quarta-feira, 27 de março de 2013

Vigilia Pascal


Não coloquemos na lista dos mortos Aquele que está vivo!
(Gn 1,1-2,2; Gn 22,1-18; Ex 14,15-15,1; Rm 6,3-11; Sl 117/118; Lc 24,1-12)
Como quando falece uma pessoa querida, hoje nos reunimos em vigília, marcados pela dor da perda, recapitulando a história da salvação, regando as frágeis sementes da esperança. Mas a vigília sempre tem o objetivo de assumir a herança humana e espiritual de quem partiu, levantar o olhar, contemplar o horizonte e encontrar forças para continuar a caminhada da vida. Reunimo-nos, como canta Elis Regina, acariciando o pequeno fio de esperança: “Eu sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente... A esperança dança na corda-bamba de sombrinha, e em cada passo dessa linha pode se machucar...” A escuta atenta e ritmada da Palavra que cria e sustenta a vida e a esperança pode nos ajudar neste tempo de espera vigilante. A falta de uma sepultura e de um corpo para ser chorado e cultuado acende em nossa alma uma sede insaciável de estradas e sendas inovadoras.
“A terra estava deserta e vazia.”
Não podemos fazer de conta que já sabemos claramente o que vai acontecer no final desta breve vigília. Quem pensa assim não suporta uma hora de escuta e meditação e quer logo chegar ao fim já conhecido. O objetivo desta vigília não é apenas recordar a ressurreição de Jesus de Nazaré, acontecida há quase dois mil anos. Reunimo-nos para lançar um olhar contemplativo sobre nossa história pessoal, comunitária e social e tentar perceber nela os sinais de ressurreição.
É uma ilusão inocente ou maldosa imaginar que tudo muda num golpe de mágica. A ação criadora de Deus mediante nossa própria ação é sempre lenta e avança numa luta sem tréguas contra o vazio, o caos e o absurdo. Como os hebreus fugindo do Egito, quem entra na luta se vê frequentemente encurralado, com o mar intransponível à frente e as tropas ameaçadoras atrás. Nossa experiência ainda hoje mostra que existem pessoas lutadoras e iniciativas promissoras, mas estão muito dispersas, como o povo de Israel esparramado na Babilônia. Quais são os sinais de páscoa nesta situação?
Os sinais estão nas mil formas que a criação encontra para mostrar sua beleza, harmonia e bondade. Estão também nos homens e mulheres que, vivendo a ternura e o cuidado, estampam nos seus corpos a imagem do criador; nos homens e mulheres que mudam o coração de pedra e lei em coração de carne e humanidade; nos passos inseguros e cambaleantes que muitos grupos ousam, entrando mar adentro; nos fragmentos que se associam e se unem para formar um povo com consciência da sua dignidade e da sua missão; nesta comunidade chamada Igreja que, apesar das fraquezas e traições dos seus membros, confessa seu pecado, levanta a cabeça, anuncia e denuncia.
“Não está aqui! Ressuscitou!”
Sendo recordação, a vigília é também saudade, espera e vazio. O vazio da libertação perdida, do desejo de plenitude, do futuro que é espera. A vigília é também um dolorido processo de despojamento dos nossos estreitos conceitos, ambíguas ambições e despóticos senhores a fim de purificar nosso olhar e sintonizar nosso ser com o mistério de Deus. Deus assume esse vazio e nele faz sua morada! No início de tudo, o Espírito pairava sobre a terra informe e vazia...
O vazio da sepultura não comprova a ressurreição mas convida a perceber que as marcas dos pregos no corpo torturado não são a última palavra de Deus sobre a hisória. Na sepultura vazia, homens vestidos de branco e mulheres caminheiras ensinam que o caos pode dar lugar a uma criação harmoniosa, que o mar ameaçador pode ser atravessado a pé enxuto, que os grupos dispersos podem ser reunidos, que os crucificados caminham à nossa frente rumo às fronteiras, onde a nova humanidade está em gestação.
É verdade que o Dia ainda não amanheceu e que a terra continua tremendo, mas os guardas do sistema também tremem diante do vulto de mulheres e de homens que corajosamente se aproximam. Precisamos nos abrir às novas possibilidades escondidas no segredo do átomo, no íntimo das pessoas e nos caminhos da história, vibrar de alegria e sair correndo para anunciar aos outros esta Boa Notícia.
