segunda-feira, 18 de março de 2013

Festa de S. José, esposo de Maria


José, o amado esposo de Maria

Certamente José conhecia Maria e se havia encontrado muitas vezes com ela nas poucas ruas de Nazaré, na praça ou no mercado público, à beira dos poços, à sombra das figueiras. Podemos imaginar que a atração de um pelo outro se desenvolveu ao longo tempo. Ele, um homem justo, e ela, uma jovem cheia de graça. Dois jovens envolvidos por um mistério de profundidade sobre o qual pouco sabiam. Sentiam a mesma presença, o mesmo profundo desejo, o mesmo apelo, a mesma força.

Como o seu homônimo do Egito, podemos imaginar que “José tinha um belo porte e era bonito de rosto” (Gn 39,6). Aquela que era cheia de graça certamente não escolheria um namorado desprovido de beleza. O apreço dos amigos e a admiração dos aprendizes reconheciam a doçura e a humildade que conferiam a José uma discreta grandeza, uma secreta mejestade. Deus deu um jeito de aproximá-lo de Maria. E quando um olhou o outro, o rosto de ambos brilhou, como se fossem duas faces de um mesmo ostensório.

Com o casamento já previsto, José se empenhou em cortar e aplainar madeira e montar móveis,  coisa que sabia e gostava de fazer. E Maria subiu apressadamente a montanha para ajudar sua prima Isabel nos últimos dias de uma misteriosa gravidez. Ambos, de diferentes modos, realizavam discretamente a vontade de Deus. E pouco a pouco pressentiram e descobriram, não sem espanto, que Deus havia decidido fazer-se humana carne, e para isso precisava do empenho de Maria e da colaboração de José.

Mas essa descoberta ameaçava desmantelar o amor que se fazia aliança conjugal entre José e Maria. O menino que nasceria fora do amor carnal parece separá-los, pois prescinde de José. Maria sabe, e seu amado acabará sabendo também, que José não seria seu pai. Diante disso, que sentido teria a união matrimonial que estava para se realizar? Depois de esvaziada por Deus, esta relação não seria, cedo ou tarde, criticada e refutada pelos homens? Como José poderia compreender isso, e o que poderia fazer? Como ajustaria sua alma a algo que parecia um absurdo?

Maria havia dito ao mensageiro de Deus que seu estado era absolutamente incompatível com o chamado a ser mãe do filho de Deus (cf. Lc 1,34). Ela era prometida em casamento e o esperava. Na anunciação, o nome do seu marido aparece antes que o seu, como que sublinhando esta sua condição. Na imaginação de Maria, o modo normal pelo qual o anúncio se realizaria seria a plena conjugalidade com José. “Como acontecerá isso, já que eu não convivo com um homem?” (Lc 1,34). O anjo começa reconhecendo respeitosamente a legitimidade da objeção de Maria, mas lhe propõe outro caminho, misteriosamente expresso como ‘poder do Altíssimo’. Estas palavras, que para nós são muito confusas, deram a Maria uma grande serenidade. Mas isso não tira ao anúncio seu caráter paradoxal e espantoso.

Uma concepção virginal era e é algo espantoso, uma realidade diante da qual não podemos passar ao largo e cuja compreensão podemos dar por descontada. E devemos começar recordando que a virgindade consagrada era desconhecida entre as mulheres e  muito rara entre os homens judeus. E isso não por falta de amor e de fé, mas exatamente por causa da adesão pessoal à vontade de Deus. Considerar a virgindade consagrada de Maria como sinal e fruto da sua união imaculada com Deus é uma leitura estranha tanto a Maria como aos evangelistas. Ela diz que Deus fez grandes coisas nela ao torná-la mãe, e não por conservá-la virgem! Deus pediu e concedeu a ela a virgindade e não a fecundidade!

E como fica José em tudo isso? O nascimento do Messias não pode ter prescindido da sua união conjugal com Maria; antes, participiou profundamente dela. A encarnação do Filho de Deus tem uma clara dimensão conjugal! O casamento entre Maria e José não foi um simulacro! Como consequência do matrimônio, Maria pertencia inteiramente a José, e José pertencia plenamente a Maria. E, em coerência com o pensamento e a ação de Deus assim como era vista no judaísmo, devemos levar a sério que José desejava ardentemente um matrimônio fecundo. E isso de fato aconteceu, mas através de uma espécie de esvaziamento e despojamento da sua paternidade (como Abraão em relação a Isaque!).

O dom que Maria ofereceu a Deus não é propriamente seu corpo virgem, mas o corpo de José, que lhe pertencia por direito matrimonial. O corpo de Maria não pertencia a si mesma mas a José, de modo que ela não poderia oferecer a Deus aquilo que não era seu. E a recompensa ou bênção que ela recebe de Deus é pela oferta do corpo de José! O milagre é que o filho que foi gerado nesta oferenda será herdeiro das promessas feitas a Davi, e seu pai legítimo será José, descendente de Davi e esposo de Maria. José é aquele que, por sua conjugalidade com Maria, garante a ligação de Jesus com as promessas messiânicas.

A pergunta que Maria dirige ao anjo sobre ‘como acontecerá isso?’ não está relacionada a si mesma e à sua condição virginal, mas relacionada a José, à sua natural e legítima participação na sua fecundidade. Ou melhor: Maria não interroga ao anjo sobre o conteúdo do mistério anunciado (sobre aquele que vai nascer, que será o Messias, ou sobre seu pai, que será José) mas sobre o específico comportamento conjugal que Deus espera de José: como ele deverá cooperar neste projeto, mantendo-se, ao mesmo tempo, fiel às promessas matrimoniais?

E é exatamente a esta questão que o anjo responde. É somente mediante o abandono ao ‘poder do Altíssimo’ que esta gravidez acontecerá. E é para ilustrar isso que o anjo acena à fecundidade conhecida por Isabel e Zacarias: o mesmo poder do Altíssimo operou, de forma ainda incompleta e imperfeita mas não menos precursora, neste casal prefigurativo. É diante desta referência que Maria acolhe o convite: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). E será ainda no ventre de sua mãe que o precursor confirmará a Maria a verdade do anúncio, o que a fará exultar de alegria no Senhor.

Itacir Brassiani msf
(Tradução resumida do livro Joseph, le géant du silence, de François Bourguignon. Edit. Parole et Silence, Paris, 2011, p. 29-48)

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