segunda-feira, 4 de março de 2013

Sede vacante, silêncio no Vaticano


Sede vacante
A expressão latina traduz o momento em que a sede romana da Igreja católica se encontra sem a pessoa que a preside. Roma está sem bispo à espera de outro. E o bispo de Roma tem ministério especial que alcança todas as outras igrejas. Existe um Direito Canônico e uma teologia que regem tal exercício, quer na presença, quer na ausência do pontífice romano.
Este é o lado visível. Que acontece realmente no mistério profundo da Igreja católica? A sua verdadeira alma não morreu nem renunciou. Segue viva como antes. A presença, que a sustenta, chama-se Espírito Santo e os cristãos seguem a  Jesus Cristo. O mais importante e imprescindível prossegue no ritmo sem interrupção. A substituição da guarda em Roma não significa nenhuma mudança fundamental para a Igreja.
A fé cristã relativiza a importância das instâncias de poder na Igreja. Aponta para o fundamental. A vida dos cristãos pelo mundo inteiro segue na fidelidade ao evangelho. A gravidade da crise da Igreja acontece e gera preocupação, não pela renúncia ou eleição desta ou daquela pessoa, mas pelo esfriamento no seguimento de Jesus.  A imprensa tem vasculhado com os atuais recursos de investigação e carregado as tintas nas falhas institucionais da Igreja, lançando-as pelo ar virtual dos meios de comunicação. Não se trata de defendê-las, nem justificá-las, mas de relativizá-las.
O próprio Jesus conheceu a traição de dois dos doze apóstolos, um até o extremo de entregá-lo aos inimigos e de tirar-se a vida, e outro de negar conhecê-lo diante da empregada. E dois mil anos depois está ele aí vivo a ser cultuado por mais de um bilhão de seguidores.
A beleza e a força da Igreja não residem na Instituição, embora necessária, mas na vida cotidiana dos fieis que creem no mistério do Deus-comunidade, celebram a vida de Jesus em eucaristias criativas e amam o próximo na entrega de si. E tal realidade mostra-se ainda viva. Se na Europa a Igreja se esclerosa, sobretudo em alguns países, por falta de fluxo vital, em outros continentes ela cresce pujantemente. O jogo de queda e vigor depende muito mais da maneira como o evangelho é proposto, ora apresentando novidade maravilhosa, ora soando arcaico em linguagem cristalizada do que da organização institucional.
O futuro da Igreja dependerá cada vez mais da totalidade do corpo eclesial dos fieis que vivem com entusiasmo contagiante e alegria irradiante a fé do que das incursões das autoridades eclesiásticas.
Nos próximos dias em que o silêncio do Vaticano se estende pelo mundo, os cristãos perceberão melhor como a seiva da fé, do serviço aos irmãos e especialmente aos pobres e marginalizados circula como a verdadeira força da Igreja. Saberão, então, sobrepor-se à avalanche de informações sensacionalistas que tocam a superfície. Mais: abre-se-lhes maravilhosa oportunidade para reflexão profunda sobre a própria vida cristã pessoal e comunitária. Verão, como ao seu lado, continuam os fieis que descobriram realmente a beleza do evangelho a vivenciá-lo na existência sem que as contingências do poder a contaminem.
João Batista Libânio sj

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