quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Segundo Domingo da Quaresmna


Partir do coração da Igreja para agir na arena do mundo
(Gn 15,5-12.17-18; Sl 26/27; Fil 3,17-4,1; Lc 9,28-36)
Estamos chegando ao segundo momento da nossa caminhada quaresmal. No primeiro domingo, fomos lembrados/as da atualidade das tentações e da força atrativa que exercem sobre nós. Neste segundo domingo somos convidados/as a refletir sobre o lugar onde erguemos a tenda do nosso encontro com Deus. O consolo e o brilho atraente dos momentos de êxtase e de transfiguração, assim como dos grandes e festivos encontros tão apreciados pela juventude, podem nos afastar da exigente missão de encarnar a fé na vida cotidiana. Para amar o próximo e sermos justos/as diante de Deus, precisamos ‘sair’ dos estreitos limites de uma rotina eclesial habituada a repetir velhas fórmulas, a reciclar devoções antigas e a esperar que os cristãos que se afastaram e os jovens que se tornaram indiferentes à religião voltem e batam à porta dos nossos templos. Os jovens estão sim no coração da Igreja (cf. TB 191), mas não é no interior dela que devem construir suas tendas: a missão tem seu lugar na arena do mundo.
“Uns oito dias depois destas palavras...”
A cena descrita no Evangelho de hoje é precedida por uma catequese muito exigente que Jesus dirige aos discípulos. Depois de ter sido reconhecido formalmente por Pedro como “o Cristo de Deus”, Jesus acrescentara:  “É necessário o Filho do Homem sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos, sumos sacerdotes e escribas, ser morto e, no terceiro dia, ressuscitar” (Lc 9,22). E dissera, voltando-se aos que o seguiam: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz, cada dia, e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá, e quem perder sua vida por causa de mim a salvará” (Lc 9,23).
Parece que os discípulos não conseguem entender e aceitar o caminho proposto por Jesus. Sentem-se envergonhados e desconcertados diante de um Messias servidor e perseguido. Resistem a um caminho que os levará inexoravelmente a ser companheiros de Jesus no anúncio do Reino e na perseguição. Não passa pela cabeça deles carregar a cruz da rejeição e da criminalização, imposta a quem ousa se rebelar contra os poderes do Império. Eles lutam desesperadamente contra essa posibilidade. Segundo Lucas, esta luta interior dos discípulos se prolongava por mais ou menos oito dias.
“Pedro e os companheiros estavam com muito sono.”
É neste contexto que Jesus, pressionado pelos próprios discípulos, sente necessidade de se retirar (mas não de renunciar!) para rezar e discernir o caminho que deve seguir para revelar o rosto do Pai e realizar sua vontade libertadora. Chama e leva consigo Pedro, Tiago e João, os primeiros discípulos que havia chamado a segui-lo, mas também os mais resistentes ao caminho que propunha e os mais aferrados às ambições de poder e à imagem de um Messias potente e vitorioso.
O medo e a resistência dos discípulos se mostra também no sono, como aconteceria de novo mais tarde, no Jardim das Oliveiras (cf. Lc 22,45), ou como ocorrera com Abraão, enquanto esperava angustiado um sinal da fidelidade de Deus às suas promessas. O sono expressa o desejo insuportável de fugir, de dar as costas, de voltar atrás, de não escutar nada senão as próprias idéias e ambições. E os discípulos simplesmente não suportam escutar o diálogo de Jesus com Moisés e Elias, respectivamente, guia e profeta do povo, ambos duramente perseguidos e não muito bem-sucedidos.
Por que os discípulos não conseguem escutar o diálogo entre Jesus, Moisés e Elias? Acontece que este diálogo é sobre a saída ou o êxodo de Jesus que aconteceria mais tarde em Jerusalém. Em outras palavras: Jesus conversava sobre aquilo que havia anunciado anteriormente aos próprios discípulos: seu enfrentamento com os poderes opressores e a necessária ruptura e saída das malhas de uma religião estreita e sedenta de sucesso, discriminadora e opressora dos mais fracos. Essa conversa não interessava minimamente aos discípulos...
“Este é o meu Filho, o Eleito. Escutai-o!”
O trio resistente e sonolento é despertado pela glória e pelo brilho de Jesus e seus convidados, mas não pelo conteúdo da conversa. A glória e o poder estão sim no horizonte do interesse deles, tanto que desejam reter o tempo, separar os espaços e eternizar esta agradável visão. Estando todos atordoados e sem saber o que dizer, Pedro toma a iniciativa: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas...” Não lhes interessa acolher e compreender nem as palavras de Jesus, nem a memória do êxodo e da profecia. O que desejam é simplesmente construir tendas ou templos nos quais possam encontrar paz e sossego, longe dos desafios de consruir um mundo segundo o coração de Deus.
