quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Terceiro Domingo da Quaresma


Sejamos solidários com os jovens em seus sofrimentos!
(Ex 3,1-8.13-15; Sl 102/103; 1Cor 10,1-6.10-12; Lc 13,1-9)
“Castigo de Deus por causa dos ritos idolátricos do vudu”. Esta foi a terrível leitura que um pastor estadunidense fez do terremoto que destruiu o Haiti e vitimou nossa conhecida doutora Zilda Arns.  Devemos perguntar a ele: o mesmo vale para o furacão Caterina, que há alguns anos arrasou parte dos EUA, e para o terromoto que destruiu uma região na Itália em plena semana-santa do ano 2009? Infelizmente nunca faltam pessoas que se comprazem em culpalizar as vítimas e alforriar os algozes, nem aquelas que se empenham em convencer-nos de que as tragédias que se multiplicam não passam de fatalidades imprevisíveis. E tem gente que, para desencorajar qualquer engajamento por um Outro Mundo, se esmera em recordar o destino trágico dos/as sonhadores/as e dos lutadores/as. Mas nos seguimos Jesus Cristo porque estamos dispostos/as a fazer-nos solidários/as com as pessoas em seus sofrimentos, especialmente com os jovens, um dos objetivos da Campanha da Fraternidade deste ano.
“Vou chegar mais perto para ver esta coisa estranha...”
Todos resistimos, mais ou menos, a encarar e dar nome aos males que nos rodeiam e com os quais às vezes colaboramos, direta ou indiretamente. Como ignorar sem culpa que os 300 maiores proprietários de terras do Brasil possuem o equivalente aos estados de São Paulo e Paraná juntos? E que mais de 30% do orçamento do Brasil é consumido pelo pagamento de juros da dívida pública, e só 11,73% vai para saúde, a educação,a habitação, a assistência social, a segurança e saneamento?
Para ver a realidade é preciso ter olhos perfeitos, mas isso não é suficiente. A realidade é dura e desafia os sentidos e a inteligência. O conhecimento e o reconhecimento dos fatos e das pessoas requer mais que inteligência: supõe abertura, sensibilidade, saída de si, conversão. Somos como Moisés que, num primeiro momento, só consegue ver ovelhas, pastagens, trabalho, interesses do sogro, projeto pessoal de vida. O máximo que consegue é deixar-se impressionar por algo que queima e não se extingue.
Deus irrompe na vida de Moisés a partir do sofrimento do seu povo, simbolizado no fogo. Deus chega dizendo, quase aos gritos, que está vendo a opressão do seu povo, que seus sofrimentos ferem seu coração e seus clamores ferem seus ouvidos, que desceu para fazê-lo subir. É como se Deus dissesse a Moisés: ‘E você não vê nada, não escuta nada?’ E nós, para onde voltamos nosso olhar e o que gostamos de escutar? “Escutando e compreendendo os gritos e clamores dos jovens, a Igreja é chamada não somente a evangelizar, mas também a ser evangelizada”, diz o Texto-Base da CF 3013 (cf. n° 3).
“Pensais que eram mais culpados do que qualquer outro?”
Não podemos esquecer que sobre a nossa ambígua realidade existem leituras insuficientes, erradas e perversas. Nosso ver e nosso julgar estão sempre a serviço de uma determinada ideologia, que comporta uma visão de pessoa, um ideal de sociedade e uma ética. Esta questão está bem ilustrada no episódio narrado por Lucas, no evangelho de hoje. O contexto mais amplo é o ensino sobre a missão profética e solidária dos discípulos e sobre a necessidade de interpretar corretamente os sinais dos tempos.
Alguns fariseus interrompem o ensino de Jesus trazendo a notícia de que um grupo de galileus rebeldes fora assassinado por Herodes no templo. É evidente que com isso eles querem censurar e advertir Jesus, como se dissessem: ‘Continue assim e verás o que acontecerá contigo!’ Mas por trás disso está também uma acusação às próprias vítimas: sabendo ou não, Herodes representaria a mão de Deus, que puniu aqueles que, de alguma forma, eram culpados. Uma leitura terrível de fatos em si mesmo trágicos.
Jesus critica o preconceito dos fariseus frente aos galileus e questiona a leitura justificadora e irresponsável que fazem dos fatos. E o faz chamando à memória outro fato, conhecido de todos: um acidente que matara 18 judeus em Jerusalém. Com isso, Jesus não quer afirmar que tudo é fatalidade. Ele deseja questionar uma teologia escapista e cínica, sempre pronta a culpar as vítimas, defender os verdadeiros culpados e evitar o exigente caminho da conversão.
“Se vós não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo.”
