O testemunho de amor e
serviço desperta vocações.
(At 13,14.43-52; Sl 99/100; Ap
7,9.14-17; Jo 10,27-30)
O quarto domingo do tempo pascal nos
apresenta Jesus como Cordeiro-Pastor
que revela e anuncia o Pai mais através do testemunho e das ações que de
palavras. Na mensagem que preparou para a Jornada
Mundial de Oração pelas Vocações, celebrada há 50 anos no 4° domingo da
páscoa, o nosso papa emérito Bento XVI diz que as vocações “nascem da
experiência do encontro pessoal com cristo, di diálogo sincero e familiar com
ele, para entrar na sua vontade”. O aprofundamento dessa relação com ele, na
qual a pessoa se torna capaz de acolher o chamado de Deus, “ é possível no
âmbito de comunidades cristãs que vivem uma intensa atmosfera de fé, um
generoso testemunho de adesão ao Evangelho, uma paixão missionária que induz a
pessoa à doação total de si mesma pelo Reino de Deus...” Assim, as vocações são
sinais da esperança que se fundamenta na fé (tema da jornada).
“Eu as conheço e elas me seguem...”
A fé em Deus se mostra mais pelas
ações que pelos ritos, orações e palavras.
É isso que Jesus afirma na discussão com as autoridades religiosas em
plena festa da dedicação do Templo, em Jerusalém. Os chefes do Templo procuram
Jesus questionando-o: “Até quando nos deixarás em suspenso? Se tu és o Messias,
o Cristo, dize-nos abertamente!” E Jesus retruca: “Eu já vos disse, mas vós não acreditais. As obras que eu faço em nome do meu Pai dão testemunho de mim” (Jo
10, 24-25).
Jesus apresenta suas credenciais de
Messias, de missionário do Pai: as ações que realiza em favor da humanidade,
especialmente em favor dos últimos da
escala social. Neste debate com as autoridades do judaísmo Jesus nega a
legitimidade de uma fé que não tenha apoio no próprio modo de agir. Quem está
sem reservas ao lado do ser humano está com Deus. E quem está de alguma maneira
contra o ser humano, mesmo que invoque o nome de Deus e participe de ritos
religiosos, está contra ele.
“Somos seu povo e rebanho do seu
pasto”, diz o salmista. Mas ser do rebanho de Jesus Cristo implica em escutar
sua Palavra e seguir seus passos, assumir sua pró-existência. Crer nas obras que defendem e resgatam a dignidade
humana é mais importante que crer na sua Palavra (cf. Jo 10,38). Crer em Jesus
significa segui-lo, dar continuidade à sua obra. “Eu as conheço e elas me seguem.” Seguir Jesus implica em
entregar-se sem reservas à luta pelo bem da humanidade, especialmente das
pessoas humilhadas.
“Eu lhes dou a vida eterna.”
O denominador comum das múltiplas
ações que expressam nossa fé é o amor.
A autenticidade e a frutuosidade da nossa fé em Jesus não reside na
multiplicação de atividades desconexas e sem alma. Mais que um sentimento, o amor é o dinamismo básico e permanente que
nos move no reconhecimento do outro como outro, na defesa da sua dignidade
inviolável e na priorização das suas necessidades humanas fundamentais,
inclusive em detrimento das nossas.
O amor faz da nossa vida uma pró-existência, uma vida empenhada em
favor dos outros. O amor é que nos faz
humanos, nos dá à luz como pessoas. A descoberta e a construção da nossa
identidade não se dá primariamente através da reflexão, do movimento de
dobrar-se sobre si mesmo e escutar a voz interior, mas da tomada de posição
diante de uma voz externa que chama: “Aqui estou! Envia-me!” (Is 6,8). Uma vida
assim vivida não pode ser tragada pela morte ou diminuída pelas ameaças: é re-suscitada sempre de novo, têm força
de eternidade.
“Gente de todas as nações, tribos, povos e línguas...”
O amor autenticamente humano e
cristão não reconhece nenhum tipo de fronteira. Enquanto pró-existência e afirmação da dignidade do outro enquanto outro, o amor rompe com os muros levantados em
nome da religião, da raça, da classe, do sangue, dos interesses econômicos. O amor é o único dinamismo capaz de
globalizar verdadeiramente o mundo, sem excluir ninguém, pois começa pelo
diferente, pelo outro, pela exterioridade em relação a todos os sistemas e
instituições.
Neste sentido é interessante o
testemunho dos Atos dos Apóstolos, que mostra como Paulo e Barnabé conseguem abrir as fronteiras rígidas do judaísmo e
estabelecem relações com os povos não-judeus. Partindo dos conflitos
provocados pelo anúncio de Jesus Cristo dentro do judaísmo eles se voltam aos
grupos considerados pagãos. Experimentando acolhida e respeito, os cristãos de
origem não-judaica vivem uma grande alegria. E nem mesmo a perseguição consegue
levar Paulo e Barnabé de volta à estreiteza dos laços étnicos e religiosos.
