quinta-feira, 7 de março de 2013

Quarto Domingo da Quaresma


O que era antigo passou e agora tudo é novo!
(Js 5,9-12; Sl 33/34; 2Cor 5,17-21; Lc 15,1-3.11-32)
Esta frase programática e provocativa parece extraída de um panfleto das famosas manifestações juvenis de 1968 ou de uma das tantas canções de época, que ressoam nos ouvidos de quem viveu intensamente ou ouviu falar daqueles ‘anos dourados’. Ou poderia ser parte do lamento acusatório de pessoas menos jovens, desoladas e indignadas com aquilo que consideram iconoclasta inquietação das novas gerações. Mas não é! Esta afirmação faz parte do ‘evangelho segundo São Paulo’, uma leitura fielmente criativa do Evangelho feita por este ardoroso apóstolo da graça libertadora de Deus e da evangelização dos povos. Para Paulo, quem crê em Jesus Cristo e assume sua proposta de vida renasce para uma vida nova, assume uma nova escala de valores, é uma nova criatura. E isso tem tudo a ver com o tema da Campanha da Fraternidade, que está em curso nas comunidades católicas do Brasil. Evangelho tem a ver com conversão de mente e de coração, mudança de horizontes, renovação radical.
“O que era antigo passou...”
Afirmar que ‘a juventude mora no coração da Igreja’ e faz parte dos interlocutores prioritários da sua missão significa afirmar que desejamos ser uma Igreja aberta ao novo, que amamos os jovens não apenas porque eles são uma força de revitalização da sociedade, mas também porque amamos neles um misterioso e inesgitável dinamismo de perene novidade. A Igreja necessita disso para manifestar ao mundo o verdadeiro rosto de Cristo e a universalidade da sua mensagem (cf. TB 193; 229).
Infelizmente ainda vigora em muitos ambientes eclesiais a idéia de que a juventude é um retrato coletivo de uma imagem tendenciosa do filho mais jovem da parábola do pai misericordioso: desobediente e irreverente com os próprios pais, sedento de aventuras e festas, amante da promiscuidade e das novidades, dissipador dos bens materiais e espirituais da família e da sociedade, e assim por diante. E com isso se esquece e se distorce deliberadamente o importante papel dos jovens na história do cristianismo, a começar por aquele ‘jovem galileu’.
“Um homem tinha dois filhos.”
Um terrível apartheid racial, geracional, social, econômico e cultural divide a humanidade em partes opostas, e as ideologias oferecem neutros conceitos e doces palavras para nos convencer de que uma nada tem a ver com a outra e a fé não deve se meter nisso. A realidade se apresenta como aquela que Jesus evidencia no evangelho de hoje: são dois filhos do mesmo pai, mas o filho mais velho reclama seus direitos, acusa irmão jovem que vive miseravelmente e não o reconhece como seu irmão.
Infelizmente, a coexistência de pequenas elites ricas e poderosas e de uma multidão de oprimidos e miseráveis, assim como o domínio absoluto de uma gerontocracia senil, especialmente no ambiente eclesial, é aceita por muitos cristãos com indiferença, como se fosse coisa natural. E algumas vozes até se levantam, como fizeram os fariseus em relação a Jesus, para criticar e ameaçar aqueles/as que, em nome de Jesus Cristo, defendem sua dignidade e seus direitos e propõem mudança e renovação.
“Todos os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar.”
Não esqueçamos que, em muitos aspectos, Jesus age como um indignado transgressor: não respeita a lei que proíbe fazer qualquer coisa em dia de sábado (6,1-11; 13,10-13); beneficia e elogia pessoas que não pertencem ao judaísmo (7,1-10; 10 ,25-37); acolhe pessoas consideradas de má fama (5,27-32; 7,36-50); dá atenção e ajuda a pessoas menosprezadas e consideradas impuras (4,38-39; 5,1-16; 7,11-17; 8,26-56); etc. O resultado é que muita gente que se sente excluída pelo judaísmo e pelo império romano, tendo encontrado acolhida e ajuda em Jesus, se aproxima dele, senta à sua mesa e o segue.
O filho mais jovem da parábola representa exatamente esta multidão que anda cansada e abatida, como ovelha sem pastor. Uma leitura apressada e moralista da parábola foca a atenção na controversa atitude do jovem: pedir a parte da herança à qual tem direito; esbanjar tudo imprudentemente; arrepender-se e voltar à casa do pai. Entretanto, o mais importante na parábola é a alusão à situação em que vivem aqueles/as com quem Jesus se solidariza: são como migrantes desempregados num país estranho; mendigam para sobreviver; não recebem nem aquilo que se dá aos porcos.