Com firmeza e lucidez Jesus enfrenta, ao mesmo tempo, as tentativas de desencorajá-lo de prosseguir sua missão profética e a teologia cínica e discriminadora elaborada e ensinada pelos defensores do templo.  Afirmando que todos estamos sujeitos a errar ou não atingir a meta de uma vida justa, Jesus nos convida a deixar a cadeira de juízes e a abrir os olhos para uma realidade que é mais complexa que a simples divisão entre culpados e inocentes. Ele nos propõe uma leitura profética da história e nos chama a reconhecer nossos próprios erros, assim como os males gerados pelas estruturas sociais.
E a dura realidade dos jovens brasileiros está nesse contexto: 40% das mortes dos jovens têm como causa o homicídio (enquanto que, para o total da população, é de 2%); e a maioria das vítimas está entre os jovens negros (a proporção é de dois jovens negros para cada jovem branco); a maioria dos assassinatos ocorre nas camadas mais pobres da população e no contexto do consumo e do tráfico de drogas. Não falta gente disposta a jogar a culpa nas costas dos próprios jovens. Jesus nos interroga: “Pensais que eram mais culpados do que qualquer outro morador de Jerusalém? Eu vos digo que não.”
 “Corta-a! Para que está ocupando inutilmente a terra?”
“Se não vos converterdes...” O apelo mais forte da liturgia do terceiro domingo da quaresma é à conversão, que começa com uma mudança no nosso modo de ver a realidade e de julgar os fatos e as pessoas. A vida ambivalente que os jovens levam não é causa dos seus próprios sofrimentos nem simplesmente parte de um problema maior: é funesta consequência de  um sistema injusto e irresponsável, centrado no maior desfrutamento possível e na lei do mais forte.
A conversão não se faz aos saltos, nem de uma vez para sempre. ‘Conversão, justiça, comunhão e alegria no cristão é missão de cada dia.’ E parte do próprio Jesus, que nos ama de forma incondicional e aposta nas nossas possibilidades e na nossa vontade. Mesmo não vendo os frutos esperados e tendo motivos para não esperar qualquer mudança da parte dos líderes religiosos do seu tempo, Jesus, como bom agricultor, se dispõe a trabalhar e adubar o terreno com sua palavra e seu próprio corpo.
Mas o processo de conversão, impulsionado pela convicção de que o Reino de Deus está à porta e pela convocação a acreditar nesta boa notícia, tem também seu tempo e suas exigências. Que ninguém se resigne em ser como uma figueira “que está ocupando inutilmente a terra”. “Mais um ano” é um tempo bem determinado e exige responsabilidade! O perdão de Deus é certo, mas o tempo de mudança é hoje, e não um hipotético amanhã. É para ontem a necessidade de exercitar um novo estilo de vida!
 “Estas coisas foram escritas como advertências para nós.”
Paulo nos recorda que aquilo que lemos na Sagrada Escritura foi escrito para nos advertir e orientar. “Estes acontecimentos se tgornaram símbolos para nós... Estas coisas foram escritas como advertências para nós.” Por isso não calemos nossa voz diante dos poderes que governam ameaçando, armados de capacetes ou de mitras, mas evitemos a tentação do dedo em riste contra quem quer que seja. A denúncia é indispensável, mas não é tudo. O testemunho – pessoal e eclesial – conta mais, é irrefutável.
A retidão de Deus se manifesta na defesa dos oprimidos, canta o salmista. Ele não se faz surdo aos clamores dos oprimidos, nem cego aos sofrimentos que machucam a carne e a alma deles. Ele chama aqueles/as que acreditam nele a ter o mesmo olhar e a mesma sensibilidade, descendo para que os oprimidos possam sair da opressão e subir dos infernos da dominação. Deus é misericordioso e compassivo, e espera de nós a compaixão e a misericórdia. E estas não se reduzem a romântico e piedoso sentimento, mas devem desembocar na indignação revolucionária que vemos hoje na juventude, apesar das suas contradições, que, ademais, não são exclusividade dos jovens.
“Ele te coroa com sua bondade e sua misericórdia!”
Jesus de Nazaré, jovem galileu, Filho da Humanidade e Filho de Deus! Envia o teu Espírito, para que ele nos inspire e mantenha no caminho de conversão que nos ofereces nesta quaresma. Não nos deixes cair na tentação de fechar os ouvidos aos clamores dos jovens, de fechar os olhos às dores dos oprimidos e de culpar as vítimas pelas próprias misérias e sofrimentos. Que cada um de nós, nossas comunidades e movimentos e a Igreja inteira, partindo da certeza de Deus, teu e nosso pai, é lento e suave na cólera mas rápido e estável na bondade, não tratemos com dureza as pessoas já frágeis. Aduba nossa vida com tua Palavra, teu Corpo e teu Sangue, para que possamos dar os frutos esperados. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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