domingo, 10 de fevereiro de 2013

Quarta-feira de Cinzas


“Quero ajudar a construir um mundo novo!”
(Jl 2,12-18; Sl 50/51; 2Cor 5,20-6,2; Mt 6,1-6.16-18)
(http://dotempodaoutrasenhora.blogspot.it/2012/11)
O ritmo alegre do carnaval ainda ecoa na nossa mente e balança levemente nosso corpo cansado. E já começamos a ser interpelados/as por uma música diferente, em tom menor: “Sei que perguntas de onde veio teu belo jeito sempre novo e verdadeiro. Eu fiz brotar em ti desde o materno seio essa vontade de mudar o mundo inteiro.  Estou aqui, meu Senhor! Eu tenho fome de justiça e de amor. Quero ajudar a construir um mundo novo.” A Campanha da Fraternidade faz da quaresma um convite e uma possibilidade. É um convite a olhar responsavelmente para frente e para além dos interesses imediatos, a superar uma exclusiva e doentia preocupação apenas conosco mesmos/as, com nossa boa forma física ou com o que passou. Abre-se o tempo de preparação da Páscoa do Senhor na páscoa da história, e esse tempo nos pede atenção, acolhida e apoio à juventude e às suas causas. Afinal, como cantávamos nos anos 80, ‘precisamos todos rejuvenescer’. Comecemos hoje!