Mas as mulheres nos ensinam que os sinais palpáveis da ressurreição só podem ser tocados na periferia – “ele vai para a Galiléia na frente de vocês. Lá vocês o verão” – e na missão – “agora vocês devem ir e dizer aos discípulos dele e a Pedro...” É neste caminho de êxodo missionário que as três mulheres reconhecem o Ressuscitado que vem ao encontro delas pedindo que se alegrem e não tenham medo. O lugar onde ele estava deixa de ser importante. Importa agora é ir para onde ele está, para a Galiléia daqueles/as que não contam.
“Sabemos que o homem velho foi crucificado com Cristo.”
Como cristãos, completamos em nossos corpos os sofrimentos de Jesus Cristo, prolongamos os sinais do esvaziamento por amor. E a ressurreição se multiplica como semente no testemunho e nas iniciativas de discípulos e discípulas, comunidades e Igrejas, grupos e movimentos de mudança. Como na ressurreição de Jesus de Nazaré, os sinais são pequenos, quase desprezíveis, mas igualmente reais e promissores. Como na parábola, a semente é pequena, mas tem um impressionante dinamismo de crescimento.
O batismo, recordado comunitariamente nesta vigília, expressa este dinamismo pascal na vida de cada um/a de nós e da comunidade eclesial. Com o batismo dizemos que por Cristo, com Cristo e em Cristo fomos mortos/as e sepultados/as para os esquemas e interesses do mundo e servimos a um só Senhor. Mortos/as para a lei de levar vantagem em tudo e livres para começar uma vida nova, no caminho aberto por Jesus Cristo. O Homem velho vai morrendo, e uma nova criatura vai nascendo.
Já vivemos e sofremos o bastante para sabermos que isso não tem nada de mágico ou automático. Trata-se de um projeto de vida que, para ser realizado, exige disciplina e empenho sem descanso. Porque não se trata apenas de lutar contra inimigos externos, mas de vigiar sobre nós mesmos/as e a sobre a permanente tentação de sermos os/as primeiros/as, os/as superiores/as, os/as mais dignos/as, os/as merecedores/as.
Mas esta não é uma luta inglória. Jesus de Nazaré, nosso irmão maior, já venceu a batalha, derramou sobre nós o seu Espírito e nos tornou capazes de vencer com ele. E temos também o testemunho e o apoio de nossa comunidade de fé e de uma nuvem de testemunhas que nos precedeu ou caminha conosco. Entre estas testemunhas está o pastor e teólogo luterano Dietrich Bonhoefer que, na véspera de sua execução pelos nazistas (1945), escrevia aos seus amigos: “Estou tranquilo. A vitória é certa!”
“A pedra rejeitada tornou-se pedra prinicpal.”
Os primeiros cristãos resgataram uma imagem muito sugestiva para falar da ressurreição de Jesus: Ele é como uma pedra que os construtores descartaram e descastaram, mas que Deus transformou em pedra de ângulo, pedra que sustenta todo o teto em forma de abóbada. Por isso, a páscoa pede que abramos os olhos e as portas às pessoas e grupos sociais que são descartados como desnecessários ou eliminados como incômodos. Se não os tivermos no coração das nossas preocupações e projetos eclesiais, nossa fé é casa construída sobre a areia e nosso amor pode se degenerar em patologia.
Mas o alegre anúncio da ressurreição de Jesus nos confronta de novo com uma questão absolutamente fundamental: quem é o Senhor que rege nossa vida? Jesus Cristo, ou o poder e a riqeuza? Em que é que depositamos nossa esperança e a que atribuímos nossa segurança? Jesus Cristo, despojando-se de tudo e renunciando a tudo para melhor amar e servir, potencializou de tal forma sua vida que a violência dos poderosos não conseguiu destruí-la. Sua vida é uma parábola viva que comprova seu ensino: “Quem perde sua vida por causa de mim e do Evangelho a conserva para sempre.”
“Viverei para anunciar as obras do Senhor!”
Jesus de Nazaré, jovem pregador perseguido e eliminado pela violência dos poderes, ressuscitado pelo Pai na fé dos discípulos e discípulas! Aproximamo-nos da tua mesa e apresentamos nossas mãos calejadas de tantas semeaduras e nossos corpos grávidos de louca esperança. Te apresentemos nossos passos no escuro, ainda envolvidos pelo medo de quem não sabe o que virá, mas já convictos/as de que algo de bom e transcendente está acontecendo. Como aquelas três mulheres, apresentamo-nos diante de ti, mesmo sem perfumes, apenas com a ansiedade de quem ama e com os pés livres para caminhar. O medo e o comodismo perderam seu terrível senhorio sobre nós. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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