Mas aqui precisamos de novo lembrar
que o amor não se resume a um princípio formal ou um sentimento interior. Sem deixar
de ser uma opção fundamental e um horizonte iluminador e crítico, o amor não existe fora das infinitas e
pequenas ações que o encarnam na realidade. Poderíamos dizer que o amor não
existe em si mesmo, ele não é, mas ‘vai sendo’ na imensa constelação de ações
que afirmam e confirmam a vida e a dignidade das pessoas, começando pelas que
nos são próximas e chegando àquelas que deslocamos para longe, como os índios,
de cujo drama Galdino de Jesus, queimado vivo nas ruas de Brasília no dia 21 de
abril de 1997, é um símbolo dramático.
“Muitos judeus e prosélitos praticantes seguiram Paulo
e Barnabé.”
Se as palavras explicam e ilustram, o testemunho desperta e atrai. É claro
que a mensagem anunciada por Paulo e Barnabé cumpre seu papel, mas é o testemunho de uma vida radicalmente
mudada e colocada em risco que atrai judeus, prosélitos e gente vinda do
paganismo. A mesma coisa podemos dizer a respeito da vocação e da con-vocação: a oração é importante, a
pregação e o incentivo cumprem seu papel, mas o testemunho de uma vida
‘desvivida’ no amor é eloquente e irresistível.
Na sua mensagem para o dia de hoje,
Bento XVI reflete sobre a vocação como sinal
de esperança fundada na fé. Segundo ele, tudo parte da experiência de um
Deus que é fiel ao seu amor pelo mundo. “É este amor, manifestado plenamente em
Jesus Cristo, que interpela a nossa existência, pedindo a cada qual uma
resposta a propósito do que fazer da sua vida e quanto está disposto a apostar
para a realizar plenamente”. Este amor exigente e profundo nos infunde coragem
e nos dá esperança no caminho da vida e no futuro, e desperta confiança em nós
mesmos, na história e nos outros, lembra o Papa.
Jesus continua passando pelos nossos
caminhos hoje e nos vê imersos em nossas atividades, com nossos desejos e necessidades.
“É precisamente no nosso dia-a-dia que ele continua a dirigir-nos a sua
palavra; chama-nos a realizar a nossa vida com ele, o único capaz de saciar a
nossa sede de esperança.” Mas para acolher este convite “é preciso deixar de
escolher por si mesmo o próprio caminho. Segui-lo significa entranhar a própria
vontade na vontade de Jesus, dar-lhe verdadeiramente precedência, antepô-lo a
tudo o que faz parte da nossa vida: família, trabalho, interesses pessoais, nós
mesmos.”
“Vi uma multidão imensa que ninguém podia contar...”
Mas considerar como vocação
unicamente a vida religiosa e o ministério sacerdotal é um erro teológico e
pastoral. Rezando pelas vocações, pedimos a Deus que ajude nossas comunidades a
se tornarem ambientes nos quais despertem e amadureçam as diversas vocações –
leigas, religiosas e sacerdotais, litúrgicas e políticas – que ajudam a anunciar, celebrar e construir a
utopia do Reino de Deus. Elas compõem uma multidão imensa de gente que,
orientando sua vida pelas sendas do Cordeiro, está de pé diante dele, pronta a
cumprir a missão que ele lhe confia.
Nesta jornada mundial de oração
pelas vocações, que vem sendo realizada há 50 anos, pedimos também que as
autoridades eclesiásticas tenham a coragem de abrir novos caminhos e
possibilidades ministeriais. Não seria um paradoxo enfatizar a necessidade da
vida sacramental e, ao mesmo tempo, fazer os sacramentos dependerem unicamente
de homens celibatários, dificultando assim o acesso do povo à graça sacramental?
Faz sentido em pleno século XXI e diante de tanta necessidade excluir a metade
fiminina da humanidade do acesso ao ministério ordenado?
“Servi ao Senhor com alegria!”
Jesus amado, Cordeiro de
Deus e Bom Pastor! Através dos homens e mulheres que vivem a vocação como
serviço e compaixão fazes teu amor libertador chegar a todas as gerações. Mediante
estas pessoas, a maioria delas anônimas, enxugas as lágrimas do teu povo. Faz
com que nossa palavra e nosso testemunho ajude a Boa Notícia do teu Reino chegar
a todos os recônditos da terra. Tu nos fizeste, nos chamaste e somos teus/tuas.
Possamos então realizar com desvelo e criatividade a missão que nos confiaste, membros
diferentes de um único corpo no qual bate um único coração. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani
msf
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