém que os magos seguem e é lá que encontram a alegria com feições de um menino, deitado numa manjedoura, sob o olhar cuidadoso de uma mãe. Como os magos, sábios estrangeiros e pagãos mal-vistos, somos chamados/as a redescobrir nossa fé original em lugares distantes do poder.
Herodes aconselhara que eles fossem a Belém em busca de informações. Mas aqueles magos caminham levando presentes, e não cadernos de anotações. A estrela-sinal cumpre seu papel transitório, mas o sinal de que a humanidade tem um novo líder é o “menino deitado na manjedoura”. Os magos reconhecem a realeza de Jesus Menino e lhe oferecem ouro. Proclamam sua divindade, oferecendo-lhe incenso. Mas prenunciam já sua humana morte, oferecendo-lhe mirra.
“Retornaram para sua terra passando por outro caminho.”
O Pe. Berthier observa que o mesmo fato que dá alegria dos magos provoca medo em Herodes. O que motiva a viagem dos magos coloca em alerta a capital de um pobre país dominado. Mas nada desencoraja estes buscadores de Deus: nem a indiferença dos líderes religiosos, nem o medo do rei submisso ao império, nem o paradoxo da estrebaria. Que prova para uma fé pouco robusta!... Eles compreendem que aquela é a morada mais adequada para quem vem abater os poderosos e elevar os humildes.
Este é o núcleo da fé que professamos: um Deus que se sente bem assumindo a carne humana e que, por amor, não recusa a cruz. Como é possível que tenhamos nos afastado tão perigosamente disso? Como entender que as Igrejas tenham trocado a estrebaria pelos palácios, os sábios estrangeiros por reis que barram migrantes, os pastores por imperadores implacáveis? Como é possível que tenhamos descafeinado nossa fé, reduzindo-a a uma espécie de analgésico para as dores de consciência?
A estrela fora um sinal seguro no caminho que levou os magos a Jesus, passando por Jerusalém. Seria também o seguro caminho de volta, já que era por eles conhecido? O encontro com Jesus Cristo, o Deus em fraldas, provocou os magos a buscar caminhos novos, caminhos que passam longe do poder e do saber, frequentemente mancomunados para oprimir e matar. O caminho vai sendo feito no próprio ritmo da caminhada, não mais à luz de estrelas, mas à luz da fé que reconhece a divindade na humanidade.
“São membros do mesmo corpo e participam da mesma promessa.”
Paulo fala de um mistério até então desconhecido e finalmente a revelado: que todos os povos e religiões particpam da mesma herança do Reino de Deus e são membros do corpo de Cristo em igual dignidade com os judeus. Com isso, Paulo questiona os muros que hierarquizam e separam, e atrai a desconfiança e a raiva de muitos compatriotas. Em nome de Deus, Paulo nega toda espécie de superioridade religiosa. Na raiz da nossa fé está esta alegre descoberta da igualdade, sem privilégios.
Como é difícil assimilar este aspecto da nossa fé! Ainda hoje os católicos estão às voltas com o desafio do ecumenismo, pensando que todos os povos devem entrar no redil estreito do assim dito sucessor de Pedro. Como é dificil reconhecer no estranho/estrangeiro um irmão que participa da mesma dignididade que pensamos ter. Como perturba os “homens de Jerusalém” o simples gesto de reconhecer e acolher a verdade presente na fé e na prática das outras religiões.
“Chegou a tua luz! A glória do Senhor te ilumina!”
Dirigimo-nos a ti, Deus dos Humildes, Deus envolto em faixas, destino e refúgio de todos os que peregrinam nas estradas de um mundo desigual. Dá-nos palavras e sinais que guiem nossos passos inseguros no rumo certo. Impede que nos detenhamos nos palácios que escondem prisões e nas doutrinas que se transformam em arpões. Ajuda-nos a reconhecer tua presença na Belém de todos os homens e mulheres e a ver as diversas religiões como caminhos que conduzem ao encontro contigo. Vem e caminha à nossa frente, para que não fiquemos esperando que os outros tomem a iniciativa da comunhão. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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