quarta-feira, 6 de março de 2013

Ecumenismo e diálogo inter-religioso


O diálogo como caminho para o Reino de Deus

Na manhã, na sede da União Internacional das Superiores Gerais, às margens do rio Tibre, em Roma, tivemos mais um encontro mensal dos Promotores de Justiça, Paz e Integridade da Criação (grupo de língua espanhol/português). O tema desta manhã de reflexão foi: diálogo ecumênico e inter-religioso, caminho para o Reino de Deus.

O tema faz parte de um projeto mais amplo que visa retomar e alargar alguns horizontes oferecidos (ou esquecidos) pelo Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização. Coube ao grupo brasileiro organizar a reflexão. Para dirigir a reflexão inical, convidamjos o Pe. Marco Gnavi, membro da Comunidade Santo Egídio e um dos responsáveis pela secretaria de ecumenismo e diálogo inter-religioso da diocese de Roma.

Pe. Marco Gnavi, assessor
Tensões e oportunidades

Deve-se dizer que a chamada Nova Evangelização, por ter sido reduzida a uma estratégica de reaproximação e reconquista dos católicos que se afastaram da Igreja católica ou se deixaram influenciar pela mentalidade secularizada, não tem leva muito em conta a perspectiva do diálogo ecumênico e inter-religioso, não osbtante declarações oficiais e solenes de que este seria elemento essencial da evangelização.

Mesmo assim, o Instrumentum Laboris (IL), que recolheu as contribuições das Igrejas particulares e subsidiou o Sínodo, assinala que, mesmo que permaneçam tensões, nas últimas décadas a colaboração ecumênica tem crescido. Mas o trabalho é enorme e duro, e o ecumenismo continua chamando à conversão. O diálogo inter-religioso também vem se impondo com força e se apresenta como uma oportunidade para aprofundar a compreensão da nossa própria fé (cf. IL, § 72-73).

Uma Igreja que se deixa transfigurar e converter pelo Evangelho assume necessariamente o compromisso ecumênico. A diversidade é um valor, mas a divisão é um contratestemunho. É nesta perspectiva que se afirma que “a superação das divisões é a condição indispensável para a plena credibilidade do seguimento de Cristo”, e que “aquilo que une os cristãos é muito mais forte do que aquilo que os separa” (IL, § 125).

Sacramento de unidade

A partir do Vaticano II a Igreja católica se concebe como sacramento de unidade do gênero humano e a serviço do Reino de Deus. Na verdade, percebemos que nosso mundo, marcado pela globalização midiática e financeira, tem sede de comunhão e de unidade mas, ao mesmo tempo, fomenta o medo e a fragmentação.

A divisão entre diversas igrejas e religiões não é a única que fere nosso mundo. Depois do fim da divisão e da guerra-fria entre mundo comunista e mundo capitalista, estão querendo nos embebedar com a ideologia da divisão e oposição entre oriente islâmico e ocidente cristão. Mas não podemos esquecer que há outra divisão, que atravessa as demais de cima a baixo: entre, por um lado, pessoas e nações ricas e desenvolvidas e, por outro, pessoas e países pobres, explorados, atrasados e excluídos de bens humanos e econômicos essenciais.

Equipe de Coordenação do Encontro
É neste mundo que se apresenta, mais que fragmentado, fraturado violentamente que, em nome da fé em Jesus Cristo, precisamos interagir e dialogar. E isso supõe um sadio e maduro realismo: entramos em relação como colaboradores e aprendizes, como quem está em busca da verdade e quer crescer no intercâmbio, como quem oferece o melhor de si e acolhe agradecido o que os outros partilham. Mas, ao mesmo tempo, precisamos entrar nessa relação com a força profética e desestabilizadora que está no coração das religiões, para sanar a terrível ferida da indiferença e da dominação de uns sobre outros.

Unidade ou diálogo?

Nosso assessor insistiu muito na busca de unidade como meta do caminho ecumênico. E isso me inquieta, e me faz levantar ao menos duas suspeitas. A primeira é que corremos o risco de esquecer que a unidade não é um fim em si mesma, mas um espírito que nos impulsiona a construir o Reino de Deus, esse sim, meta final da vida cristã. E o Reino de Deus é muito mais que tolerância e aceitação das outras formas de crer: é também a garantia universal de acesso aos meios materiais e sociais da vida humana.

