quarta-feira, 20 de março de 2013

Domingo de Ramos


Jesus nos dá vida, da sua vida, a própria vida!
(Is 50,4-7; Sl 21/22; Fil 2,6-11; Lc 19,28-40; Lc 22,14-23,56)
Depois de 40 dias de preparação, eis que se abrem as portas para nós de uma semana que vale uma vida. Com ramos e flores, faixas e bandeiras, cânticos e palavras de ordem, reunimo-nos nas ruas e templos para aclamar nosso líder manso e humilde. “Bendito aquele que vem em nome do Senhor!” Só alguém infinitamente grande é capaz de fazer-se tão pequeno e próximo. Na celebração que abre a Semana-Santa somos convidados/as acompanhar Jesus no seu caminho de fidelidade, de oferta generosa da sua vida e bebendo o cálice num só golpe e realizando plenamente a vontade do Pai. Deus se recusa a dar uma esmola à humanidade: ele se dà a si mesmo e, no seu jovem corpo e sangue, assina uma parceria com prazo indeterminado. Como ensinou seu discípulo Dom Oscar Romero (+24.03.1980), para que todos tenhamos vida, ele nos dá da sua vida e, finalmente, sua própria vida.
“Aparecendo como qualquer homem...”
Para entender o relato da entrada de Jesus em Jerusalém temos que abandonar todas as fantasias de poder e de sucesso. Ele não tem nada de triunfal. Jesus vem da Galiléia e entra na capital do seu país, economicamente e politicamente dominado por Roma, montado num jumento. Nada de cortejos de honra nem de generais e cavalos vistosos e gestos de cortesia a grandes senhores. Como diz o hino de Paulo, Jesus chega a Jerusalém como sempre foi: um servidor, um simples homem esvaziado de interesses egoístas e radicalmente obediente às necessidades dos outros.
Depois de uma longa caminhada o jovem profeta galilei chega à capital do seu país, caminhando à frente de um numeroso, entusiasmado e, às vezes, desconcertado grupo de discípulos e discípulas. O povo do campo o aclama como filho e herdeiro de Davi. “Bendito o Rei que vem em nome do Senhor!” Era um coro de pessoas que, como o velho Simeão, sabiam reconhecer naquele indignado e revolucionário Aquele que vem em nome de Deus e atualiza sua ação libertadora. Mas isso contrasta com a fria acolhida por parte do povo de Jerusalém e com o medo indisferçável dos próprios discípulos.
O grupo que acolhe e acompanha Jesus na entrada nada triunfal em Jerusalém saúda o despontar do reino messiânico inspirado em Davi e a chegada do líder enviado por Deus. Ele, porém, não realiza as ações impressionantes que muitos esperavam. Chegando perto da capital amada e cantada em prosa e verso, Jesus a contempla de longe e chora, lamentando o fechamento à profecia e o apego às leis e demais instituições. Ele é o servo paciente e o ouvinte atento da Palavra do qual fala Isaías. E é dessa escuta que brota uma palavra que desperta os adormecidos e encoraja os acorrentados pelo medo.
“Orei por ti, para que tua fé não desfaleça...”
Mais uma vez, frente ao caminho seguido por Jesus Cristo, não é possível alimentar os mitos de sucesso fácil e irresponsável que costumamos projetar nele. Não nos deixemos impresionar pela acolhida que ele teve ao entrar em Jerusalém. O evangelista sublinha a escolha da montaria! A entrada de Jesus montado num jumento é uma poderosa sátira aos libertadores militares, conhecidos no passado, temidos no presente ou esperados para o futuro. Dizendo que o Senhor precisa do jumento, o Evangelho lembra que Jesus precisa de cada um de nós para cumprir sua missão.
Ademais, o entusiasmo suscitado naquele pequeno grupo de gente que vinha do interior não durará muito tempo. Os gritos de ‘hosana’ – Deus salva agora! – logo serão substituídos pelo insolente  ‘crucifica-o’, fruto da frustração do povo e da manipulação interesseira das autoridades. O grupo mais exaltado dos discípulos solta a voz e o proclama o Messias esperado, mas Jesus faz questão de demonstrar seu messianismo pobre e manso e entra montado muito a gosto num jumento. Nesta condição, parece até aceitar a aclamação, tanto que reage diante daqueles que queriam calar a boca dos discípulos. “Se eles se calarem, as pedras gritarão!”
“Levantai-vos e orai, para não cairdes em tentação.”
