sexta-feira, 19 de abril de 2013

4° Domingo da Pascoa


O testemunho de amor e serviço desperta vocações.
(At 13,14.43-52; Sl 99/100; Ap 7,9.14-17; Jo 10,27-30)

O quarto domingo do tempo pascal nos apresenta Jesus como Cordeiro-Pastor que revela e anuncia o Pai mais através do testemunho e das ações que de palavras. Na mensagem que preparou para a Jornada Mundial de Oração pelas Vocações, celebrada há 50 anos no 4° domingo da páscoa, o nosso papa emérito Bento XVI diz que as vocações “nascem da experiência do encontro pessoal com cristo, di diálogo sincero e familiar com ele, para entrar na sua vontade”. O aprofundamento dessa relação com ele, na qual a pessoa se torna capaz de acolher o chamado de Deus, “ é possível no âmbito de comunidades cristãs que vivem uma intensa atmosfera de fé, um generoso testemunho de adesão ao Evangelho, uma paixão missionária que induz a pessoa à doação total de si mesma pelo Reino de Deus...” Assim, as vocações são sinais da esperança que se fundamenta na fé (tema da jornada).
“Eu as conheço e elas me seguem...”
A fé em Deus se mostra mais pelas ações que pelos ritos, orações e palavras.  É isso que Jesus afirma na discussão com as autoridades religiosas em plena festa da dedicação do Templo, em Jerusalém. Os chefes do Templo procuram Jesus questionando-o: “Até quando nos deixarás em suspenso? Se tu és o Messias, o Cristo, dize-nos abertamente!” E Jesus retruca: “Eu já vos disse, mas vós não acreditais. As obras que eu faço em nome do meu Pai dão testemunho de mim” (Jo 10, 24-25).
Jesus apresenta suas credenciais de Messias, de missionário do Pai: as ações que realiza em favor da humanidade, especialmente em favor dos últimos da escala social. Neste debate com as autoridades do judaísmo Jesus nega a legitimidade de uma fé que não tenha apoio no próprio modo de agir. Quem está sem reservas ao lado do ser humano está com Deus. E quem está de alguma maneira contra o ser humano, mesmo que invoque o nome de Deus e participe de ritos religiosos, está contra ele.
“Somos seu povo e rebanho do seu pasto”, diz o salmista. Mas ser do rebanho de Jesus Cristo implica em escutar sua Palavra e seguir seus passos, assumir sua pró-existência. Crer nas obras que defendem e resgatam a dignidade humana é mais importante que crer na sua Palavra (cf. Jo 10,38). Crer em Jesus significa segui-lo, dar continuidade à sua obra. “Eu as conheço e elas me seguem.” Seguir Jesus implica em entregar-se sem reservas à luta pelo bem da humanidade, especialmente das pessoas humilhadas.
“Eu lhes dou a vida eterna.”
O denominador comum das múltiplas ações que expressam nossa fé é o amor. A autenticidade e a frutuosidade da nossa fé em Jesus não reside na multiplicação de atividades desconexas e sem alma. Mais que um sentimento, o amor é o dinamismo básico e permanente que nos move no reconhecimento do outro como outro, na defesa da sua dignidade inviolável e na priorização das suas necessidades humanas fundamentais, inclusive em detrimento das nossas.
O amor faz da nossa vida uma pró-existência, uma vida empenhada em favor dos outros. O amor é que nos faz humanos, nos dá à luz como pessoas. A descoberta e a construção da nossa identidade não se dá primariamente através da reflexão, do movimento de dobrar-se sobre si mesmo e escutar a voz interior, mas da tomada de posição diante de uma voz externa que chama: “Aqui estou! Envia-me!” (Is 6,8). Uma vida assim vivida não pode ser tragada pela morte ou diminuída pelas ameaças: é re-suscitada sempre de novo, têm força de eternidade.
“Gente de todas as nações, tribos, povos e línguas...”
O amor autenticamente humano e cristão não reconhece nenhum tipo de fronteira. Enquanto pró-existência e afirmação da dignidade do outro enquanto outro, o amor rompe com os muros levantados em nome da religião, da raça, da classe, do sangue, dos interesses econômicos. O amor é o único dinamismo capaz de globalizar verdadeiramente o mundo, sem excluir ninguém, pois começa pelo diferente, pelo outro, pela exterioridade em relação a todos os sistemas e instituições.
Neste sentido é interessante o testemunho dos Atos dos Apóstolos, que mostra como Paulo e Barnabé conseguem abrir as fronteiras rígidas do judaísmo e estabelecem relações com os povos não-judeus. Partindo dos conflitos provocados pelo anúncio de Jesus Cristo dentro do judaísmo eles se voltam aos grupos considerados pagãos. Experimentando acolhida e respeito, os cristãos de origem não-judaica vivem uma grande alegria. E nem mesmo a perseguição consegue levar Paulo e Barnabé de volta à estreiteza dos laços étnicos e religiosos.