 “Seu pai o avistou e foi tomado de compaixão.”
Com esta parábola Jesus quer chamar a atenção para a figura do pai, sacramento da ação de Deus. Sua bondade supera uma justiça que se restringe a dar a cada um aquilo que, segundo a lei ou os costumes, lhe corresponde e, ‘tomado de compaixão’ corre ao encontro do filho necessitado – que é o mais jovem! – o abraça, veste e cobre de beijos. Ao pai pouco importa o refrão ensaiado por aquele que não era mais reconhecido como gente, tanto que não permite que o recite por inteiro. Para o pai, aquele resto humano nunca deixara de ser seu filho, e isto bastava.
Neste mundo convertido em festiva casa de irmãos e irmãs, Deus não trata ninguém como empregado/a, muito menos como estrangeiro/a ou devedor/a. Todos são filhos e filhas, e podem usufruir incondicionalmente de sua acolhida e dos seus bens. Para os/as filhos/as maltratados/as e mais necessitados/as ele reserva as melhores túnicas, o anel com o brasão da família e a festa com carne do novilho mais gordo. No seu projeto, ninguém é excluído nem padece fome. Gandhi entendeu bem isso quando disse que o que mostra o progresso de uma sociedade não é o número de milionários mais a ausência de pobres e excluídos. E o fim da miséria é apenas o começo!
“Os fariseus e os escribas, porém, murmuravam contra ele.”
Mas infelizmente existem cristãos que, por ignorância ou por maldade, murmuram contra a proposta de um mundo diferente e acusam os/as que ousam ensaiá-lo. Representando os fariseus e escribas, o filho mais velho é o protótipo do cidadão e do/a crente preconceituoso/a e observante das leis. Não lhe falta nada e tem tudo em abundância, mas não esconde que se sente credor/a diante de Deus. Não consegue disfarçar sua raiva diante de um pai que acolhe generosamente o jovem inquieto e necessitado de tudo. Ofende o próprio pai, acusando-o violentamente de ser parcial e injusto.
O filho mais velho não reconhece o jovem inquieto e necessitado como seu irmão. Discutindo com o pai, refere-se a ele como ‘esse teu filho’. Mas o pai, depois de sublinhar que sua indiganção não tem sentido e de afirmar que os bens que julga seus na verdade lhe foram doados, insiste que aquele não-cidadão acolhido com festa é ‘teu irmão’. A solidariedade faz da humanidade uma família onde todas as pessoas se reconhecem e protegem mutuamente, e a ação contra a exclusão está intimamente associada à criação e recomposição dos laços sociais, laços de humanidade, ao nascimento como nova criatura.
“Este teu irmão estava morto e tornou a viver...”
Quando vemos e ouvimos os setores historicamente privelegiadas protestar contra medidas legais que procuram reconhecer a dignidade dos empobrecidos, afirmar seus direitos e garantir quotas, precisamos proclamar que o direito e o Estado não podem ter dcomo único papel assegurar o crescimento e o funcionamento do sistema econômico organizado pelas aristocracias e gerontocracias. Estado, Direito e Igreja precisam proteger o direito dos sem-direitos e potencializar o protagonismo renovador dos jovens, pois são eles que mais anseiam pela civilização do amor e do bem comum.
Assinalando que o pai distribui os bens igualmente entre os filhos e enfatizando sua compaixão para com aquele que perdera tudo, inclusive a consciência de ser filho, a parábola justifica a ação de Jesus a favor dos excluídos daquele tempo e nos convoca a rever nossa postura pessoal e a função das estruturas econômicas, sociais e políticas em relação às pessoas socialmente discriminadas, a começar dos jovens. Jesus supera as antigas leis e cria algo novo. A humanidade e a sociedade são reinventadas.
“Olhai para ele e ficai radiantes!”
Jesus de Nazaré, jovem galileu e filho de Deus, peregrino no santuário das dores e esperanças humanas: desejamos ardentemente sentar à mesa do teu Reino, ao lado dos irmãos mais velhos, fara festejar a acolhida dos bravos jovens, que não arrefecem diante das dificuldades e desbravam novos caminhos de humanidade. Afasta do nosso meio o opróbrio da discriminação e da necessidade de mendigar os direitos humanos. Dá às nossas comunidades eclesiais e aos seus responsáveis a generosidade daquele pai com coração de mãe, para que saiam ao encontro dos jovens e os acolham festivamente, compartilhando com eles a palavra, a mesa e a missão. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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