A divisão entre os próprios discípulos e a possibilidade concreta de traição não fazem Jesus mudar de plano. É verdade que ele se sente abatido e chega a se perguntar sobre o rumo a seguir. No momento crucial, depois da festa de acolhida e da ceia de despedida, enfrenta um discernimento difícil. Pede aos discípulos que fiquem com ele e vigiem. “Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice... ” Esta experiência crucial fica como um alerta para os discípulos e discípulas que sonham com sucesso e facilidades.
A oração é para Jesus um exercício de confronto profundo com a vontade do Pai, com a missão escrita em caracteres confusos e exigentes. Para os/as discípulos/as de todos os tempos a oração continua sendo um espaço para discernir com retidão e coerência os caminhos que levam à vida em abundância. Muitas vezes temos a impressão de que é mais cômodo deixar a oração de lado e seguir o róseo caminho do menor esforço, do “cada um para si e Deus para todos”. “Vigiem e rezem para não caírem em tentação.” E quais são as tentações que nos rondam no tempo que se chama hoje?
Pilatos cinicamente escolhe o caminho mais fácil de lavar as mãos, de fazer a vontade da maioria e assim receber o apoio popular que faltava ao seu poder despótico. É o fácil caminho da indiferença diante da dor dos outros, da rápida incriminação dos lutadores, da alegre bajulação dos poderosos de plantão, da arrogante pretensão de ser o único artífice do próprio bem-estar. Ele não se dá ao tempo e ao trabalho de analisar a vida do jovem que é acusado diante dele. É preciso vigiar para não cair em tentação...
“Realmente! Este homem era um justo.”
Aquele que o povo simples havia saudado na entrada da cidade como quem vinha e agia em nome de Deus permanece fiel e acaba preso, abandonado pelos próprios discípulos, condenado e pregado na cruz. Como sabemos, a cruz era considerado um lugar absolutamente vazio da presença Deus, a negação mais absoluta da realeza ou de qualquer forma de liderança, sinônimo de horror, de fracasso, de culpa, de impotência, de abandono. O último degrau de uma longa escada de negação e exclusão. “Salva-te a si mesmo se, de fato, é o Cristo de Deus, o Eleito”, provocavam muitos, entendendo que a divindade se mostra no poder, no cuidar de si mesmo, no salvar a própria pele.
Tanto para os judeus como para os romanos, a crucifixão representava a completa negação do ser humano, o redundante fracasso da peretensão de liderança, a absoluta ausência de Deus, a mais radical falta de sentido. O próprio Jesus parece mergulhar neste escuro turbilhão. “Já era mais ou menos meio-dia, e uma escuridão cobriu toda a terra, pois o sol parou de brilhar.” Mmas acaba vislumbrando a suprema consolação na radicalização do dom de si mesmo: “O véu do Santuário rasgou-se pelo meio, e Jesus deu um forte grito: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.”
É da boca de um soldado pagão vem a palavra que faz brilhar uma pequena luz na escuridão que fazia em plena tarde. “De fato, esse homem era mesmo o Filho de Deus.” O que viu aquele soldado pagão que os outros não viram? Viu o mesmo que Simeão reconhecera 30 anos antes: que Deus se revela na pequenez e na fidelidade daqueles que morrem defendendo a vida. Naquele homem esvaziado, anulado e descartado, mas, ao mesmo tempo, absolutamente fiel ao seu amor pelos últimos e senhor de si mesmo, o soldado viu a exaltação da humanidade e o brilho da glória de Deus, diante da qual todo corpo se inclina e todo poder despótico treme.
“Anunciarei teu nome aos meus irmãos...”
Aclamemos com jovial alegria e convincente esperança o mestre e profeta Jesus de Nazaré. Acompanhemos de perto seus passos, acolhamos seus gestos, escutemos suas palavras. Superemos a tentação de segui-lo de longe e evitar maiores riscos, como fizeram Pedro e os outros. Não esqueçamos que tantos discípulos e discípulas pelos séculos a fora permaneceram com ele, comungaram seu destino e se tornaram semente. Entre estes está o nosso querido  e incompreendido Dom Oscar Romero, cujo martírio recordamos exatamente neste domingo e cuja santidade o povo já reconheceu.
Jesus de Nazaré, filho e herdeiro de Davi, messias jovem, servidor e humilde: diante de ti dobrampos os joelhos e estendemos nossas vestes e ramos. Te oferecemos nosso corpo para que entres hoje em nossas praças e cidades, para anunciar com timbre de sino a dignidade daqueles/as que não a têm reconhecida e assegurada. Não deixes que a aclamação que te damos na liturgia seja negada na pela nossa concreta. Ensina-nos de novo a sagrada lição da Ceia e da Paixão: que não existe maior prova de amor que doar a vida por quem amamos. E dai-nos a graça da vigilância e da perseverança. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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