Mas aqui precisamos de novo lembrar que o amor não se resume a um princípio formal ou um sentimento interior. Sem deixar de ser uma opção fundamental e um horizonte iluminador e crítico, o amor não existe fora das infinitas e pequenas ações que o encarnam na realidade. Poderíamos dizer que o amor não existe em si mesmo, ele não é, mas ‘vai sendo’ na imensa constelação de ações que afirmam e confirmam a vida e a dignidade das pessoas, começando pelas que nos são próximas e chegando àquelas que deslocamos para longe, como os índios, de cujo drama Galdino de Jesus, queimado vivo nas ruas de Brasília no dia 21 de abril de 1997, é um símbolo dramático.
“Muitos judeus e prosélitos praticantes seguiram Paulo e Barnabé.”
Se as palavras explicam e ilustram, o testemunho desperta e atrai. É claro que a mensagem anunciada por Paulo e Barnabé cumpre seu papel, mas é o testemunho de uma vida radicalmente mudada e colocada em risco que atrai judeus, prosélitos e gente vinda do paganismo. A mesma coisa podemos dizer a respeito da vocação e da con-vocação: a oração é importante, a pregação e o incentivo cumprem seu papel, mas o testemunho de uma vida ‘desvivida’ no amor é eloquente e irresistível.
Na sua mensagem para o dia de hoje, Bento XVI reflete sobre a vocação como sinal de esperança fundada na fé. Segundo ele, tudo parte da experiência de um Deus que é fiel ao seu amor pelo mundo. “É este amor, manifestado plenamente em Jesus Cristo, que interpela a nossa existência, pedindo a cada qual uma resposta a propósito do que fazer da sua vida e quanto está disposto a apostar para a realizar plenamente”. Este amor exigente e profundo nos infunde coragem e nos dá esperança no caminho da vida e no futuro, e desperta confiança em nós mesmos, na história e nos outros, lembra o Papa.
Jesus continua passando pelos nossos caminhos hoje e nos vê imersos em nossas atividades, com nossos desejos e necessidades. “É precisamente no nosso dia-a-dia que ele continua a dirigir-nos a sua palavra; chama-nos a realizar a nossa vida com ele, o único capaz de saciar a nossa sede de esperança.” Mas para acolher este convite “é preciso deixar de escolher por si mesmo o próprio caminho. Segui-lo significa entranhar a própria vontade na vontade de Jesus, dar-lhe verdadeiramente precedência, antepô-lo a tudo o que faz parte da nossa vida: família, trabalho, interesses pessoais, nós mesmos.”
“Vi uma multidão imensa que ninguém podia contar...”
Mas considerar como vocação unicamente a vida religiosa e o ministério sacerdotal é um erro teológico e pastoral. Rezando pelas vocações, pedimos a Deus que ajude nossas comunidades a se tornarem ambientes nos quais despertem e amadureçam as diversas vocações – leigas, religiosas e sacerdotais, litúrgicas e políticas –  que ajudam a anunciar, celebrar e construir a utopia do Reino de Deus. Elas compõem uma multidão imensa de gente que, orientando sua vida pelas sendas do Cordeiro, está de pé diante dele, pronta a cumprir a missão que ele lhe confia.
Nesta jornada mundial de oração pelas vocações, que vem sendo realizada há 50 anos, pedimos também que as autoridades eclesiásticas tenham a coragem de abrir novos caminhos e possibilidades ministeriais. Não seria um paradoxo enfatizar a necessidade da vida sacramental e, ao mesmo tempo, fazer os sacramentos dependerem unicamente de homens celibatários, dificultando assim o acesso do povo à graça sacramental? Faz sentido em pleno século XXI e diante de tanta necessidade excluir a metade fiminina da humanidade do acesso ao ministério ordenado?
“Servi ao Senhor com alegria!”
Jesus amado, Cordeiro de Deus e Bom Pastor! Através dos homens e mulheres que vivem a vocação como serviço e compaixão fazes teu amor libertador chegar a todas as gerações. Mediante estas pessoas, a maioria delas anônimas, enxugas as lágrimas do teu povo. Faz com que nossa palavra e nosso testemunho ajude a Boa Notícia do teu Reino chegar a todos os recônditos da terra. Tu nos fizeste, nos chamaste e somos teus/tuas. Possamos então realizar com desvelo e criatividade a missão que nos confiaste, membros diferentes de um único corpo no qual bate um único coração. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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