“Voltai para mim de todo coração!”
A quaresma é, positivamente, um tempo de concentração e de busca do essencial. Tantas vezes no correr do ano as coisas urgentes furam a fila e se colocam à frente daquelas que são essenciais. A Quaresma nos convida a voltar a Deus, a vencer a tendência à fragmentação, a verter todas as energias ao único objetivo realmente decisivo: construir relações fraternas e uma sociedade justa, comprometer-se responsavelmente com um estilo de vida simples, soliário e sustentável.
Assim, o essencial da espiritualidade quaresmal não é fazer penitência para reparar os abusos que teriam sido cometidos do revelion ao carnaval, mas exercitar a convergência da mente, do coração e das mãos na intensa e exigente tarefa de refazer as relações humanas, de superar os estreitos horizontes dos interesses mesquinhos e imediatos e de elevar o olhar para o amplo horizonte de um sonho de bem viver, em harmonia com todos as criaturas, começando com a nossa inquieta juventude.
“Rasgai os vossos corações, não as roupas!”
A palavra forte e direta do profeta Joel proclama a bondade e a compaixão de Deus, desperta-nos das ressacas da vida e nos chama a superar o velho costume de mudar apenas as aparências. “Rasguem o coração e não as roupas! Voltem para Javé, o Deus de vocês, pois ele é piedade e compaixão, lento para a cólera e cheio de amor...” Nada de trocar apenas as máscaras, de renovar somente o guarda-roupa! Certas opiniões e atitudes são como uma roupa que não nos serve mais.
O profeta Joel lembra a necessidade de mudanças mais reais e radicais. Quando fala em rasgar o coração, ele não pretende centrar a atenção nos sentimentos, mas interferir na raiz das nossas decisões e ações. Ensina que os gestos externos de arrependimento e de mudança não são suficientes. A verdadeira mudança se revela nas opções, ações e relações. Palavras de efeito, discursos de ocasião, campanhas que duram algumas semanas podem ser apenas cortinas de fumaça para desviar a atenção.
A tradição das comunidades cristãs privilegiou três ações que expressam a mudança de direção e a convergência das forças, próprias do tempo quaresmal: a esmola, a oração e o jejum. Mas Jesus Cristo nos convoca à vigilância e à auto-crítica, pois nem mesmo estas ações estão livres da falsificação e do faz-de-conta. Elas podem ser motivadas apenas pela busca de aprovação, estima e reconhecimento. De que serve abseter-se de carne e fazer jejum num dia e, nos outros, mergulhar no consumismo doentio?
“Quando derdes esmola, não mandes tocar trombeta...”
Jesus não despreza a costumeira prática da esmola, mas também não se deixa enganar por ela. O que ele pede é que verifiquemos a motivação e a disposição com as quais a fazemos. Jesus levanta a questão do horizonte maior no qual esta prática se insere. “Não mande tocar trombeta na frente... Que a sua esquerda não saiba o que a sua direita faz.” Uma esmola prepocupada com publicidade beneficia mais quem a faz do que quem está em necessidade. E isso se chama hipocrisia!
O sentido profundo da esmola é a solidariedade e a partilha com os mais pobres. Mais que dar daquilo que sobra ou não faz falta, trata-se de partilhar aquilo que é fruto da terra e do trabalho da humanidade e, por isso, não é nossa propriedade absoluta. A partilha que se sacramentaliza na doação de bens ou no engajamento pela plena cidadania dos/as nossos/as jovens é um sinal externo do desejo voltar nosso coração inteiramente para Deus e centrar nossa vida naquilo que é essencial e urgente.
“Quando orardes, não sejais como os hipócritas...”
Em todas as religiões a oração goza de um apreço privilegiado como expressão da fé e da comunhão com a divindade, e no judaísmo que Jesus conheceu não era diferente. Até hoje não faltam grupos e pregadores que insistem na necessidade de rezar muito, de multiplicar terços, ladainhas, missas e promessas, como se isso bastasse para estar de bem com Deus. Infelizmente, este tipo de insistência acaba desviando a atenção de algo mais essencial e mais profundo.
No Evangelho de hoje Jesus não insiste na quantidade mas na qualidade e na motivação da oração. E começa criticando a postura das pessoas que rezam como se recitassem um papel, disfarçando o desejo denotoriedade. A verdadeira oração não vai de mãos dadas com a busca de publicidade. A audiência dessa oração é composta por um só expectador: um Deus habituado a reconhecer quem não costuma ou não gosta de aparecer.
A oração é abertura radical a Deus e à sua vontade, é superação dos estreitos limites dos nossos gostos, preferências e necessidades. Ela se caracteriza pelo diálogo íntimo e amigo com Aquele que quer nosso bem e que não descansa enquanto todos os seus filhos e filhas não vivem bem. A oração quaresmal que expressa nossa volta ao essencial precisa ser capaz de apresentar a Deus as inquietações, as dores e os clamores dos/as nossos/as jovens, para quem, muitas vezes ‘o sinal está fechado’.
“Quando jejuardes, não fiqueis de rosto triste...”
Depois de passar um tempo um pouco exilado do nosso estilo de vida, um certo tipo jejum voltou à moda e hoje recebe o nome de dieta. Mas quem faz dieta geralmente está muito preocupado/a consigo/a mesmo/a – com a saúde ou com a aparência – e pouco interessado/a nos efeitos ambientais do consumismo predatório. No tempo de Jesus muitas pessoas usavam o jejum, que era um sinal de arrepedimento e de mudança, para impressionar os outros e aumentar a influência sobre eles.
Para o cristianismo, o jejum é um recurso pedagógico que cria a possibilidade de experimentar a vulnerabilidade e as carências humanas, das quais normalmente fugimos. Todos/as assimilamos, em maior ou menor medida, o mito da satisfação plena, da vida sem fim e do poder ilimitado sobre tudo e sobre todos, e assim evitar decididamente tudo o que lembra carência, fragilidade. O jejum desmascara essa mentira e nos coloca cara a cara com esta dimensão inerente à nossa humanidade.
Na espiritualidade quaresmal o jejum está a serviço da renovação e da preservação da vida em todas as suas expressões. E essa renovação se expressa na abertura humilde e reverente a Deus, o único absoluto, na consciência da nossa interdependência em relação aos nossos irmãos e irmãs; na relação de interdependência com o Planeta; e na partilha dos alimentos que deixamos de consumir. Por isso, o jejum precisa ser acompanhado pelo perfume da alegria estampada em todo o nosso ser.
“Em nome de Cristo, vos suplicamos: reconciliai-vos com Deus!”
Reconciliar-se com Deus significa reconhecê-lo como horizonte maior das nossas opções, como Caminho que, mantendo-nos abertos/as e solidários/as, nos leva ao encontro dos irmãos e irmãs. Reconciliar-se com Deus implica em voltar às nossas próprias raízes e ali encontrar não apenas um ‘eu’, mas também um ‘outro’ e um ‘nós’. Significa, outrossim, dar-se conta de que, como cantava Elis Regina, apesar dos nossos protestos, discursos e projetos, ‘ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais’.
Espírito Criador, tu sopras chamando à vida e sustentanto todos os seres, e falas nas palavras indignadas e aparentemente ininteligíveis da juventude rebelde. Penetra nossa mente e guia nossos passos durante esta quaresma. Ensinando-nos a cuidar da vida, e não apenas da nossa. Ajuda-nos a transformar a esmola em solidariedade, o jejum um ato de responsabilidade ambiental, a oração em abertura às novas gerações.  E que a tua luz faça vir à luz nossa dignidade, escondida por tantas máscaras. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf

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