sexta-feira, 8 de março de 2013

Dia Internacional da Mulher: As "Mães de Praça de Maio"


Celebramos uma semana de preparação do Dia Internacional da Mulher e homenageamos esta graciosa metade da humanidade com uma espécie de panteão no qual recordamos, dia após dia, o nome, a história e a grandeza humana de algumas mulheres pouco reconhecidas pela história e pelas colunas sociais. Foram simples e breves flashes de vidas muito mais belas e complexas, uma espécie de retalhos da vida, tomados emprestados da inspirada pena do escritor uruguaio Eduardo Galeano. E nos acompanharam os versos de Ivone Boechat:
“Um aroma suave / exalou das mãos do Criador, / quando seus olhos / contemplaram / a solidão do homem no Jardim! / Foi assim: / o Senhor desenhou / o ser gracioso, meigo e forte, / que Sua imaginação perfeita produziu. / Um novo milagre: / fez-se carne, / fez-se bela, / fez-se amor, / fez-se na verdade como Ele quer! / O homem colheu a flor, / beijou-a, com ternura, / chamando-a, simplesmente, / Mulher!” Hoje, neste memorável dia, recordemos as ‘mulheres detetives’ conhecidas como ‘Mães de Praça de Maio’ e a história de Rosa e sua filha Tamara.

As avós detetives

Em 1983, enquanto se desintegra a ditadura militar na Argentina, as Avós da Praça de Maio andam em busca dos netos perdidos. Esses bebês, aprisionados com seus pais ou nascidos em campos de concentração, foram repartidos como butim de guerra. E vários têm como pais os assassinos de seus pais.
As avós investigam a partir do que houver: fotos, dados soltos, uma marca de nascimento, alguém que viu alguma coisa. E assim, abrindo passo a golpes de sagacidade e de guarda-chuva, já recuperaram alguns.
Tamara Arze, que desapareceu com um ano e meio de idade, não foi parar em mãos militares. Está numa aldeia suburbana, na casa da boa gente que a acolheu quando foi jogada por aí. A pedido da mãe, as avós empreendem a busca. Contavam com poucas pistas. Após um longo e complicado rastrear, a encontraram.
Cada manhã, Tamara vende querosene num carro puxado por um cavalo, mas não se queixa da sorte. E a princípio não quer nem ouvir falar de sua mãe verdadeira. Muito aos poquinhos as avós vão lhe explicando que ela é filha de Rosa, uma operária boliviana que jamais a abandonou; que numa noite sua mãe foi capturada na saída da fábrica, em Buenos Aires...
Rosa foi torturada, sob controle de um médico que mandava parar, e violentada, e fuzilada com balas de festim. Passou oito anos presa, sem processo nem explicações, até que, em 1982, a expulsaram da Argentina. Agora (em 1983), no aeroporto  de Lima, espera. Por cima dos Andes, sua filha Tamara vem voando rumo a ela.
Tamara viaja acompanhada por duas das avós que a encontraram. Devora tudo o que servem no avião, sem deixar nem uma migalha de pão ou um grão de açúcar. Em Lima, Rosa e Tamara se descobrem. Olham-se no espelho, juntas, e são idênticas: os mesmos olhos, a mesma boca, as mesmas pintas nos mesmos lugares.
Quando chega a noite, Rosa banha sua filha. Ao deitá-la, sente um cheiro leitoso, adocicado. E torna a banhá-la. E outra vez. E por mais que esfregue o sabonete, não há maneira de tirar-lhe esse cheiro. É um cheiro raro... E de repente, Rosa se recorda: este é o cheiro dos bebês quando acabam de mamar! Tamara tem dez anos e nesta noite tem cheiro de recém-nascida. (Eduardo Galeano, O século do vento. Memória do fogo, vol. 3, L&PM Pocket vol. 909, 2010, p. 355-356)

Nenhum comentário: