sábado, 2 de março de 2013

Dia Internacional da Mulher: Domitila Barrios de Chungara


Quero celebrar o Dia Internacional da Mulher e homenagear esta graciosa metade da humanidade com uma espécie de panteão no qual recordo, dia após dia, o nome, a história e a grandeza humana de algumas mulheres pouco reconhecidas pela história e pelas colunas sociais. São simples e breves flashes de vidas muito mais belas e complexas, uma espécie de retalhos da vida, tomados emprestados da inspirada pena do escritor uruguaio Eduardo Galeano. E começo pedindo emprestado os versos de Ivone Boechat:
“Um aroma suave / exalou das mãos do Criador, / quando seus olhos / contemplaram / a solidão do homem no Jardim! / Foi assim: / o Senhor desenhou / o ser gracioso, meigo e forte, / que Sua imaginação perfeita produziu. / Um novo milagre: / fez-se carne, / fez-se bela, / fez-se amor, / fez-se na verdade como Ele quer! / O homem colheu a flor, / beijou-a, com ternura, / chamando-a, simplesmente, / Mulher!”

Domitila Barrios de Chungara

No fim da festa de São João de 1967, antes do amanhecer, um furacão de balas arrasa o povoado boliviano de Llallagua. Parece fulgor de ossos a luz do novo dia. Depois o sol se esconde atrás das nuvens, enquanto os párias da terra contam seus mortos e os levam em carretas. Os mineiros marcham por uma ruela de barro de Llallagua. A procissão atravessa o rio, o leito de suja saliva entre pedras de cinza, e pelo vasto pampa chega ao campo-santo de Catavi.
Não tem sol o céu, imenso teto de estanho, nem tem a terra fogueiras que a qeueçam. Jamais esteve esta estepe tão gelada e tão solitária. Há que cavar muitos poços. Corpos de todos os tamanhos jazem em fila, estendidos, esperando. Do alto do muro do cemitério, uma mulher grita.
Domitila (07.05.1937-13.03.2012) grita do alto do muro contra os assassinos dos mineiros bolivianos. Ela mora em dois cômodos sem latrina nem água, com seu marido mineiro e sete filhos. O oitavo filho anda querendo sair da barriga. Cada dia Domitila cozinha, lava, varre, tece, costura, ensina o que sabe e cura o que pode, e além disso prepara cem empanadas e percorre as ruas buscando quem compre.
Por insultar o exército boliviano, levam-na presa. Um militar cospe em sua cara. “Cuspiu na minha cara. Depois me deu um chute. Eu não aguentei e dei um sopapo nele. Ele tornou a me dar um murro. Arranhei a cara dele. E ele me batendo, me batendo... Botou o joelho aqui em cima do meu ventre. Apertou o meu pescoço e estava por me enforcar. Parecia que queria arrebentar meu ventre... Então, com minhas duas mãos, com toda minha força baixei minhas mãos nele. E não me lembro como, mas tinha agarrado seu punho e tinha mordido, mordido... Tive um asco terrível ao sentir na minha boca o seu sangue. Então, com toda a minha raiva, cuspi seu sangue...
Ele chamou os soldados e fez com que uns quatro me agarrassem... Quando despertei como de um sonho, estava engolindo um pedaço do meu dente. Senti ele aqui na garganta. Então notei que o fulano tinha me quebrado uns seis dentes. O sangue estava jorrando e nem os olhos nem o nariz eu podia abrir...
E como se a fatalidade do destino fizesse, começou o trabalho de parto. Comecei a sentir dores, dores e dores, e logo já me vencia a criatura por nascer. Já não pude aguentar. E fui me agachar numa esquina. Me apoiei e cobri minha cara, porque não podia fazer nem um pouquinho de força. A minha cara doía como se fosse arrebentar. E num desses momentos, me venceu. Notei que a cabeça do bebê já estava saindo. E desmaiei.
Não sei depois de quanto tempo, me perguntava: “Onde estou? Onde estou?” Estava toda molhada. Tanto o sangue quanto o líquido que a gente põe para fora durante o parto tinham me molhado toda. Então fiz um esforço e acontece que encontrei o cordão do meu bebê. E através do cordão, esticando o cordão, encontrei meu bebezinho, totalmente frio, gelado, ali em cima do chão...” (Eduardo Galeano, O século do vento. Memória do fogo, vol. 3, L&PM Pocket vol. 909, 2010, p. 264-266)

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