Mas a glória e o esplendor do poder e da vitória não são expressões inequívocas de Deus e da realização da sua vontade. É a sombra tenebrosa de uma nuvem – imagem daquela nuvem que acompanhara o povo na caminhada através do deserto e envolvera a montanha na celebração da Aliança – que desfaz o entusiamo dos discípulos e os conduz à verdade à qual resistem: “Este é o meu filho, o eleito. Escutai-o!” É a profecia e o serviço, e não as vestes de glória, que manifestam o esplendor de Deus...
Nenhum/a discípulo/a pode fechar os ouvidos a esta exigente Palavra. A proposta de Jesus não é uma vida tranquila no interior dos templos ou uma vida vitoriosa frente às perseguições, mas um percurso de serviço aos irmãos e irmãs, de enfrentamento com os poderes que oprimem, de superação das próprias ambições e interesses. Mas os três discípulos calam esta experiência. “Os discípulos ficaram calados e, naqueles dias, a ninguém contaram nada do que tinham visto.” Calaremos também nós?
“Há muitos que se comportam como inimigos da cruz de Cristo...”
É  com lágrimas que Paulo escreve aos cristãos filipenses: “Há muitos por aí que se comportam como inimigos da cruz de Cristo.” São cristãos para os quais Deus se confunde com o próprio desejo, e a glória é a indiferença frente às dores dos outros. “Apreciam só as coisas terrenas.” Para estes, Paulo se apresenta como modelo. “Nós, ao contrário, somos cidadãos do céu... Sede meus imitadores...” Paulo é modelo porque une a esperança na vida eterna com o empenho pela justiça na terra.
Ser cidadão do céu significa pautar a vida pela lógica do Evangelho, seguir os passos de Jesus Cristo, como Paulo o fez de modo exemplar. Neste sentido, a Campanha da Fraternidade convoca todos/as a caminhar com os jovens e a refazer com eles a experiência de Jesus. E é claro que essa experiência não tem nada a ver com as propostas que excitam artificialmente e esploram irresponsavelmente o entusiasmo, a motivação e a disponibilidade que caracterizam a juventude (cf. TB 3; 75).
A jovialidade e a originalidade do projeto de Jesus consiste em apresentar a novidade do Reino de Deus como renovação radical da relação com Deus e alargamento universal da relação com o próximo. Para Jesus, Deus não é um inimigo ou um juiz implacável, mas amigo e pai (cf. TB 154). E o próximo não é necessariamente a pessoa bela e inofensiva que pertence ao mesmo grupo, mas aquela que está em situação de vulnerabilidade e necessita de ajuda. Precisamos ouvir o que Jesus nos diz, para evitar a tentação de pedir que os jovens construam tendas confortáveis no interior dos nossos templos...
“Tua face, Senhor, eu busco...”
Deixemos que o Senhor nos tome pela mão e, como fez com Abraão, nos leve para fora da nossa tenda, nos ensine a contemplar a imensidão inapreensível do universo e nos convença de que a descendência daqueles/as que crêem é inimaginável. Abraão nos ensina que a terra não nos pertence, que ela é dada e precisa ser guardada para aqueles/as que virão. E eles a passarão aos que virão depois... Deus nos faz sair, nos chama ao êxodo, nos leva para além de nós mesmos e de nossas instituições.
Na raiz da nossa fé está um desejo que arde como fogo: “Tua face, Senhor, eu busco. Não escondas o teu rosto!” Este é um desejo que permanece sempre radicalmente aberto e, se o eliminarmos, nossa vida perderá o rumo e o sabor. Mas, em Jesus Cristo, Deus fez resplandecer o seu verdadeiro rosto, e sua face é a de um ser humano próximo e solidário, de um servo que entra na fila dos excluídos e é tratado como último. Numa palavra: um rosto crucificado! É este o rosto que buscamos?
Jesus de Nazaré, companheiro de Moisés e de Elias, fonte de jovialidade e de renovação. Por vezes tua liberdade nos causa vertigens e tua compaixão nos assusta. Ajuda-nos a contemplar teu rosto nesta terra povoada de jovens que desejam ardentemente viver. Ensina-nos a escutar tua Palavra sussurrada nas atitudes inquietas e nas ações indignadas e até violentas de uma juventude a quem foram roubados os sonhos. E dá-nos a humilde e a sabedoria para acompanhá-la no caminho de descida que possibilita o verdadeiro encontro contigo. Tu que és vida, lealdade e caminho. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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