quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O Papa renunciou


Para além do fato

A renúncia de Bento XVI aconteceu. As análises de sociólogos, politólogos e outros têm detido na dupla referência da situação do Vaticano e da pessoa do Papa. O teólogo tende a ir por outra direção. Na verdade, esta se caracteriza como renúncia original, primeira e única. As anteriores, citadas em vários artigos, aconteceram por contingências políticas conturbadas e além da decisão serena das pessoas. Não serviram de símbolo nem de exemplo para outros. Por isso, desde a que se realizou no final do século XIII até hoje não havia acontecido nenhuma outra.

Com a teologia do primado desenvolvida e extremada, sobretudo depois do Concílio Vaticano I (1870), a renúncia de Bento XVI assume significado teológico e simbólico singular. A teologia reconhece nas ações pontifícias a assistência do Espírito Santo, não necessariamente garantindo-lhe ordinariamente a infalibilidade. Se assim acontece, o teólogo vê no gesto de Bento XVI, não simplesmente razões pessoais nem políticas, mas a presença do Espírito que sinaliza para toda a Igreja algo de profundo. Então nascem as interpretações.

Tal gesto vai além do presente e da função do Papa. Diz respeito a toda a Igreja. Ele nos faz lembrar uma blague do então vice-presidente do Brasil, Pedro Aleixo, ao comentar o AI-5. “Não temo tanto as arbitrariedades do Presidente da República, mas as do guarda da esquina”! Aqui inverto a reflexão. Admiro e espero que a lição do Papa não afete unicamente os próximos pontífices, mas toda a estrutura da Igreja. Não se trata simplesmente da renúncia a um cargo, mas da consciência que ela manifesta da pequenez humana diante das missões e da necessidade de reconhecer os próprios limites. Esses, em casos extremos, pedem a  saída, mas, normalmente, se manifestam na busca de ajuda, de dividir tarefas, de confiar em outros, de compartihar decisões. O termo político criado chama-se democracia. Mas, como anda muito gasto e aviltado, prefiro entender o gesto do Papa como alerta para toda a Igreja a fim de assumir o caminho da escuta, da autocrítica, da mútua e sincera “correção fraterna” de modo que cada vez mais pessoas se sintam responsáveis pelo todo da Igreja e não somente os hierarcas e pior ainda autoritariamente.

Se todos com alguma responsabilidade na Igreja se perguntassem pela provocação do Espírito Santo presente no gesto de Bento XVI, talvez se gestasse Igreja aberta às interpelações da cultura e sociedade da partilha. Os regimes autocráticos já desapareceram quase em todas as partes. Cabe à Igreja perguntar-se se o gesto do Papa não sinaliza  assumir o mesmo processo. Vemo-lo acontecer embrionariamente nas comunidades eclesiais de base, nas paróquias e dioceses pensadas em rede de comunidades, em promover Assembleias com poder decisório. O gesto do Papa vai bem mais longe, se não nos prendermos a conjunturas puramente pessoais e circunstanciais. Ele nos faz mergulhar nas águas profundas do Espírito que o inspirou.

João Batista Libânio sj

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