A segunda suspeita é que por traz desse discurso está a idéia de que a diversidade de Igrejas e de religiões é uma espécie de problema ou deficiência que um dia será superada. Mas será que o pluralismo e a diversidade religiosa, além de fato incontestável, não são um valor e uma riqueza para a humanidade? Podemos imaginar uma natureza sem biodiversidade, com uma só espécie de animal, uma só espécie de plantas, um só tipo de minério, uma só espécie de flor?

Creio que fruto da obra do diabo não é apenas a divisão, mas também uma unidade buscada e assegurada a qualquer custo e castradora da originalidade. Não é por nada que, conforme o Gênesis, Deus enfrentou a híbris dominadora da cidade de Babel provocando e abençoando a diversidade de línguas E o Espírito enviado por Jesus Cristo fez com que cada povo escutasse e entendesse o anúncio das obras de Deus em sua própria língua e cultura...

E nós?

Não obstante as perspectivas abertas e os desafios ecumênicos oferecidos pelo Vaticano II, continuamos vivendo agindo como se as outras Igrejas ou religiões não existissem; ou como se fossem nossas concorrentes ou inimigas. Em alguns momentos nos dizemos bons vizinhos, mas de resto nossos projetos pastorais, formativos e missionários simplesmente ignoram a perspectiva ecumênica. O diálogo ecumênico e inter-religioso não faz parte do nosso vocabulário pastoral. É apenas uma fantasia para alguns dias de carnaval.

Mas com isso fazemo-nos de surdos diante dos apelos da própria Sede Apostólica, ou os consideramos ‘conversa pra boi dormir’. Sem a pretensão de trazer à baila tudo o que se disse no Vaticano II e depois dele sobre o ecumenismo e o diálogo com as outras religiões, e sem ignorar algumas iniciativas muito fragmentadas, transcrevo apenas algumas frases que João Paulo II escreveu a nós, religiosos e religiosas.

A missão particular da Vida Consagrada

“Se a alma do ecumenismo é a oração e a conversão, não há dúvida que os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica têm uma particular obrigação de cultivar este empenho. Por isso, é urgente abrir, na vida das pessoas consagradas, espaços maiores à oração ecumênica e a um testemunho autenticamente evangélico, para que se possam abater, com a força do Espírito Santo, os muros das divisões e dos preconceitos entre os cristãos.

A partilha da lectio divina na busca da verdade, a participação na oração comum, o diálogo da amizade e da caridade, a hospitalidade cordial praticada para com os irmãos e irmãs das diversas confissões cristãs, o conhecimento recíproco e a permuta dos dons, a colaboração em iniciativas comuns de serviço e de testemunho, são diversas formas de diálogo ecumênico, expressões agradáveis ao Pai comum e sinais da vontade de caminhar juntos para a unidade perfeita, pela senda da verdade e do amor. Nenhum Instituto de vida consagrada se deve sentir dispensado de trabalhar por esta causa.

Uma vez que o diálogo inter-religioso faz parte da missão evangelizadora da Igreja, os Institutos de vida consagrada não podem eximir-se de se empenharem também neste campo, cada qual segundo o próprio carisma e seguindo as indicações da autoridade eclesiástica. A primeira forma de evangelização junto dos irmãos e irmãs de outra religião há-de ser o próprio testemunho de uma vida pobre, humilde e casta, permeada de amor fraterno por todos.

Outro âmbito de colaboração com homens e mulheres de tradição religiosa diversa é a solicitude pela vida humana, que se estende da compaixão pelo sofrimento físico e espiritual até ao compromisso pela justiça, a paz e a salvaguarda da criação. Nestes setores, hão-de ser sobretudo os Institutos de vida activa a procurarem o consenso com os membros de outras religiões, naquele diálogo das obras, que prepara o caminho para uma partilha mais profunda." (João Paulo II, Exortação pós-sinodal Vita Consecrata, 25.03.1996, § 100-102).

Itacir Brassiani msf

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